Seis Unidades Locais de Saúde (ULS) do Serviço Nacional de Saúde (SNS) registam, este ano, taxas de ocupação em internamento superiores a 100%, o que significa que têm, frequentemente, mais doentes internados do que a capacidade instalada. São pessoas que ficam “internadas nos corredores”, explica ao Observador o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH). Xavier Barreto pede ao Governo que seja resolvido o problema da ocupação de camas com casos sociais — isto é, de camas que estão ocupadas por pessoas com alta clínica — de forma a dar oportunidade aos hospitais de tratar quem realmente precisa. Neste momento, o presidente da APAH estima que haja mais de dois mil internamentos sociais no SNS, quase o dobro do número avançado a 23 de dezembro pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins.
A elevada taxa de ocupação das enfermarias hospitalares não é um tema novo mas ressurge sempre com a aproximação do inverno e o início da época das infeções respiratórias. Nesta altura, os hospitais ficam mais pressionados devido à maior afluência às urgências, que exige uma maior capacidade de internamento. Este ano, seis ULS estão com uma taxa de ocupação acima de 100%.
O caso mais grave é o da ULS do Tâmega e Sousa (que abarca o Hospital Padre Américo em Penafiel), que registou uma taxa média de ocupação, entre janeiro e setembro de 2025, de cerca de 141%, de acordo com dados disponíveis no Portal da Transparência do SNS. Construído para dar uma resposta a uma população de 350 mil, este hospital serve, atualmente, cerca de 600 mil, o que faz com que a lotação, de 480 camas, seja insuficiente para as necessidades.
Mais de 40% das ULS do país têm taxas de ocupação superiores a 90%
A ULS do Oeste, que engloba os hospitais de Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche, surge com uma taxa de ocupação média até setembro (último mês com dados disponíveis) de cerca de 114%. Segue-se depois, a norte, a ULS do Médio Ave (com sede em Famalicão), com cerca de 107%; a ULS da Lezíria, em Santarém, com 106%; a ULS de Barcelos/Esposende, com 104%; e a ULS de Gaia e Espinho, com 101%. Há ainda outras onze ULS que registam taxas de ocupação muito elevadas, acima dos 90%: as ULS de Braga, Alto Ave (Guimarães), Entre Douro e Vouga (Aveiro), Trás os Montes e Alto Douro (Vila Real), Santo António (Porto), Estuário do Tejo (Vila Franca de Xira), Arco Ribeirinho (Barreiro), São José (Lisboa), Almada-Seixal, Litoral Alentejano (Santiago do Cacém) e Algarve.
Contas feitas, mais de 40% das ULS do país têm taxas de ocupação superiores a 90% durante todo o ano, o que dificulta a gestão das camas em período de maior pressão assistencial, nomeadamente no inverno.
“Quando acontece os hospitais terem mais de 100% de ocupação é porque há doentes internados nos corredores. Por vezes, vemos dezenas de camas nos corredores“, lamenta Xavier Barreto, que defende que o principal problema reside nas centenas de camas ocupadas com casos sociais, isto é, com pessoas com alta clínica mas que não têm uma alternativa para sair dos hospitais — seja por falta de capacidade de acolhimento por parte das famílias, seja, sobretudo, por falta de vagas em lares de idosos ou em unidades de cuidados continuados.
Numa altura em que aumenta a necessidade de internar doentes agudos nas enfermarias — devido ao aumento dos quadros de doença respiratória e à descompensação de doentes crónicos, nomeadamente os idosos — os hospitais debatem-se com a falta de camas e têm dificuldade em retirar do internamento os casos sociais. Segundo o presidente da APAH, mais de dois mil doentes nesta situação continuam a ocupar camas de forma desadequada.
https://observador.pt/2025/04/16/numero-de-pessoas-que-ficam-internadas-apos-terem-alta-aumenta-8-e-ultrapassa-as-2-300/
Ministra e administradores têm números diferentes. Governo deveria ter preparado gestão dos casos sociais, diz Xavier Barreto
“Acredito que tenhamos mais de dois mil internamentos sociais, há hospitais com mais de 100 doentes internados com razões sociais”, adianta Xavier Barreto. Um número muito diferente do avançado esta segunda-feira por Ana Paula Martins. Aos jornalistas, durante uma visita ao Hospital de Vila Franca de Xira, a ministra da Saúde referiu que eram cerca de 1.200 as pessoas internadas com alta clínica nos hospitais do SNS. “O número real é cerca do dobro disso“, contrapôs Xavier Barreto, em declarações à RTP Notícias. A governante disse que espera encontrar soluções “pelo menos para algumas centenas de pessoas”, para que “possam sair dos hospitais, onde não deviam estar”. “É uma situação impossível de manter. Nós estamos na semana do Natal, na semana do Ano Novo e é preciso ter camas para internar as pessoas que precisam de ficar internadas”, acrescentou.
Em maio, os dados da última edição do Barómetro de Internamentos Sociais, da APAH, mostravam que existiam 2.342 internamentos sociais no SNS, um aumento de 8% em relação a 2024. Cada doente que fica internado com alta clínica num hospital do SNS custa ao erário público 3.120 euros por dia, o que se traduzirá numa despesa estimada, em 2025, de cerca de 288 milhões de euros, a mais alta de sempre.
Com mais um inverno a aproximar-se, a APAH voltou a apelar ao Governo que, antecipadamente, tomasse medidas para retirar os casos sociais dos hospitais — o que não aconteceu, diz Xavier Barreto. “Há poucos dias estava tudo na mesma, sem nenhuma perspetiva. A Direção Executiva do SNS disse que tinha essa intenção [de retirar os casos sociais dos hospitais] e que iria focar-se nisso. Até agora nada aconteceu“, diz o também administrador hospitalar do Hospital de São João, acusando também o Governo de falta de planeamento.
“O Governo deveria estar a pensar nisto há muito tempo e poderia ter feito uma melhor preparação das camas”, salienta o responsável, defendendo que a gestão dos internamentos sociais nos hospitais deveria ser uma das prioridades quer do Ministério da Saúde quer do Ministério da Segurança Social, como aconteceu, lembra, durante a pandemia, quando a maioria dos casos sociais foram retiradas dos hospitais, de forma a libertar camas para os doentes com covid-19. No entanto, Xavier Barreto também admite que a resolução do problema esbarra “em questões estruturais”, como a falta de capacidade de resposta nas Estruturas Residenciais para Idosos e na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados — a alternativa encontrada em 2020.
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Apesar das dificuldades, o presidente da APAH pede ação à Direção Executiva e ao Governo, até porque se estima que o pico da gripe possa surgir já no início de janeiro — cerca de um a dois meses mais cedo do que o habitual —, colocando pressão adicional sobre os serviços de urgência e a capacidade de internamento dos hospitais públicos. A juntar à antecipação da época gripal, soma-se a circulação de uma nova estirpe do vírus da gripe, o H3N2 subtipo K (uma estirpe não coberta pelas vacinas) e que pode gerar mais infeções, mais internamentos e mais mortalidade.
Relativamente à ocupação das camas hospitalares — e enquanto alguns hospitais de Lisboa e do Norte registam taxas de ocupação elevadas —, é nos hospitais da região Centro que a situação está mais estabilizada. Nas ULS de Coimbra, Dão Lafões, Castelo Branco, Guarda ou Cova da Beira, as taxas de ocupação têm variado, ao longo de 2025, entre os 70 e os 80%.