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Notas do debate. Gouveia e Melo puxou do lado militar e ganhou na batalha da lama com Marques Mendes

Foi um debate de ataques pessoais, em que Marques Mendes foi acusado de ser "um lobista" e "facilitador de negócios" e Gouveia e Melo "um novo Ventura" que está "desesperado com as sondagens".

Observador
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Seguimos ao minuto o debate neste artigo em direto

Foi um debate de tema único, quase sem intervenção do moderador, entre dois dos candidatos com mais probabilidades de passar à segunda volta, marcado por ataques duros sobre transparência nos negócios e capacidade para exercer o cargo de Presidente da República. Henrique Gouveia e Melo abriu com o tema do momento, dizendo existirem “muitas dúvidas” sobre o passado de Luís Marques Mendes, que acusou de ser “opaco”, disse ser “vítima da opacidade das suas respostas”, apontou o livro Os Facilitadores como exemplo do que faz e desafiou-o a dizer “qual é a sua profissão”. Seguiu-se uma sucessão de ataques pessoais, alguns particularmente violentos, com o almirante mais agressivo do que em qualquer outro debate, tornando o ambiente claramente tenso. Gouveia e Melo entrou no detalhe das empresas para as quais Marques Mendes trabalhou e concluiu que expõem “os facilitadores de negócios”.

Marques Mendes tentou desestabilizar começando com elogios ao trabalho do almirante na vacinação — “Tenho admiração pelo senhor almirante, elogiei-o muito no espaço público pelo trabalho na vacinação e, se fosse hoje, elogiava de novo” —, mas passou rapidamente ao contra-ataque: “Nos últimos meses delapidou um capital enorme de credibilidade e popularidade. Prometeu uma nova política e cá está a velha política das insinuações e suspeições. A pressão das sondagens leva-o à politiquice.” Nada demoveu Gouveia e Melo, que voltou a exigir explicações — “tem de explicar aos portugueses” — e a exibir recortes de jornais. Foi então que Marques Mendes perdeu o controlo: “Está transformado em André Ventura, cá está o novo Ventura”, atirou. O almirante respondeu, entre risos: “É um lobista, um facilitador de negócios.” O ex-líder do PSD insistiu: “Não tem uma ideia para o país, especializou-se em ataques pessoais. Agora concretize: dê-me um exemplo.” A resposta foi imediata, mas sem casos exemplificativos: “Não se vitimize. Recebi apenas os meus ordenados e, se for para a Presidência, vou com a liberdade de quem serviu o país. Não pode dizer o mesmo.”

O momento mais duro chegou quando Marques Mendes acusou Gouveia e Melo de ser orientado por “um general da politiquice”, Luís Bernardo (ex-assessor do ex-primeiro ministro José  Sócrates), classificando a candidatura como “um porto de abrigo dos socráticos”. Acrescentou ainda, por insinuação, que o almirante “não é muito popular nas Forças Armadas” e que também “ouve histórias”, mas que não as revela.

Já com onze minutos de confronto, vieram então outros temas. Gouveia e Melo afirmou ter sido “o único a defender que 5% do PIB para a Defesa é irrazoável”. Marques Mendes respondeu acusando-o de “insinuações e ziguezagues”, seja sobre despesa militar, serviço militar obrigatório ou outros temas. Ainda abordaram, ao de leve, o Serviço Militar Obrigatório, o orçamento da Defesa, a revisão constitucional, até que falou de perfil presidencial e regressaram às picardias.

O almirante concluiu que “os portugueses vão ter de escolher entre um lobista e alguém que serviu o país durante 45 anos sem interesses”. Marques Mendes respondeu acusando-o de estar “desesperado”, “sempre à pesca de apoios”, e avisou que insinuações sem exemplos concretos “não o recomendam” para a Presidência.

Na avaliação do Observador, unanimidade sobre a vitória de Gouveia e Melo.

Terminaram os 28 frente a frente televisivos para estas presidenciais de 18 de janeiro. O painel de avaliadores do Observador que deu notas de 1 a 20 a cada um dos candidatos por cada um dos debates e o avaliou em texto (como pode recordar no final deste artigo) permitiu construir um gráfico final com a média de cada um dos candidatos. O vencedor é Marques Mendes seguido a 0,50 de distância por Amtónio José Seguro. No final do ranking Observador surgem António Filipe e Catarina Martins

Falta agora o debate das rádios, entre todos, que terá lugar dia 2 de janeiro às 10h30. E os das TV, que será dia 12.

