Quando o sabonete passou a gel, o pó de arroz passou a base e Portugal foi sofrendo, como a cosmética, as suas próprias revoluções, um creme viu tudo da sua bisnaga. Pierre Stark chama-lhe “o Nívea português” porque não conhece um caso de fidelização igual no país. As mães usaram-no “para conservar a mocidade”, depois vieram as filhas, também à procura de fazer “desaparecer as rugas prematuramente vincadas”, e depois as filhas das filhas, para “eliminar os pontos negros, manchas e aspereza da epiderme”. Criado em 1925, o creme de rosto Benamôr revelou-se tão milagroso como prometia nas publicidades ilustradas: não só fez nascer uma marca como, 100 anos depois, está mais jovem e já não é “o creme da avó”.
O segredo da juventude passa por uma nova embalagem, um novo perfume e uma atualização da fórmula, sem mexer nos pilares que conseguiram, afinal, fidelizar várias gerações. A bisnaga de alumínio mantém-se, respeitando “a forma original e diferenciadora de vender um creme de rosto, já na altura”, diz Pierre Stark, CEO da marca, mas o que sai do tubo é agora mais rico, e simultaneamente mais leve: “Tirámos alguns conservantes e acrescentámos ingredientes, como óleo de grainha de uva e um complexo de 10 vitaminas, que permitem ao creme penetrar melhor na pele”, diz Pierre. Um século depois, o perfume que tanto fazia lembrar o tocador da avó também está diferente. “O original tinha uma rosa muito forte, muito ao estilo dos anos 30, como o Chanel nº5, que é da mesma época”, compara o administrador, natural de Paris. “O novo creme continua a cheirar a rosa, mas uma rosa mais leve.” No conjunto, o aroma é “mais floral, mais moderno”, e o creme está agora preparado para começar “o seu segundo centenário”, nas palavras do CEO.

Detentor da marca desde 2015, juntamente com o sócio português Filipe Serzedelo, Pierre Stark conheceu a Benamôr em Lisboa, através de Catarina Portas, amiga da mulher, que é portuguesa. Diretor-geral de uma multinacional da indústria cosmética durante 20 anos, perguntou à fundadora das lojas A Vida Portuguesa quais eram as marcas de beleza nacionais mais conhecidas. Catarina Portas falou-lhe da Ach Brito e da fábrica Nally, mais especificamente do creme que tinha na loja e que estava no top 3 de vendas: o creme de mãos Alantoíne, da Benamôr. Falou-lhe também de uma experiência que tinha feito e em que tinha conseguido fazer chegar alguns exemplares à loja Christian Lacroix de Saint-Sulpice, em Paris: com o design cuidado dos anos 20 como grande cartão de visita, os cremes esgotaram rapidamente.

Rendido depois de testar os produtos, Pierre foi investigar a marca e chegou à Nally, cuja história se confunde com a da Benamôr mas é na verdade bem mais complexa. Inicialmente sedeada no número 189 do Campo Grande, com três farmacêuticos a desenvolverem fórmulas em laboratório e cerca de 200 trabalhadores, nos tempos áureos a fábrica chegou a desenvolver produtos de cosmética para 35 marcas diferentes, entre elas o protetor solar Bronzaline – o primeiro do país –, o pó de arroz Marquitta e os perfumes cujos frascos eram inspirados nos de Lalique e, por isso, iguais aos da cosmopolita capital francesa.

A Benamôr foi a primeira marca a ser desenvolvida – em 1925, com a criação da fórmula do eterno creme de rosto – e foi batizada com o mesmo nome de uma perfumaria que existia na Rua Augusta, mas ao longo das décadas era a partir do Campo Grande que se respondia às muitas necessidades das senhoras e senhores de Lisboa, num país cada vez mais fechado ao mercado estrangeiro. “A Nally era a maior fabricante de cosmética em Portugal, e nunca parou de produzir”, diz Pierre Stark, nem nos anos mais complicados. Na lista de clientes havia nomes famosos, da rainha D. Amélia ao próprio Salazar, que todos os meses enviava um motorista à fábrica para ir buscar uma caixa de Petróleo Químico Nally, “defensor dos cabelos fracos” e um dos primeiros produtos criados em Portugal para evitar a calvície. É que Salazar até podia cair da cadeira mas não queria que lhe caísse o cabelo. E fazia questão de pagar sempre a mercadoria.

Com o andar do século, as vendas também entraram em queda. Detida pela família Abecassis, nos anos 60 a Nally foi vendida a três sócios que faziam parte dos trabalhadores do Campo Grande, e nos anos 80, já depois da entrada na CEE e devido ao declínio das marcas próprias, a fábrica passou a estar mais vocacionada para a produção de cosmética para terceiros.
Foi este cenário de sobrevivência que Pierre Stark encontrou quando chegou à fábrica, desde 2009 instalada na zona industrial de Alenquer. Nessa altura começou o longo namoro com o sócio-maioritário da Nally – “o Sr. Nunes”, então com 83 anos e mais de 60 de casa –, que só aceitou vender a marca depois de perceber que a sua história continuaria a ser “uma história de perenidade”, e que as pessoas seriam mantidas.

Nos últimos 10 anos, o processo de relançamento da Benamôr multiplicou-se em novas lojas – 10 ao todo, com interiores cuidados, um “boost de visibilidade” – e numa maior gama de produtos, distribuídos em 40 países. Ao lado do creme de rosto há agora dezenas de referências, entre cremes de mãos e corpo, esfoliantes, sabonetes, bálsamos de lábios, colónias, óleos, champôs sólidos, máscaras, desmaquilhantes, ou até um sérum, o primeiro da marca. Nas “receitas botânicas de beleza” entram os ingredientes tradicionais já usados anteriormente, como o alantoíne, mas também novidades mais modernas como o aloé vera, o óleo de argão e a manteiga de karité. Muitos ingredientes são de origem portuguesa, como o sal do Algarve usado no esfoliante Gordíssimo, ou o óleo de grainha de uva do novo creme de rosto, feito com uvas do Douro. Outros são de última geração, como o bakuchiol (alternativa natural ao retinol) do Elixir Revitalizante para o Rosto – a face mais visível da inovação que a Benamôr tem perseguido nos últimos anos.

Apesar da internacionalização gradual, que atualmente corresponde a 25% da faturação da marca, tudo continua a ser feito em Portugal: os cremes na fábrica de Alenquer, as bisnagas de alumínio no mesmo parceiro de há 100 anos – a Sociedade Artística, em Monção –, e as caixas de papel em Braga. As embalagens continuam tão bonitas como na era Art Déco que lhes serve de inspiração, mas nem sequer são o mais importante: “Não queremos fazer um sabonete que se oferece para servir de decoração”, diz Pierre. “Queremos fazer um sabonete que se compra porque é bom, porque se quer tomar banho com ele.”
Este artigo foi originalmente publicado na revista Observador Lifestyle n.º27, lançada em março de 2025.