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Feliz Ano 2026, isto é 2032, ou 2033!

Jesus Cristo não nasceu há 2025 anos, como o calendário universal faz crer, mas antes. Ou seja: Cristo nasceu antes de Cristo!

P. Gonçalo Portocarrero de Almada
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A poucos dias de terminar o ano, e também o primeiro quartel do século XXI, estamos prestes a iniciar um novo ano, o 2026 depois de Cristo. Mas, … é mesmo?!

A cronologia cristã é, praticamente, universal. Com efeito, como escreveram Michel-Yves Bolloré e Olivier Bonnassies, “8 mil milhões de pessoas, ou seja, a totalidade do planeta, servem-se do […]  ano de nascimento [de Cristo] nos respectivos calendários, ainda que nunca dele tenham ouvido falar. Todos os contratos do mundo, todos os actos jurídicos do mundo, todas as publicações do mundo se referem ao seu ano de nascimento.” (Deus, a ciência, as provas, D. Quixote, Lisboa 2024, pág. 357-358). De facto, a data atribuída ao nascimento de Cristo impôs-se como referência universal, muito para além das fronteiras do Cristianismo.

Jesus de Nazaré foi um simples artesão de uma pequena e insignificante povoação da Galileia (Jo 1, 46), não casou, não deixou geração, nem escreveu nenhuma obra de referência, ou conquistou o que quer que seja, pois morreu crucificado, entre dois ladrões. No entanto, todos os acontecimentos são datados em função do seu nascimento. A este propósito, Ferdinand Prat disse: “Se alguma vez se falou de alguém depois da sua passagem pela terra, foi deste modesto artesão de Nazaré que nunca empunhou a espada nem a pena, e que não desempenhou qualquer função no seu país. Este carpinteiro sem fortuna, sem mulher, sem filhos nem relações, tomou-se pelo Messias, mas, em poucos meses, as autoridades do país meteram-no na ordem, e a maioria dos seus seguidores abandonou-o quando sofreu a condenação a uma morte infame, mas comum na época [, a crucificação]. O seu nome deveria ter sido completamente esquecido! E, no entanto, muito depressa, ocupa o primeiro lugar na história do mundo! E esse nome seria simplesmente o de um artesão de uma obscura povoação da Galileia? Se há coisas inexplicáveis esta é, seguramente, uma delas!” (Idem, pág. 358).

Não faltaram tentativas de substituir o calendário cristão por cronologias laicas: “Bem tentou a Revolução Francesa criar um calendário novo com um novo ano I em 1793, mas a tentativa, circunscrita a um só país, não durou mais do que doze anos. Mais tarde, Mussolini tentou estabelecer o ano I em 1925” – se esta nova datação tivesse vingado, estaríamos agora a terminar o primeiro século da era fascista! – “mas, mais uma vez, a aventura foi efémera.” (Idem, pág. 357).

Será que o êxito da datação cristã se ficou a dever à originalidade? Não parece, pois, seguindo a mesma fonte, “os judeus, os muçulmanos e os chineses têm, de facto, um calendário próprio, mas cuja utilização está limitada à referida esfera. Assim, a data de nascimento de Jesus é um meridiano absoluto e universal, um ‘equador do tempo’ que divide a História da humanidade em duas [eras], com um ‘antes dele’ [a.C.] e um ‘depois dele’ [d.C.]”(Idem, págs. 357-358).

E, no entanto – pasmem-se! – está provado que Jesus não nasceu há 2025 anos, como a datação universal faz crer, mas antes. Ou seja: Cristo nasceu … antes de Cristo!

O rigor na datação dos acontecimentos históricos é relativamente moderno. Uma figura contemporânea, como Amália Rodrigues, sabia que não tinha nascido na data em que foi registada, mas antes; no entanto, como o seu pai teria de pagar uma multa se dissesse o dia do seu nascimento, declarou uma data posterior, mas falsa.

