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O mundo do futuro

Atingiremos mais em breve do que julgávamos o máximo da curva populacional do planeta, e a partir daí a população do mundo começará a cair, algo que não acontecia há pelo menos 1000 anos.

Miguel Morgado
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Por estes dias, uma parte considerável do mundo, contra a vontade cada vez menos disfarçada de alguns dos seus governantes, intelectuais e “activistas”, festejou um nascimento. A razão não é para menos. Foi um nascimento que fundou uma religião revolucionária, que transformou a face do mundo e o conteúdo das nossas consciências. Mas, se em termos mais ontológicos, a natalidade é sempre uma promessa de renovação, não há como ignorar que o nascimento é um facto material da maior importância num mundo de seres corpóreos, como nós, humanos, ainda somos.

Até há não muito tempo, o pesadelo dos cientistas sociais e de outros aventureiros era que havia nascimentos a mais no mundo. Havia muito mais nascimentos do que seria desejável. Para alguns isto era o desenho de um pesadelo. Num futuro próximo e calculável, esta vaga levaria a um planeta sobrepovoado, com todo o cortejo de misérias dos respectivos cavaleiros apocalípticos. No primeiro “Dia da Terra”, a 22 de Abril de 1970, choveram previsões de catástrofe iminente. Desde a delapidação total dos minérios extraídos até ao arrefecimento global, as lições foram humildemente aprendidas pelos líderes do punhado de democracias que havia então, quase todas no Ocidente. Mas a previsão mais aflitiva, porque parecia ser a mais inexorável, dava conta de um mundo a rebentar pelas costuras de seres humanos. O inefável Paul Ehrlich, que tinha publicado dois anos antes o estrondoso “The Population Bomb”, estimou que nada mais, nada menos do que 4 mil milhões de pessoas estariam à beira da morte por inanição na década de 80, ou seja, pouco mais de 10 anos mais tarde. Previa ele que, dentro de um punhado de anos após o “Dia da Terra”, centenas de milhões morreriam de fome, e alguns nos países ocidentais.

No entanto, no momento em que tanta ciência era absorvida por comunicação social, cultura popular e sistema político, começava um novo movimento de redução das taxas de natalidade e de fecundidade. A população mundial continuou a crescer exponencialmente, facto que, para os que não estavam familiarizados com as dinâmicas próprias da demografia, parecia confirmar os profetas da catástrofe. Por isso, foi com indisfarçável surpresa que, já nos nossos dias, as previsões do departamento de demografia das Nações Unidas foram sendo sucessivamente revistas em baixa relativamente ao que tinha sido previsto nos anos anteriores. Mais, as taxas de fecundidade foram sendo apresentadas em queda abrupta em praticamente todos os países e regiões culturais que pareciam imunes a tendências próprias de sociedades modernas ocidentais. O que parecia ser uma característica das sociedades do mediterrâneo ocidental, historicamente católicas, em vias de descristianização acelerada, eram afinal traços das sociedades que emergiam do totalitarismo comunista no Leste da Europa e na órbita eurasiática do ex-império soviético. Afinal, as sociedades xintoístas, budistas, confucionistas do Extremo Oriente registavam as mesmas quedas da América Latina. Nem o mundo islâmico escapou à razia. O Irão tornou-se um caso particularmente saliente da passagem, numa geração, de um país com taxas de fecundidade elevadíssimas para padrões ocidentais, e tudo durante o decurso de uma revolução nacional de fanatismo xiita.

Pouco anos foram necessários para fazer chegar a tendência a todos. Casos que faziam desesperar o observador consternado, como a Índia, o Bangladesh e o Sri Lanka, chegaram à presente década com uma taxa de fecundidade inferior à normalmente associada à renovação integral das gerações (2,1-2,3 filhos por mulher). E mesmo a excepção à actual contracção demográfica, a África Subsaariana, já começou a reduzir sensivelmente as suas taxas de fecundidade, ainda que acima do índice de renovação de gerações, e, portanto, em pleno crescimento populacional. Por razões que só podemos conjecturar sem grande fundamento além da intuição das coisas, nos últimos 10 anos a tendência de redução das taxas de fecundidade acelerou, trazendo-nos a um contexto que há apenas 30 anos era pura e simplesmente impensável. São hoje várias as sociedades que figuram taxas de fecundidade inferiores a 1.

Mas se agregarmos todos os dados, e não considerarmos sequer os muitos e bons argumentos que dão conta que mesmo os números da ONU têm sobrestimado não apenas as taxas de fecundidade, mas os números absolutos das populações nacionais, e temos já hoje uma taxa de fecundidade global inferior ao nível da renovação de gerações.

Tal indica que atingiremos mais em breve do que julgávamos o máximo da curva populacional do planeta, e a partir daí a população do mundo começará a cair, algo que não acontecia há pelo menos 1000 anos, mesmo descontando os efeitos da peste negra no século XIV. Nalguns países a diminuição populacional será rápida, noutros será mais atenuada. Daqui nascerão novos equilíbrios e desequilíbrios geopolíticos, novas exigências tecnológicas, novas restrições à circulação de pessoas, novos horizontes morais, novas políticas económicas. Mas não há dúvida de que será um mundo novo, à semelhança dos anteriores com os seus heróis e os seus charlatães.