É recebida sem comoção a teoria de que o comentário político na sua forma moderna poderá ter derivado do comentário desportivo; sendo evidente a todos que deste provieram muitos políticos, e que aquele não floresce sem comentadores desportivos. É hoje banal a ideia de que existe uma relação entre fazer comentários desportivos e ter actividade política; e aceite que quem já não está em condições de ter actividades políticas ou desportivas se possa ocupar verbalmente de quem ainda tem essas condições.
É também manifesto que os comentadores políticos não se limitam, como qualquer pessoa, a declarar que a vida é um jogo; acreditam manifestamente que o mundo é um estádio. Embora os seus motivos nem sempre se percebam à primeira, é o que se passa nesse estádio mental que lhes dá vivacidade. O desporto é pois para eles uma escola de oportunidades. Foi nessa escola que aprenderam as principais habilidades requeridas pelo comentário político. Essas habilidades são quatro: falar do que vai acontecer, do que pode acontecer, do que está a acontecer e do que acabou de acontecer.
Não é contudo simples determinar que desporto está na origem do comentário político moderno. Em boa verdade a maior parte dos desportos não parece ajudar à analogia: o ciclismo e o gamão, por exemplo, não dependem de comentários para fixar os seus resultados. A analogia deve antes ser procurada entre aqueles desportos cujos resultados são fixados através do consenso médio das opiniões de comentadores respeitados, e que revelam as mais perfeitas formas políticas do passado. É particularmente pungente no único desporto onde sobrevive o socialismo de rabo humano: a patinagem artística.
Os comentários a uma actividade sugestiva como a patinagem artística requereriam em princípio uma análise demorada, que pode atrasar a fixação dos resultados dos concursos. Ora, em matérias de patinagem, quando não é célere a justiça não pode ser justa. Combinou-se por isso que as únicas palavras permitidas ao seu comentário seriam números; e que só seria permitido o uso de números que obedecessem a critérios. Da conjunção entre números e critérios nasceram os dois princípios legais da patinagem artística moderna: a nota artística e a nota técnica. Estes dois princípios foram subsequentemente introduzidos sob forma aperfeiçoada no comentário político.
Em consequência desse aperfeiçoamento um desempenho político recebe hoje geralmente dos seus comentadores uma nota única. Ao público interessado em perceber a nota cabe descobrir se a nota é artística ou técnica. Se é artística, exprime o grau de admiração por acções que o comentador considera bem-apanhadas, mas que não recomendaria. Se é técnica, exprime aquilo que o comentador subscreve, mas acha que faria melhor se tivesse condições; porque chamamos arte àquilo que não tencionamos fazer, e técnica àquilo que achamos que fazemos bem. Descoberta a natureza da nota, o público consegue adivinhar as opiniões políticas dos comentadores políticos, e perceber os seus motivos.