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(A) :: Notas do debate. Seguro ganhou ao mostrar como António Filipe vai dormir mal dia 18

Notas do debate. Seguro ganhou ao mostrar como António Filipe vai dormir mal dia 18

Quase todo o debate foi sobre o voto útil, com Seguro a mostrar como realisticamente é o único candidato de esquerda que pode passar à segunda volta. Falou-se ainda de rendimentos e Ucrânia.

Observador
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Seguimos ao minuto o debate neste artigo em direto

Como se esperava, o apelo ao voto útil dominou o último debate entre António José Seguro e António Filipe. O candidato apoiado pelo PS dirigiu-se várias vezes aos eleitores comunistas, defendendo ser o único candidato de esquerda com hipóteses reais de chegar à segunda volta e avisando que António Filipe “não dormirá bem” se o confronto final for entre um candidato de direita e outro de extrema-direita.

António Filipe rejeitou sempre essa lógica. Disse que, quando avançou, não viu “nenhum candidato à esquerda”, porque o cenário estava “0-0”, leitura que mantém. Lembrou que os três candidatos que estavam na corrida são os que estão mais próximos — Gouveia e Melo, Marques Mendes e António José Seguro —, que dois “conduziram o país à situação em que está” e sublinhou que a sua é a única candidatura “identificada com os direitos dos trabalhadores”. Foi taxativo: “Seguro não é um candidato de esquerda” e “não há segunda volta sem mim”.

Seguro respondeu de imediato: “A sua candidatura é muito simpática, mas António Filipe não tem condições. Realisticamente, não passa à segunda volta. O voto útil é em mim e é na primeira volta.” O comunista devolveu: “Acho que os seus ovos estão no mesmo cesto do de Marques Mendes e de Gouveia e Melo. Já vivi outras situações como esta. Mas você não é Salgado Zenha nem Jorge Sampaio.” O braço-de-ferro repetiu-se mais à frente, com Seguro a insistir que “o voto útil é na primeira volta”, lembrando que se trata de eleições presidenciais, e alertando para o “desequilíbrio à direita” no país, “que pode até mudar a Constituição sem precisar do voto do PS”. Deixou ainda uma garantia: “Não serei um primeiro-ministro sombra. Sou candidato a Presidente da República, agregador, e quero acabar com a cultura das trincheiras.”

Grande parte do debate decorreu neste tom. António Filipe provocou, acusando Seguro de ter um discurso “nem carne nem peixe”, integrado no “consenso neoliberal”, e questionando onde esteve na greve geral de 11 de dezembro. Seguro respondeu que “não se devem instrumentalizar as greves”, rejeitou a acusação de falta de solidariedade e defendeu as suas diferenças em relação ao comunista, como a necessidade de “empresas mais competitivas”, com “um papel menos ativo do Estado”.

Não podiam faltar a acusações de convergência de Seguro com Passos Coelho, a troika e a referência à chamada “abstenção violenta”. O socialista respirou e falou em “mito urbano”, disse já ter explicado isso “mil vezes”, reconheceu os aspetos positivos da Geringonça e concluiu: “Estou sempre do lado da responsabilidade.”

Antes do confronto sobre o voto útil, falou-se de transparência, a propósito da polémica dos clientes de Marques Mendes. António Filipe exibiu uma folha em branco, frisando que não tem clientes por ser professor universitário. Seguro garantiu que este domingo ou segunda-feira divulgará os quatro ou cinco clientes para quem trabalhou, aguardando autorização para revelar os nomes.

No fecho, a política internacional entrou como última provocação. Seguro lembrou o apoio do Conselho Europeu à Ucrânia; António Filipe surpreendeu e defendeu a decisão da ajuda à reconstrução. “Grande revelação”, ironizou Seguro, antes de perguntar: “Já chegou à posição de defender a saída de Putin da Ucrânia?”

No final, unanimidade na avaliação do Observador: vitória para o socialista.

Um painel de avaliadores do Observador dá notas de 1 a 20 a cada um dos candidatos por cada um dos 28 debates televisivos para as eleições presidenciais e faz um texto de avaliação ao próprio confronto. A média vai surgindo a cada dia de debates, no gráfico inicial, que abre este artigo. Este domingo, no penúltimo dos 28 frente a frente, estarão cara a cara, na RTP, Catarina Martins e Jorge Pinto (como sempre, às 21h00). Pode ver o calendário completo dos debates televisivos aqui. O debate das rádios, entre todos, terá lugar dia 2 de janeiro às 10h30.

António José Seguro, 14 — António Filipe, 11,5

Filomena Martins — O debate entre António José Seguro e António Filipe foi, acima de tudo, um confronto entre dois registos: Filipe foi coerente ao seu campo ideológico; Seguro foi corajoso e muito eficaz no apelo ao voto: “Como dormirá António Filipe e toda a esquerda se no dia 18 de janeiro passarem à segunda volta um candidato de direita e outro de extrema direita?”. Depois, houve cordialidade, respeito mútuo e até simpatia — sobretudo da parte de Seguro — mas também divergências profundas sobre o passado recente e o futuro da esquerda.

