Marcelo Rebelo de Sousa está incomodado com duas posições tomadas por Luís Montenegro relacionadas com a guerra da Ucrânia sem que antes tenha consultado o Presidente da República. A marcação do Conselho de Estado não foi apenas por se ter cansado de esperar pelos novos membros da Assembleia da República, mas para dar um sinal político ao Governo de que ainda está em plenas funções e de que, sendo ele o Comandante Supremo das Forças Armadas, estas matérias têm de passar por Belém. Por ele próprio e, desejavelmente, após ouvido o Conselho de Estado.
O Presidente da República queria por isso, segundo explicou fonte de Belém ao Observador, convocar os conselheiros antes do início da campanha oficial das Presidenciais, mas seguiu a boa prática e articulou a data com o primeiro-ministro. Terá sido Luís Montenegro, segundo a mesma fonte, que não se mostrou disponível para reunir antes do dia 9 de janeiro.
Marcelo atirou ao Parlamento (“o Conselho de Estado está sem poder funcionar à espera da eleição dos conselheiros de Estado da AR há seis meses”), mas, na verdade, está agastado com o Governo por não ter sido ouvido antes de Montenegro ter feito declarações importantes nesta matéria. E a forma de o dizer foi alertar publicamente que o Conselho de Estado, o órgão de aconselhamento do Presidente, ainda não foi ouvido sobre o assunto. “A Ucrânia é um tema fundamental na nossa vida. Na vida do mundo e na vida da Europa e do Mundo. Não me parece sensato, quando estão a ser tomadas decisões essenciais sobre a Ucrânia, eu discuto-as em Conselho Superior de Defesa Nacional e não são discutidas em Conselho de Estado?”, questionou Marcelo na ida à ginjinha da consoada.
As próprias chefias militares, sabe o Observador, terão levantado as mesmas dúvidas por a algumas questões importantes terem ficado de fora do Conselho Superior de Defesa Nacional, que se realizou quatro dias antes da viagem do primeiro-ministro a Kiev. O líder do PS, José Luís Carneiro, chegou a queixar-se disso publicamente no último sábado: “Sobre matéria desta natureza e sensibilidade, [o primeiro-ministro] deve recuperar as práticas institucionais que sempre prevaleceram, ouvindo os partidos da oposição sobre os termos as posições internacionais do Estado devem também ser assumidas. O primeiro-ministro foi omisso sobre esta matéria no Conselho Superior de Defesa Nacional; este não foi um assunto tratado.”
Mas para o Chefe de Estado é mesmo imprescindível ouvir também o Conselho de Estado. Se Marcelo já o queria antes, depois de ouvir as declarações de Montenegro ao lado de Volodymyr Zelensky tentou de imediato reunir os conselheiros. Marcelo quer ter uma posição sobre o assunto, mas antes quer reunir o Conselho de Estado. Ou seja: ter uma validação política (e não apenas militar) para a sua posição.
Há duas matérias que Marcelo considera que devem ser (ou melhor já deviam ter sido) debatidas pelo Conselho de Estado: uma que foi dada como garantia no Conselho Europeu de 18 e 19 de dezembro e outra dada em Kiev. “Quer dizer, a posição da Europa em termos de apoio financeiro à Ucrânia, que compromete os Estados para o futuro. Um empenhamento militar ou não português numa hipótese de cessar-fogo no futuro. Não é muito natural que o Presidente da República saia de funções sem que o Conselho de Estado, com a composição que tem, que é a legal, esperar por esta matéria”, disse Marcelo.
Para o chefe de Estado, estas são duas novidades que não podem passar em claro sem uma posição do Conselho de Estado. No entanto, as novidades podem não ser assim tão novidade. Em primeiro lugar, sobre os empréstimos, Marcelo pronunciou-se sem precisar de ouvir os conselheiros e até elogiou a decisão: “O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa saúda a decisão do Conselho Europeu de conceder um empréstimo de 90 mil milhões de euros para dar resposta às necessidades financeiras da Ucrânia nos próximos dois anos, a par da prorrogação das sanções contra a Rússia. Trata-se de um passo fundamental para alcançar uma paz justa na Ucrânia, demonstrando que os líderes europeus permanecem unidos no seu apoio inabalável à Ucrânia e ao povo ucraniano. Num momento crucial, a Europa esteve à altura do desafio.”
Relativamente ao segundo ponto, as chamadas “botas no terreno”, não é novidade no discurso de Luís Montenegro. Já no Conselho Europeu de 6 de março de 2025 — nove meses antes de o ter dito ao lado de Zelensky em Kiev — o primeiro-ministro tinha dito numa conferência de imprensa com jornalistas portugueses em Bruxelas que “se for necessário tropas no terreno e que os parceiros da UE a constituam, Portugal estará naturalmente, como tem estado noutros teatros de operações, do lado dos que garantem a paz e a segurança.”
Candidatos convocados podem não aparecer. Marcelo promete recato até às eleições
O Conselho de Estado de dia 9 de janeiro veio dificultar a agenda apertada dos candidatos, que já vão ter de estar em Lisboa, no dia 6, para o debate na RTP com os onze potenciais sucessores de Marcelo. André Ventura, sabe o Observador, admite mesmo não estar presente para conseguir ir a todos os distritos que tinha planeado, o que inclui o desejo de se deslocar às duas regiões autónomas. Ainda assim, não está excluída a possibilidade de estar presente.
Luís Marques Mendes também terá de adaptar a sua agenda, não tendo o Observador ainda qualquer indicação da candidatura sobre o que será mais provável. Independentemente disso, o Presidente da República já desobrigou os dois candidatos de estarem presentes, dizendo que é absolutamente normal e justificável caso não possam comparecer, uma vez que estão em campanha eleitoral. É óbvio que a presença é sempre voluntária, mas fica o sinal que o chefe de Estado não considera indispensável a presença dos dois candidatos.
Sobre o facto de Pedro Nuno Santos, por exemplo, ainda estar presente como conselheiro de Estado, o Presidente disse publicamente que é a “legal” e legítima composição. Além disso, fonte de Belém lembrou ao Observador que “Francisco Louçã também participou em 2022, sabendo que o Parlamento ia escolher outros membros”. De facto, a 14 de março de 2022 o antigo coordenador do Bloco de Esquerda participou num Conselho de Estado sobre a Ucrânia quando o PS já tinha vencido as eleições com maioria absoluta. Os socialistas acabaram por colocar três pessoas naquele órgão e excluíram os parceiros da geringonça, mas a posse dos novos membros foi só a 28 de junho, quando os conselheiros receberam o antigo secretário de Estado dos EUA, John Kerry.
O que é certo é que Marcelo vai chefiar uma reunião a meio da campanha eleitoral, o que lhe dará naturalmente protagonismo a meio da campanha eleitoral. O Presidente apareceu para a típica ginjinha de Natal, mas promete recato. Diz que nas últimas três semanas não falou, exceto “duas ou três coisinhas” e que a tendência é para manter em período eleitoral.
No entanto, ao contrário de 2021, o Presidente já decidiu que vai “fazer a mensagem de Ano Novo”, que será “obviamente especial” por ser em período eleitoral. E confessa que: “Hesitei porque houve Presidentes que fizeram e um que não fez. A maioria fez. Ano Novo é Ano Novo.” Promete, por isso, uma intervenção “curta” e de “neutralidade absoluta“.