O leilão online ficou disponível precisamente às 9h do dia 5 de setembro de 2025. O valor base para as licitações: seis mil euros. À venda estavam três marcas da Associação Académica de Lisboa (AAL), a braços com um processo de insolvência que se arrasta há vários anos e levou à venda dos seus bens a favor dos credores. Duas das marcas, incluindo a Semana Académica de Lisboa, cuja última edição, em 2023, resultou em milhares de pedidos de reembolso e em prejuízos de milhões para a promotora, foram compradas pelo DJ e apresentador de um programa semanal da Cidade FM André Henriques. A terceira está agora nas mãos da Federação Académica de Lisboa, que conta com 38 associações de estudantes federadas e representa mais de 100 mil alunos da Área Metropolitana de Lisboa.
A par da Semana Académica de Lisboa, André Henriques comprou também a Receção ao Caloiro de Lisboa no leilão que foi organizado pela Leilosoc, por nomeação do administrador de insolvência do processo da AAL. “Confirmo que as marcas Semana Académica de Lisboa e Receção ao Caloiro de Lisboa foram adquiridas por mim, através da empresa Eixo Sólido, Lda, em leilão público, no âmbito do processo de insolvência da Associação Académica de Lisboa”, disse o DJ num email em resposta ao Observador.
https://observador.pt/especiais/semana-academica-de-lisboa-e-queima-das-fitas-vendidas-a-leiloeira-associacao-academica-de-lisboa-enfrenta-novos-processos-em-tribunal/
Cada uma das marcas foi adquirida por seis mil euros, o valor base da licitação, segundo o catálogo do leilão eletrónico. O valor ficou muito abaixo do que a AAL dizia ser a avaliação da marca Semana Académica de Lisboa: 25.500 euros, segundo os documentos que constam no processo de insolvência.
A Semana Académica e a Receção ao Caloiro foram compradas através da Eixo Sólido Unipessoal Lda, da qual André Henriques é sócio-gerente. A empresa, com seis anos e sede em Oeiras, está ligada à organização de eventos, aluguer de audiovisuais, locução, agenciamento de artistas e distribuição musical.
“O processo decorreu de forma transparente e nos termos legais aplicáveis”, garante André Henriques. O DJ e co-fundador do projeto I Love Baile Funk, que tem mais de dez anos e deu origem a um programa semanal na Cidade FM, não quer avançar para já quais os planos para as duas marcas. “Para já, não tenho mais informações a acrescentar sobre o assunto”, diz ao Observador.
Federação Académica de Lisboa quer tornar Queima das Fitas um evento agregador
A terceira marca da Associação Académica de Lisboa que estava à venda era a Queima das Fitas de Lisboa, também pelo valor base de seis mil euros. Acabou por ser comprada por 14 mil euros e um cêntimo pela Federação Académica de Lisboa (FAL), confirmou ao Observador o presidente do organismo. Pedro Neto Monteiro explica que a aquisição ainda não está concluída e que falta a transição da marca para o nome da federação. “Está para breve”, antecipa.
O presidente da FAL explica que a decisão de participar no leilão, de que tomaram conhecimento através do administrador de insolvência, foi tomada em Assembleia Geral pelas associações que compõem a federação. O único interesse em mente: comprar a Queima das Fitas de Lisboa. “A Semana Académica de Lisboa, em particular, era um nome complexo, na medida em que a última edição que foi feita em 2023, não foi propriamente bem sucedida. Tinha aqui obviamente também uma conotação ou poderia, eventualmente, na nossa perspetiva, ter alguma conotação negativa associada. E, portanto, essa nunca foi a nossa intenção”, assume.
Pedro Neto Monteiro assume que o objetivo da federação é, através da marca da Queima das Fitas, criar um evento agregador. “A nossa intenção será tentar que junto das organizações e das comissões que já aqui em Lisboa organizam eventos de natureza semelhante, até do ponto de vista da tradição, conseguirmos unir esforços para construir um evento mais agradável para os estudantes“, refere. Para isso, acrescenta, ainda “terá que ser reformulado”. “Mas esse processo de reflexão ainda não começou”.
O dirigente da FAL refere que para já não há expectativas sobre quando vão recuperar o dinheiro investido ou sobre quando será possível passar à realização de um novo evento. “Só depois dessas reflexões conjuntas é que vamos conseguir saber exatamente quais são os moldes de um potencial evento que consigamos realizar, sempre em colaboração com estas entidades. Só depois disso é que conseguimos também ter alguma noção em termos do retorno financeiro”, conclui.
O processo de insolvência que levou à venda das três marcas
A Associação Académica de Lisboa (AAL) enfrenta desde 2022 um processo de insolvência. O caso, que decorre no Tribunal de Comércio de Lisboa, foi aberto a pedido da empresa de realização de eventos Ritmo Para a Música que reclama ao organismo cerca de 42 mil euros. Mas há mais credores, entre eles a Andamento Produções (85.317 euros), a Super Bock (45.922), a Autoridade Tributária e Aduaneira (27.087) e a Câmara Municipal de Lisboa (23.522). O valor total da dívida é de mais de 293 mil euros.
A associação já enfrentava esta insolvência quando foi organizada a polémica edição de 2023 da Semana Académica de Lisboa. Devido à gravidade das dívidas e por já terem as contas penhoradas, a AAL só esteve envolvida como co-parceira e o evento foi organizado pela promotora Comitiva de Mordomias, que acabaria por incorrer numa dívida de 2,5 milhões de euros, como noticiou o Observador no ano passado. É que o primeiro fim de semana do evento foi marcado pelo cancelamento de vários artistas, que alegaram falta de pagamento, e pela fraca adesão do público. Eram esperados 20 mil participantes, chegou a dizer o promotor do evento ao Observador, mas só apareceram por dia 1.500. O segundo fim de semana do evento acabou por ser adiado, mas nunca chegou a realizar-se.
O número de pessoas lesadas pelo adiamento do evento nunca foi divulgado. A BOL — uma das plataformas online que vendeu bilhetes para o evento — chegou a dizer ao Observador que não podia divulgar o número de pessoas que tinham adquirido bilhete através do seus serviços, nem quantas poderiam ter sido lesadas pelo cancelamento das datas, mas reconheceu que recebeu “mais de um milhar” de pedidos de reembolso.
Perante a falta de resposta aos pedidos de reembolso, um grupo de lesados apresentou em setembro deste ano uma queixa-crime no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Amadora contra a AAL e a sua direção. O grupo, que junta mais de 50 pessoas, sublinha na queixa que os lesados “não receberam qualquer reembolso, nem resposta da AAL”. Acusa os responsáveis do evento de se terem apropriado “indevidamente de quantias que sabiam não poder reembolsar, assim se mantendo até aos dias de hoje”.
Esse não é o único inquérito em curso. Desde outubro deste ano decorre no DIAP de Lisboa um processo por insolvência dolosa contra a associação e os seus antigos dirigentes, incluindo Diogo Martinho Henriques, presidente do organismo durante a última edição da SAL.