(c) 2023 am|dev

(A) :: Ventura e Cotrim, o debate entre um "Presidente que não o quer ser" e uma "reforma dourada"

Ventura e Cotrim, o debate entre um "Presidente que não o quer ser" e uma "reforma dourada"

André Ventura e João Cotrim Figueiredo estiveram frente a frente, num debate vivo onde não faltaram ataques pessoais entre dois protagonistas políticos que se conhecem bem.

Inês André Figueiredo
text
Miguel Santos Carrapatoso
text

Empenhados em conquistar um eleitorado que se toca, principalmente, nos jovens, André Ventura e João Cotrim Figueiredo foram cordiais a certo ponto, mas não se pouparam em ataques pessoais quando o debate aqueceu. De um lado, o trunfo da “reforma dourada de Bruxelas”, do outro, o adversário que “não quer ser Presidente da República”.

No dia em que Marques Mendes divulgou uma lista com 22 clientes da sua empresa familiar, o debate arrancou exatamente por aí, com Ventura e Cotrim a distanciarem-se do social-democrata. Primeiro, o líder do Chega garantiu que não teve uma sociedade, que o seu percurso é público e que “é tudo conhecido”; enquanto o ex-presidente da IL assegurou que não só está disposto a revelar os clientes que teve como já o fez na autobiografia. Ainda assim, ambos alinharam no alvo a Mendes, com Cotrim a insistir que não esclareceu todas as dúvidas, nomeadamente a identidade dos clientes na sociedade de advogado, e Ventura a acusar o ex-comentador de ser o “candidato menos transparente”.

Sobre outro ponto em comum, já que ambos estão a exercer cargos públicos: Ventura assegurou que já pediu a suspensão do mandato de deputado e Cotrim explica que não o pode fazer no Parlamento Europeu. Ventura estranhou, mas o debate seguiu.

A discussão prosseguiu para o tema da lei da nacionalidade, com João Cotrim Figueiredo a argumentar que “tem de ser aperfeiçoada e aprovada”, garantindo que “não insistiria na alteração do Código Penal”.

Com Ventura a insistir que “quem comete crimes” tem de ser “expulso”, Cotrim disse que o Chega está apostar num “braço de ferro” com o Tribunal Constitucional que vai deixar o país “sem lei”. “Não faço taticismo político com convicções”, cortou Ventura.

Questionado sobre as palavras de Donald Trump sobre a Europa, Ventura foi-se esquivando, dizendo que “discorda de Trump em muita coisa” e que não é relevante quem diz o quê em várias circunstâncias quando “há um problema de imigração e criminalidade na Europa”.

Na resposta, João Cotrim Figueiredo disse que Ventura tinha perdido uma “boa oportunidade de defender o projeto europeu”, argumentando que “todos têm a obrigação de tentar ajudar a Europa a reformar-se”. “Pertencemos à União Europeia. Se os Estados Unidos continuarem na sua senda isolacionista e se a Europa não se reformar, [não se salvará].”

Com o assunto apontado à Europa, André Ventura desenrolou o ataque pessoal a João Cotrim Figueiredo, atirando: “Acho que o maior erro da vida do João foi ter deixado a liderança da IL para ir ter uma reforma dourada em Bruxelas, mas não tem defendido Portugal.”

O liberal não gostou e devolveu a provocação: “Tenho reforma dourada tão boa que decidi candidatar-me a Presidente da República”. Ventura ainda tinha outra preparada para a troca: “Agora quer ser Presidente da República porque o ego é maior do que a personalidade”. “Não é dinheiro, nem ego”, assegurou Cotrim.

O presidente do Chega repetiu uma cartada usada no passado, descrevendo-se como o candidato do “país real” contra o “candidato do Príncipe Real”. “Lá vem a cassete”, ripostou Cotrim.

E mesmo com a tentativa de falar sobre pensões — com Ventura a acusar Cotrim de votar contra aumentos e de ser fã de uma “pobreza selvática e mercado selvagem” e o liberal a atirar ao Chega acusando o partido de não ter por hábito “fazer contas” — o debate caiu para o lado mais pessoal.

Cotrim Figueiredo sugeriu que André Ventura só sabe debater utilizando a “mentira” e, depois de ter sido acusado de “despedir a Manuela Moura Guedes a pedido do Sócrates”, assegurou que saiu “incompatibilizado com os acionistas amigos de Sócrates”.

Para a troca, Cotrim levou a debate “os casos de pedofilia [que se] sucedem-se no Chega” — “Quem bate no peito contra a pedofilia não pode ter esta sucessão de casos.”

“A diferença é que não recebo chantagem de financiadores para afastar candidatos. Eu quero castrar os pedófilos, o João quer protegê-los”, devolveu o líder do Chega.

A terminar, uma última provocação: “André Ventura não quer ser Presidente da República e não vai ser Presidente da República”, concluiu Cotrim.

Diálogo revelador

André Ventura – Lembro-me quando João Cotrim Figueiredo, quando saiu da presidência da IL, disse ao país: lamento muito, mas não estou disponível para estar na política até aos 70 anos. Palavras suas. Corrija-me se estiver enganado. Faz 65 anos no próximo ano. Se é candidato a PR o mandato vai acabar com 70 anos. O que é que mudou para deixar de ser líder da IL e dizer que não está para estar na política até aos 70 anos, mas candidata-se a PR até aos 70 anos. Não consigo compreender. Tenho 42, vou fazer 43 anos…

João Cotrim Figueiredo – E já é a segunda vez que se candidata a PR.

AV – Com certeza, perdi por isso é que estou a ser hoje. Mas gostava de saber…

JCF – Se é para falar da minha idade, não vou ter 70 anos quando acabar o meu primeiro mandato.

AV – Como é que não vai ter 70 anos se faz 65 para o ano? É só fazer as contas.

JCF É? Então em que mês é que tomo posse?

AV – Ah, é uma questão de meses? Está disponível para estar até aos 69 anos e 11 meses na política?

JCF – Se a sua dúvida é tão estúpida, eu dou uma resposta estúpida.

AV – Não é estúpida. Acho que foi para Bruxelas viver uma reforma dourada e acho errado.

JCF – E por isso é que voltei.

AV – Sim, porque agora quer ser Presidente da República porque o seu ego é mais do que a sua personalidade.

JCF – É dinheiro ou ego? Decida-se, homem.

AV – É as duas coisas.

JCF – Nem uma coisa nem outra. Conhece-me mal.