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O ABC DE 2025

Quem há uma década punha e dispunha dos outros com arrogância é agora castigado. O poder tende a retirar a inteligência de quem o usa. Agradeço pelo vibe shift com o cinto de segurança posto.

Tiago de Oliveira Cavaco
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A de alegria
A alegria é mais do que um sentimento: é um objectivo a que a pessoa se propõe. Para um cristão, a alegria é uma ambição teimosa que deve atropelar todas as circunstâncias que nos queiram impedir dela. Haverá quem encontre nesta atitude um tipo de alienação. Mas mais alienado será quem toma a vida com um acaso estéril. Ter fé é saber que a existência tem peito para nos matar a sede.

B de Brasil
Não há país que me ame como o Brasil. Também é facto que tem a vantagem de não ter de me aturar o ano inteiro. Campina Grande na Paraíba é uma cidade que ficará para sempre no meu coração e que espero voltar a visitar. Ao poder pregar para mais de dez mil pessoas na praça central, a equipa da Conferência Consciência Cristã deu-me uma “once in a lifetime experience”.

C de concertos
O melhor concerto a que assisti foi o do John Maus no Capitólio (uma sala péssima). O melhor concerto que dei foi no Porão da Cerveja em São Paulo, no Brasil. Também foi inesquecível juntar-me ao Sami nos Coliseus.

D de doenças
O ano acabou com uma doença grave e inesperada da minha mãe—graças a Deus teve alta um dia antes da véspera de Natal (obrigado pelas vossas orações!). Entre os Cavacos houve mais saúdes desafiadas. Um dia será a minha vez. Como lembra o título do melhor disco deste ano, do John Maus, “It’s Later Than You Think”. É mais tarde do que julgamos. A nossa vida está mais perto do fim e é bom que lidemos com isso. Perto vem o dia em que tudo será avaliado por instâncias superiores ao nosso juízo. As doenças que nos vão matar serão logística jurídica. Já arranjei um bom advogado.

E de enlaces
2025 foi ano de alguns casamentos importantes. Oficiei o casamento de uma jovem da primeira geração pastoreada por mim. Desisti de olhar para a Isabel a entrar no santuário com o pai, o meu amigo Tiago Falcoeiras, porque não podia dirigir a cerimónia a chorar. De outra perspectiva, eu e a Rute fizemos 23 anos de casados. Um casamento é mais o seu fim do que o seu início.

F de faculdades
A nossa segunda filha entrou sem dificuldades para a Faculdade e a mais velha foi para Erasmus na Holanda. O homeschooling funciona mesmo.

G de glória
O conceito de glória é complicado de explicar a quem o confunde com vaidade. Glória significa reputação, um nome que não se mancha. Como usam o meu nome é também o tamanho do meu carácter. Quando formos mais cuidadosos com os nomes dos outros, será mais fácil aceitar a perfeição da glória divina.

H de hospital
Não me lembro de uma época em que tenha visitado tanto o hospital como teve de acontecer no final deste ano com o internamento da minha mãe. Ainda antes de ela sair disse-lhe que, se havia algo bom em toda esta crise, é que tinha estado com ela mais do que costumo.

I de igreja
A Igreja de Lapa, que pastoreio, antecipa transições: daqui a menos de dois anos passarei a presidência do Presbitério ao Filipe Sousa, e próximo Setembro queremos dar autonomia à nova que estamos a plantar. Muita expectativa e desejo de não estragar nada do que até agora se conseguiu. O desconhecido tem de ser uma razão para se ter mais fé, não menos.

J de Jesus Cristo
“Cristo comigo,
Cristo à minha frente,
Cristo atrás de mim,
Cristo em mim,
Cristo abaixo de mim,
Cristo sobre mim,
Cristo à minha direita,
Cristo à minha esquerda,
Cristo quando me deito,
Cristo quando me sento,
Cristo quando me levanto,
Cristo no coração de cada um que pensa em mim,
Cristo na boca de cada um que fala de mim,
Cristo em todo o olho que me vê,
Cristo em todo ouvido que me ouve.
Amém!”

K de kapa
O kapa é uma letra com muito pouco uso para um português rezingão como eu.

