Como diria um antigo seleccionador nacional com um misto de pragmatismo e poesia, as presidenciais chegaram à fase do “mata-mata”. A primeira volta das eleições é já a 18 de janeiro — ou seja, é já amanhã. Por isso, daqui a muito pouco tempo, os eleitores vão ter de tomar decisões difíceis. Os candidatos mais frágeis odeiam que se diga isto, mas, queiram ou não, vão ser arrastados pela lei do voto útil da mesma forma que um objeto pesado é arrastado pela lei da gravidade. Já se percebeu que nestas presidenciais os eleitores não encontraram candidatos carismáticos, incontornáveis ou irresistíveis — e, quando não há convicção no voto, sobra a utilidade. Quem está à direita, quem está à esquerda e quem está fora do sistema vai pensar muito bem na melhor forma de evitar que o seu voto seja um desperdício ou um capricho.
Os candidatos, de facto, não têm ajudado. Todos eles cometeram erros infantis na campanha, o que aumentou a falta de vontade dos eleitores em meterem-se confortavelmente nas mãos deles.
Luís Marques Mendes reagiu com inesperado amadorismo à polémica sobre a sua vida profissional e as suas ligações políticas. Qualquer pessoa dotada da capacidade para antecipar o óbvio deveria ter percebido há muitos meses que, depois do caso Spinumviva, um candidato com uma empresa familiar que tem como sócios a mulher e os filhos iria ser alvo do mais implacável escrutínio. Além de ter dissolvido a sociedade, Marques Mendes deveria ter tomado a iniciativa de revelar a lista completa dos clientes e de explicar detalhadamente o que fez para cada um deles. Em vez disso, ficou à espera que surgissem as perguntas e as suspeições, como se estivesse a fazer figas para que ninguém se lembrasse de falar sobre o assunto. Podia ter controlado e arrumado o tema, mas ficou a servir de saco de pancada dos adversários.
António José Seguro também teve dificuldades em ver o óbvio. Com o espaço da direita hiperlotado, evidentemente ele devia ter-se apresentado desde o início como o único candidato viável da esquerda. Há aquela frase célebre: “Se anda como um pato, se nada como um pato e se fala como um pato, então é porque é um pato”. Se Seguro foi líder da JS, se foi líder do PS e se fez toda a vida no PS, então é porque é socialista e, por definição, de esquerda. Mas, até chegar a essa conclusão incontestável e começar a apelar ao voto útil de toda a esquerda, António José Seguro embrulhou-se em conversas sobre “gavetas” e sobre a sua irreprimível vontade de agradar à direita desiludida com Marques Mendes.
Henrique Gouveia e Melo também tentou, absurdamente, agradar a toda a gente: aos que odeiam o sistema e aos que idolatram o sistema; aos que adoram Mário Soares e aos que desconfiam de Mário Soares; aos que já votaram no PS, aos que já votaram no PSD, aos que já votaram na IL e aos que já votaram no Chega. O almirante conseguiu o extraordinário feito de fazer com que os eleitores tenham hoje mais dúvidas sobre o que lhe anda na cabeça do que tinham no tempo em que ainda não tinha aberto a boca para falar sobre nada. Ninguém verdadeiramente sabe se um voto em Gouveia e Melo é útil ou pernicioso. Nas presidenciais, queria ser o novo general Ramalho Eanes, mas corre o risco de ser o novo almirante Pinheiro de Azevedo.
André Ventura comportou-se na primeira parte da campanha como a atual líder do Partido Conservador inglês. As pessoas mais próximas de
Kemi Badenoch dizem que ela tem a capacidade autodestrutiva de começar uma rixa mesmo numa sala vazia. Como se sabe, o combustível político de André Ventura são os inimigos. Esses inimigos podem ser internos ou externos, mas convém, apesar de tudo, que não sejam totalmente imaginários, para que o líder do Chega não pareça um fantasista ou um charlatão. A dada altura, acalmou-se e disciplinou-se. O seu grande objetivo nesta campanha era convencer os fiéis do Chega de que o voto útil nesta eleição era nele e não no almirante — e tudo indica que conseguiu.
João Cotrim de Figueiredo, à direita, e Catarina Martins, António Filipe e Jorge Pinto, à esquerda, têm de explicar aos seus eleitores potenciais que vale a pena entregar-lhes um voto que poderia ser mais útil noutros candidatos. Cotrim apostou nos jovens, que, em tese, sentem a liberdade de votar sem se deixarem condicionar por cálculos e contas. Catarina Martins tentou apresentar-se como a legítima herdeira de Mário Soares e de Jorge Sampaio, ignorando que não é possível passar uma vida inteira a habitar o radicalismo para depois se reclamar como a representante confiável da esquerda moderada e bem comportada. António Filipe refugiou-se na mais empedernida ortodoxia, tentando assim persuadir os simpatizantes do PCP de que o voto em qualquer outro candidato será uma rendição ao desprezível “consenso neoliberal”. E Jorge Pinto apareceu como o último recurso de um partido que preferia a unidade da esquerda e só apresentou um candidato próprio porque, enfim, que remédio, tinha mesmo de ser.
Faltam três semanas para a primeira volta. Chegou a hora da lei da gravidade. Tic-tac. Tic-tac.