Seguro assumiu sem rodeios uma tese que continua a dividir a esquerda: a troika salvou Portugal do colapso e, depois, a geringonça trouxe ganhos concretos. Explicou bem esses ganhos — salário mínimo, reposição de direitos, estabilidade social — e foi claro na estratégia: o voto útil é nele. Votar em António Filipe é, no seu entender, meio voto na direita, porque dispersa forças e impede a esquerda de chegar à segunda volta.

No tema do arquivamento do caso Spinumviva, Seguro mostrou confiança institucional: espera que o assunto esteja encerrado e sublinhou que o próximo Presidente tem de saber colaborar com o Governo que existir. Filipe foi mais exigente no plano ético: respeita a autonomia do Ministério Público, mas considera que Luís Montenegro mantém legitimidade constitucional e o próximo PR tem de conviver com este primeiro-ministro.

Na transparência patrimonial, o debate passou por Luís Marques Mendes. Filipe defendeu o escrutínio público e apresentou, com ironia, a sua “folha em branco”. Seguro detalhou rendimentos, empresas criadas desde 2014 (vinho e azeite), comprometeu-se a entregar lista de (quatro/cinco) clientes e explicou que a consultoria representa apenas 12% da faturação de 2024. Jogou no campo da exposição e do detalhe.

Quando se falou do eleitorado de esquerda, Filipe atacou: voltou a acusar Seguro de fazer parte de um consenso neoliberal, submisso ao poder económico, e afirmou que não há segunda volta sem ele, como pode ter todos os votos da esquerda se nem todos os votos do PS consegue ter. Seguro respondeu com política real: o voto útil conta na primeira volta, há hoje um desequilíbrio claro à direita e só um candidato de esquerda com perfil agregador pode disputar Belém.

O momento mais simbólico foi o da greve geral. Filipe esteve com os trabalhadores; Seguro com jovens a falar de democracia. A divergência ficou clara: Filipe assume lado, Seguro recusa o monopólio da defesa dos trabalhadores e rejeita uma visão de omnipresença do Estado. A discussão sobre a troika e a geringonça expôs caminhos distintos: Filipe acusa Seguro de tibieza; Seguro respondeu com patriotismo, resultados e responsabilidade.

No fundo, foi isso o debate: duas esquerdas que se respeitam, mas que não se confundem. Uma de protesto; outra de poder. E Seguro deixou a mensagem final sem rodeios: se a segunda volta for Ventura contra a direita tradicional, muitos à esquerda vão dormir mal. O voto útil, insiste, é agora. Nesse aspecto específico, esteve bem e foi eficaz.

Helena Matos — António José Seguro não veio a este debate para debater mas sim para fazer uma ação de promoção do voto útil na sua candidatura junto do eleitorado de esquerda. Não tanto porque os comunistas vão votar em si mas sim e sobretudo para se configurar como o candidato em que a esquerda deve votar se quer estar presente na segunda volta destas eleições. E em boa medida conseguiu-o mesmo que isso tenha implicado auto limitar-se na hora de debater com o candidato comunista. E note-se que quando escrevo “auto limitar-se” isto é um eufemismo: António José Seguro está auto-limitado quando fala da troika (quem chamou a troika? O PS). Está auto-limitadíssimo quando fala da geringonça (quem fez a geringonça? António Costa) E acima de tudo isto que não é pouco está auto-limitado por feitio e neste debate estava auto-limitado porque quer o votos dos comunistas. Mas apesar disto e também por causa disto cumpriu o seu objetivo que era deixar claro: se querem um presidente de esquerda eu sou a única hipótese.

Quanto a António Filipe naquele que foi o momento mais encenado deste debate puxou de uma folha para mostrar os seus clientes. A página estava em branco como era mais que esperado. Mas a página em branco é também a imagem do país que António Filipe defende: funcionários públicos e funcionários de partidos. Os restantes estão sob suspeição. No resto do debate António Filipe fez aquilo em que é exímio: não responder, baralhar e, com tudo devidamente misturado, contra-atacar. Às vezes funciona mas esta noite não. Afinal como podia António Filipe desmentir a tese de António José Seguro de que ele, Seguro, é o único candidato de esquerda que pode chegar à segunda volta? Não podia.

Luís Rosa — Numa análise a um debate temos de ter sempre em conta a eficácia política das mensagens que são transmitidas, mas sem esquecer de avaliar igualmente os temas escolhidos, assim como as propostas dos candidatos. O debate começou à volta de Luís Marques Mendes e dos seus clientes enquanto advogado e consultor. António Filipe fez o número da folha em branco sobre os seus clientes — é profissional universitário e político profissional, logo nunca teve atividade privada — e a promessa de António José Seguro de “revelar os 4 ou 5 clientes” que teve na área da consultadoria por “ter ido à minha vida” depois de sair da vida política. Na realidade, o vencedor aqui foi Luís Marques Mendes que conseguiu marcar o debate com o seu contra-ataque a instar os outros candidatos a revelarem os seus clientes. Mas também fica uma pergunta para os eleitores: querem ter só funcionários públicos e professores universitários como candidatos ou preferem que cidadão com experiência do setor privado também se candidatem? A eficácia da folha em branco de Filipe depende da resposta a esta pergunta.