L de leituras
Este ano pus na cabeça que tinha de ler um livro por semana. O meu amigo Tiago Falcoeiras costuma ler mais de 200 e apesar de para mim uma quantidade dessas pertencer já ao foro psiquiátrico, fiquei picado para ler mais. Li, portanto, 52 livros este ano. Os teus preferidos foram:
– “Dogmatics in outline” do Karl Barth
– “O Anticristo” do Nietzsche
– “O Peregrino” de John Bunyan
– “O Povo de Deus” do Juliano Spyer
– “Silas Marner” da George Eliot
– “Please Kill Me” do Legs McNeil
– “The Age of Hitler” do Alec Ryrie
– “A Cultura do Narcisismo” do Christopher Lasch
– “The American Religion” do Harold Bloom
– “A Trombeta Vaga” do Simão Lucas Pires

M de música (discos preferidos)
– “Later Than You Think” do John Maus
– “SWAG 1 e 2” do Justin Bieber
– “Getting Killed” dos Geese
– “de.bu.te” da Esteves sem Metafisica

N de nada de novo
A política, uma vez mais, comprova-o. Quem há uma década punha e dispunha dos outros com arrogância é agora castigado. Os abusos da velha esquerda são castigados pela nova direita — é bem feito e surpresa zero. O poder tende a retirar a inteligência de quem o usa. Agradeço pelo vibe shift com o cinto de segurança posto.

O de oceano
Ainda não fiz a contagem das vezes em que mergulhei no mar, mas sem falta para a semana trago o registo (deixei a agenda em Lisboa e no momento em que escrevo estou em Leiden). Levo muito a sério o facto de sermos um país litoral.

P de Países Baixos
Na verdade, não vou deixar de dizer Holanda mas o H já estava tomado. Por causa do Erasmus da nossa mais velha, viemos passar o Natal a Leiden. O centro da Europa tem pouco a ver com a Europa de cauda que nos calhou. Aqui o dinheiro já gira de mãos em mãos há séculos como em Portugal ainda é difícil. Nota-se. As cidades são organizadas, bonitas e funcionais como só cidades de capital mais distribuído podem ser. Tudo acontece com mais simplicidade e eficácia, até com as pessoas. Sim, eventualmente sentimos falta do atrito espiritual e da cor caótica que são mais próprios dos países católicos. Sentimos saudades, enfim.

Q de quarto de século
A FlorCaveira celebrou 25 anos de vida no Brasil. Perto de 800 pessoas festejaram num evento de dois dias. Somos tão jovens ainda e o futuro da nossa religião & punk rock promete. Esperem mais música e livros para 2026.

R de ressentimentos
Com 48 anos é mais fácil admitir o peso dos ressentimentos que se acumulam. O alívio dá-se com confissão, muita confissão. Ando a planear escrever um livro chamado: “Contra Mim Falo: um ABC da Confissão”. Não sei se terá sucesso mas será sincero.

S de sentidos
Num espaço de menos de um mês, vejo-me envolvido em três episódios de pessoas que à minha frente perdem os sentidos (ou quase). Nos três episódios tenho de servir de enfermeiro. A situação está mesmo desesperada se o enfermeiro à disposição sou eu. Mas Deus deu-me a graça de ser útil—foi mesmo graça porque de capacidade tenho nada.

T de taxa de natalidade
O ano passado mencionei neste texto de final de ano a Stephanie e o Felipe, que tinham perdido o bebé deles no parto. Deus deu-lhes em 2025 a Sofia. Foi uma alegria muito, muito grande para eles e para a toda a comunidade. Pegamos ao colo as orações que nos são respondidas.

U de urnas
Uma vez mais o ano termina à sombra de eleições. Repito aos meus filhos que uma das virtudes da democracia é podermos votar em pessoas que não nos representam assim tanto. Sentir-me refletido num político é um fenómeno assustador.

V de viagens
Visitei o Brasil, visitei a Holanda e visitei os Estados Unidos. Fui à Califórnia. Los Angeles não é necessariamente o avesso de Nova Iorque mas a diferença é, de facto, grande. Gosto dos californianos mas nota-se neles uma certa presunção de quem acha que aprendeu a simplificar a vida por estar no lugar onde o sol se põe mais tarde. É como se o facto de lá o dia terminar mais tarde lhes desse uma espécie de garantia de que não precisam de repetir os erros de quem já vive a escuridão.

W de WhatsApp
Acabo sempre a lamentar-me do WhatsApp. Um dia viveremos desentubados dele e com uma real capacidade de atenção às pessoas com quem comunicamos.

X de xamãs
Por ser obcecado pela leitura da Bíblia, detesto xamãs. Xamãs desenvolvem-se em religiões de iluminados, de esclarecidos, de videntes. Um cristão orientado pela palavra quere-a solta, acessível e, sobretudo, popularizada.

Y de ípsilon
O Y é uma letra com muito pouco uso para um português rezingão como eu.

Z de zero
Quais os grandes zeros de 2025 que gostávamos que se tornassem valores positivos para 2026?