Os relatos evangélicos são fiáveis documentos históricos, não só pela sua concordância essencial e pontuais discrepâncias – se os textos fossem exactamente iguais é que seriam suspeitos! – mas também pela sua contemporaneidade com os factos que relatam. Se, no século XXI, alguém afirmasse que Vasco da Gama não tinha uma orelha, possivelmente poucos seriam os que o poderiam confirmar, ou refutar. Mas se alguém dissesse o mesmo de Einstein, ou de João XXIII, muitos assegurariam a falsidade dessa afirmação. Ora, os Evangelhos foram escritos pelos mais próximos colaboradores de Jesus Cristo, ao tempo em que ainda viviam muitos dos que o tinham conhecido, quer por terem assistido aos seus milagres – foram milhares os que beneficiaram das multiplicações dos pães e peixes (Mc 6, 44) – quer por se terem oposto aos seus ensinamentos, os quais, depois de terem logrado a sua morte infamante, tudo fizeram para o desacreditar e erradicar a sua doutrina.

Os evangelistas não eram muito precisos no que se refere à datação dos episódios relatados pois, muitas vezes, refugiavam-se num vago “naquele tempo” (Mt 12, 1, etc.), ou, se estabeleciam uma relação cronológica entre dois acontecimentos – por exemplo, depois do milagre em Caná de Galileia, Jesus voltou a Cafarnaum (Jo 2, 12) –, não os datavam. Acresce que, ao tempo em que foram escritos os Evangelhos, a religião cristã era perseguida pelo império romano, cuja cronologia se estabelecia a partir da suposta data da fundação de Roma, pelo que o calendário cristão é relativamente tardio: “o início da nossa contagem do tempo – a determinação do nascimento de Jesus – remonta ao monge Dionísio, o Exíguo (+ ca. 550), que claramente errou alguns anos nos seus cálculos” (Joseph Ratzinger/Bento XIV, Jesus de Nazaré, A Infância de Jesus, Principia, Cascais 2012, pág. 56).

Com efeito, é sabido que o nascimento de Jesus de Nazaré aconteceu quando reinava Herodes, o Grande. Como é sabido que este tirano teve conhecimento do nascimento de Jesus – o esperado Messias, ou Rei dos Judeus – e mandou matar todas as crianças com menos de dois anos de idade (Mt 2, 16-18), é provável que Cristo tenha nascido cerca de dois anos antes da matança dos inocentes, ainda em vida deste Herodes.

É curioso notar que o evangelista Mateus não só refere que foram os Magos que informaram Herodes sobre o nascimento do Rei dos Judeus, mas também que “Herodes, tendo chamado secretamente os magos, inquiriu deles cuidadosamente acerca do tempo em que lhes tinha aparecido a estrela; depois, enviando-os a Belém, disse: Ide, informai-vos bem acerca do menino e, quando o encontrardes, comunicai-mo, a fim de que também eu o vá adorar” (Mt 2, 7-8). Ou seja, a ordem de “matar todos os meninos, que havia em Belém e em todos os seus arredores da idade de dois anos para baixo, segundo a data que tinha averiguado dos magos” (Mt 2, 16), tinha um sério fundamento e, portanto, nessa altura, Jesus já não seria um recém-nascido, em cujo caso só teriam sido mortos os que o fossem, mas uma criança entre um e dois anos. Obviamente, também não teria mais idade, porque o tirano, que tinha interrogado os magos “cuidadosamente acerca do tempo” do nascimento do verdadeiro Rei dos Judeus, não podia correr o risco de falhar no propósito da rápida eliminação de um perigoso candidato ao seu trono.

Estes dados permitem concluir que, tendo morrido Herodes no ano 4 antes de Cristo e tendo este então aproximadamente dois anos, é muito provável que Cristo tenha nascido no ano 6, ou 7, … antes de Cristo! Sendo assim, o ano 2000 do calendário mundial, quando os supersticiosos temeram terríveis catástrofes que, felizmente, não aconteceram, não era tal data, pois esse aniversário tinha ocorrido 6 ou 7 anos antes! E, pela mesma razão, o próximo ano não será, de facto, o 2026 depois de Cristo … mas o 2032, ou 2033!