Dito isto, perdeu-se muito tempo a falar do passado: o tempo da assistência financeira da troika a Portugal entre 2012 e 2015. É um tema com mais de 10 anos que pouco interessa aos eleitores — que, deduzo, queiram ouvir falar mais do presente e do futuro. Contudo, o facto de quase metade do debate ter sido sobre o tempo da troika é mérito de António Filipe que, de forma hábil, conseguiu irritar António José Seguro com a colagem que fez do ex-líder do PS a Passos Coelho e às medidas de austeridade que então foram tomadas. Lá está: há aqui uma eficácia política por parte de António Filipe que agradará ao eleitorado da extrema-esquerda que vê Seguro (ou qualquer líder moderado do PS) como um perigoso “neo liberal”.

Contudo, tenho muitas dúvidas que a maior parte dos portugueses concordem com António Filipe. É verdade que o candidato comunista teve bons ataques (como “eu colaborei com o governo da geringonça para reverter as medidas da troika a que o senhor não se opôs”) mas é provável que a maior parte dos eleitores aceitem o discurso de “responsabilidade” de Seguro que, num momento importante, pensou no país, não pensou nos seus interesses particulares. Por outro lado, Seguro marcou pontos quando classificou o PCP e Filipe como promotores de uma “cultura de trincheira” — a que se opõe uma “cultura de diálogo” do próprio Seguro, algo que tem mais a ver com a função presidencial.

O resto do debate ficou marcado pela questão do voto útil — que Seguro não perdeu tempo a chamar para cima da mesa. António Filipe ainda respondeu bem com a ideia de que os “ovos” de Seguro pertencem ao mesmo cesto dos “ovos de Marques Mendes e Gouveia Melo” mas Seguro conseguiu estar sempre por cima com uma ideia simples que é facilmente apreendida pelos eleitores: Seguro é o único candidato do espaço da esquerda que tem hipóteses de chegar à segunda volta. “O voto em si ou nos candidatos na esquerda à minha esquerda é meio voto na direita”, disse Seguro. Filipe retorquiu que nunca desistiria a seu favor porque “Seguro não é Salgado Zenha ou Jorge Sampaio” mas Seguro voltou a ficar por cima com uma resposta certeira: “Eu nem me comparo com essas figuras. Mas a verdade é que a única candidatura de esquerda que pode passar à 2.ª volta é a minha”. Na Ucrânia, que teve pouco tempo, foi mais do mesmo: António Filipe já reconhece que houve uma invasão da Ucrânia pela Rússia mas é incapaz de censurar o ditator Vladimir Putin. Como boa e útil “pomba da paz”, Filipe segue um longo historial de cumplicidade e apoio do Partido Comunista Português a ditadores russos e de outras proveniências geográficas.

Pedro Jorge Castro — Truques básicos de emergência para combater uma insónia: inspirar e expirar 6 segundos várias vezes até relaxar o corpo; distrair a mente a enumerar cidades por ordem alfabética; tomar um banho morno ou um chá de camomila. Podem ser úteis para muitos eleitores de esquerda na noite de 18 de janeiro, se só virem candidatos de direita a passar à segunda volta das presidenciais.

Seguro foi ultra-eficaz a apelar ao voto útil, usando a imagem de que António Filipe não dormiria bem na noite das eleições se a segunda volta for entre Marques Mendes e Ventura. António Filipe pode não ter insónias, mas cerca de 25% dos portugueses já tem problemas de sono, de qualquer forma. Além desta eficácia, Seguro não precisou de comprometer a imagem de moderação para cativar eleitores de António Filipe (e por arrasto de Catarina Martins e de Jorge Pinto, por poucos que sejam).

No resto foi um debate civilizadíssimo, com Baptista Bastos omnipresente, não a perguntar “Onde estavam no 25 de Abril”, mas sim a discutir onde estavam no dia da greve geral, ou quando foi feita a proposta da TSU durante a troika, ou durante a geringonça.

António Filipe fez o que podia para agradar ao seu eleitorado natural: tirou do casaco a folha em branco com a sua lista de clientes — mas Seguro vincou a sua ligação ao mundo real, trabalhando sem depender da política; acusou Seguro de não ser Salgado Zenha nem Jorge Sampaio e de não ser carne nem peixe — mas o adversário conseguiu não se irritar e vincar o apelo ao voto útil já na primeira volta, para evitar insónias dolorosas.

Recorde aqui:

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o debate entre Cotrim Figueiredo e Marques Mendes

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debate entre Gouveia e Melo e Cotrim Figueiredo

debate entre André Ventura e António José Seguro

o debate entre Marques Mendes e António Filipe