Gouveia e Melo, 14 — Marques Mendes, 12

Ana Sanlez — Por fim o clássico, ao fim de 28 jornadas. Ou, pelo menos, aquele que muitos esperavam que fosse o jogo grande dos debates antes disto tudo começar (avaliadora incluída). Ao que parece, pelas sondagens, não é bem assim. Mas o jogo só acaba quando o árbitro apita. E pode ter sido o afundanço nas sondagens a fazer ressurgir uma personalidade a Gouveia e Melo, que no fundo era o que andava a pedir-se. Entre as várias personalidades disponíveis, o almirante escolheu a da agressividade. Se devia ser suficiente para ganhar um debate? Não. Mas foi suficiente para conseguir que o debate fosse unidirecional.

Naquela meia hora, o único tema em cima da mesa foi o que Gouveia e Melo quis. A ética de Marques Mendes, o carácter de Marques Mendes, os clientes de Marques Mendes, é ou não Marques Mendes um lobista e um facilitador de negócios? Mesmo com algum nervosismo, o almirante conseguiu irritar Marques Mendes. E mesmo sem provas (“diga um!”) sobre alegados conflitos de interesses de Marques Mendes, apesar de vir munido de papelada à la Ventura, conseguiu desestabilizar o adversário. Suscitando de Marques Mendes respostas toscas como “o que é que eu fiz de imoral? Eu tinha de trabalhar!”. A missão era só uma: acentuar na cabeça dos eleitores as dúvidas sobre o carácter de Marques Mendes e os seus negócios e colocar o ónus no adversário. Alguns votos o almirante terá conseguido.

Filomena Martins — O último dos 28 debates acabou por ser também o mais violento de todos. Henrique Gouveia e Melo entrou ao ataque ainda no pré-debate e nunca mais saiu desse registo. O alvo foi sempre o mesmo: Luís Marques Mendes, apresentado como “facilitador de negócios”, lobista, homem de portas abertas e de relações opacas. O tom foi agressivo, repetitivo e obsessivo. Com custos claros para um dos lados.

Gouveia e Melo trouxe dossiês, recortes de jornais, um livro (“Os Facilitadores”) e uma sucessão de insinuações: Angola Desk, Abreu Advogados, apagões em sites, pagamentos “de que não se lembrava”, donativos, empresas dissolvidas, relações cruzadas. Tudo servido num discurso de suspeição permanente. O problema é que, quando confrontado, nunca conseguiu dar um exemplo concreto de ilegalidade. E isso acabou por fragilizar a acusação.

Marques Mendes respondeu com dureza invulgar. Reivindicou transparência total, explicou rendimentos, sociedades, clientes, recusou qualquer promiscuidade com o poder político e devolveu a acusação: Gouveia e Melo abandonou o sentido de Estado e especializou-se na politiquice da suspeição. Chegou mesmo a compará-lo a André Ventura — comparação que marcou o debate. “Quem o viu na vacinação e quem o vê agora”, disse, acusando-o de desespero ditado pelas sondagens.

E aqui entram os números. Na sondagem da Pitagórica para a TVI/CNN, Marques Mendes continua à frente, mesmo perdendo cerca de dois pontos face a novembro. Já Gouveia e Melo cai muito mais: passa de 21,1% para 15%, segunda queda consecutiva, e desce de segundo para quarto lugar. Ou seja, a agressividade não surge do nada: surge num momento de clara erosão política.

O debate tornou-se um duelo pessoal, quase judicial, com pouco espaço para propostas. Falou-se de estabilidade, de ética, de transparência, de Serviço Militar Obrigatório, de orçamento da Defesa, de revisão constitucional, mas sempre como munição, não como visão. Gouveia e Melo tentou apresentar-se como o único livre e independente; Marques Mendes como o único com experiência política sem medo do escrutínio.

No fim, ficou uma certeza: Gouveia e Melo colocou Marques Mendes na mira — mas também se colocou a si próprio num registo de confronto permanente que contrasta com a imagem que o fez crescer. Num momento em que as sondagens mostram queda acentuada, a estratégia do ataque total pode mobilizar os já convencidos, mas dificilmente reconquista o eleitorado moderado. E isso, em presidenciais, costuma ser decisivo.

Helena Matos — Quanto vale um debate? – esta é a conclusão-pergunta deste debate.

Se Gouveia e Melo tivesse estado nos anteriores debates como esta noite no frente a frente com Marques Mendes, não sei se venceria as presidenciais, mas seria um dos vencedores dos debates destas presidenciais. Gouveia e Melo controlou o debate. Obrigou Marques Mendes a estar sempre a justificar-se e a explicar-se. Habitualmente nos debates Marques Mendes começa por ser muito afável quase envolvente para em seguida avançar num tom em que vai da condescendência ao institucional.

A exceção a esta tática de Marques Mendes que lhe correu manifestamente bem foram dois debates, o que manteve com Cotrim de Figueiredo e este com Gouveia e Melo. A diferença é que com Cotrim de Figueiredo foi Marques Mendes quem escolheu partir ao ataque. Já perante Gouveia e Melo, Marques Mendes manifestamente não controlou os termos em que o debate se estava a desenrolar. A dado momento, Marques Mendes parecia desconcertado pelo facto da sua tática não estar a resultar. A sua voz, habitualmente bem modulada e que usa com mestria para marcar os diferentes momentos das suas intervenções, ficou sem força, monocórdica.

O próprio Marques Mendes reconheceu implicitamente a vitória no debate de Gouveia e Melo ao repetir que este estava transformado em André Ventura, que independentemente do que diz é apresentado como um debatente temível. Não acho que Gouveia e Melo tenha conseguido transmitir de si a imagem de executor como pretendia, mas conseguiu que o debate fosse dominado pela discussão em torno do perfil de Marques Mendes como facilitador de negócios.

Em resumo não sei se este debate mexerá nas tendências de voto mas ficará certamente com um debate que vai ficar na história destas presidenciais.

Pedro Jorge Castro — Nasceu uma nova táctica cheia de manha militar aplicada à política: Gouveia e Melo passou sete debates a fazer-se passar por submarino, sempre a afundar-se na falta de jeito, para chegar ao duelo final e surpreender ao ataque, todo o tempo a lançar drones subterrâneos para morderem as canelas a Marques Mendes.

O que fez Marques Mendes para justificar os 700 mil euros que recebeu em dois anos como consultor? A resposta a esta pergunta é muito difícil: Marques Mendes não pode revelar clientes da sociedade de advogados onde trabalhou, o que é uma posição de princípio razoável, mas uma parte significativa dos eleitores não descansará enquanto não o vir fazer um sriptease do seu passado profissional. Essa exigência é demagógica? Talvez, mas foi feita com eficácia pelo almirante, colocando a questão no plano ético e deixando a dúvida a pairar em alguns eleitores, e a inveja em muitos mais, que não vão ganhar esse dinheiro numa vida inteira, nem percebem esses valores.

O desafio do acossado Marques Mendes para o seu adversário indicar um negócio suspeito também é eficaz, mas sabe a pouco. Acusar o Almirante de ser Ventura sabe ao mesmo que já usou noutros debates. Apontar-lhe o desespero das sondagens soa a truque, porque quem estava a ficar desesperado no debate era o próprio Mendes, apesar da sua larga experiência. Sublinhar os tiques autoritários de Gouveia e Melo foi inteligente, mas teria sido mais proveitoso se tivesse conseguido impor autoridade perante o almirante com uma serenidade assertiva, que esteve desaparecida em combate — da parte de ambos.

Como é que um inexperiente aspirante a político consegue dominar assim o candidato mais batido, que está à frente em muitas sondagens, e encostá-lo às cordas desta maneira? Como é que tooooodo o debate foi apenas sobre a ética de Marques Mendes, que teve de passar o tempo todo na defensiva, a dar justificações, e sem conseguir contra-atacar de forma eficaz, nem no tom, nem no conteúdo? Mais importante ainda: Gouveia e Melo consegue recuperar apoiantes perdidos? Marques Mendes consegue estancar efeitos negativos destas dúvidas? E os indecisos: aderem ao perfil pouco presidencial de ambos exibido esta noite ou viram-se para outros candidatos, por não quererem um misterioso autoritário nem uma fonte de eventuais novas suspeitas em Belém? Um debate controlado estrategicamente pelo almirante, que pode ter consequências relevantes para todos os outros candidatos à direita de Seguro.

Recorde aqui:

o debate entre Catarina Martins e Jorge Pinto

debate entre António José Seguro e António Filipe

o debate entre Cotrim Figueiredo e André Ventura

debate entre António José Seguro e Cotrim Figueiredo

debate entre Gouveia e Melo e André Ventura

debate entre António Filipe e André Ventura

debate entre Marques Mendes e Catarina Martins

debate entre André Ventura e Jorge Pinto

debate entre António Filipe e Catarina Martins

debate entre Gouveia e Melo e Marques Mendes

debate entre António Filipe e Jorge Pinto

o debate entre Cotrim Figueiredo e Marques Mendes

debate entre António José Seguro e Catarina Martins

debate entre Catarina Martins e Cotrim Figueiredo

debate entre António José Seguro e Marques Mendes

debate entre António Filipe e Gouveia e Melo

debate entre António José Seguro e Jorge Pinto

debate entre Cotrim Figueiredo e António Filipe

debate entre Luís Marques Mendes e Jorge Pinto

debate entre André Ventura e Catarina Martins

debate entre Jorge Pinto e Gouveia e Melo

debate entre Marques Mendes e André Ventura

debate entre Cotrim Figueiredo e Jorge Pinto

debate entre Catarina Martins e Gouveia e Melo

debate entre Gouveia e Melo e Cotrim Figueiredo

debate entre André Ventura e António José Seguro

o debate entre Marques Mendes e António Filipe