Empenhados em conquistar um eleitorado que se toca, principalmente, nos jovens, André Ventura e João Cotrim Figueiredo foram cordiais a certo ponto, mas não se pouparam em ataques pessoais quando o debate aqueceu. De um lado, o trunfo da “reforma dourada de Bruxelas”, do outro, o adversário que “não quer ser Presidente da República”.
No dia em que Marques Mendes divulgou uma lista com 22 clientes da sua empresa familiar, o debate arrancou exatamente por aí, com Ventura e Cotrim a distanciarem-se do social-democrata. Primeiro, o líder do Chega garantiu que não teve uma sociedade, que o seu percurso é público e que “é tudo conhecido”; enquanto o ex-presidente da IL assegurou que não só está disposto a revelar os clientes que teve como já o fez na autobiografia. Ainda assim, ambos alinharam no alvo a Mendes, com Cotrim a insistir que não esclareceu todas as dúvidas, nomeadamente a identidade dos clientes na sociedade de advogado, e Ventura a acusar o ex-comentador de ser o “candidato menos transparente”.
Sobre outro ponto em comum, já que ambos estão a exercer cargos públicos: Ventura assegurou que já pediu a suspensão do mandato de deputado e Cotrim explica que não o pode fazer no Parlamento Europeu. Ventura estranhou, mas o debate seguiu.
A discussão prosseguiu para o tema da lei da nacionalidade, com João Cotrim Figueiredo a argumentar que “tem de ser aperfeiçoada e aprovada”, garantindo que “não insistiria na alteração do Código Penal”.
Com Ventura a insistir que “quem comete crimes” tem de ser “expulso”, Cotrim disse que o Chega está apostar num “braço de ferro” com o Tribunal Constitucional que vai deixar o país “sem lei”. “Não faço taticismo político com convicções”, cortou Ventura.
Questionado sobre as palavras de Donald Trump sobre a Europa, Ventura foi-se esquivando, dizendo que “discorda de Trump em muita coisa” e que não é relevante quem diz o quê em várias circunstâncias quando “há um problema de imigração e criminalidade na Europa”.
Na resposta, João Cotrim Figueiredo disse que Ventura tinha perdido uma “boa oportunidade de defender o projeto europeu”, argumentando que “todos têm a obrigação de tentar ajudar a Europa a reformar-se”. “Pertencemos à União Europeia. Se os Estados Unidos continuarem na sua senda isolacionista e se a Europa não se reformar, [não se salvará].”
Com o assunto apontado à Europa, André Ventura desenrolou o ataque pessoal a João Cotrim Figueiredo, atirando: “Acho que o maior erro da vida do João foi ter deixado a liderança da IL para ir ter uma reforma dourada em Bruxelas, mas não tem defendido Portugal.”
O liberal não gostou e devolveu a provocação: “Tenho reforma dourada tão boa que decidi candidatar-me a Presidente da República”. Ventura ainda tinha outra preparada para a troca: “Agora quer ser Presidente da República porque o ego é maior do que a personalidade”. “Não é dinheiro, nem ego”, assegurou Cotrim.
O presidente do Chega repetiu uma cartada usada no passado, descrevendo-se como o candidato do “país real” contra o “candidato do Príncipe Real”. “Lá vem a cassete”, ripostou Cotrim.
E mesmo com a tentativa de falar sobre pensões — com Ventura a acusar Cotrim de votar contra aumentos e de ser fã de uma “pobreza selvática e mercado selvagem” e o liberal a atirar ao Chega acusando o partido de não ter por hábito “fazer contas” — o debate caiu para o lado mais pessoal.
Cotrim Figueiredo sugeriu que André Ventura só sabe debater utilizando a “mentira” e, depois de ter sido acusado de “despedir a Manuela Moura Guedes a pedido do Sócrates”, assegurou que saiu “incompatibilizado com os acionistas amigos de Sócrates”.
Para a troca, Cotrim levou a debate “os casos de pedofilia [que se] sucedem-se no Chega” — “Quem bate no peito contra a pedofilia não pode ter esta sucessão de casos.”
“A diferença é que não recebo chantagem de financiadores para afastar candidatos. Eu quero castrar os pedófilos, o João quer protegê-los”, devolveu o líder do Chega.
A terminar, uma última provocação: “André Ventura não quer ser Presidente da República e não vai ser Presidente da República”, concluiu Cotrim.
Diálogo revelador
André Ventura – Lembro-me quando João Cotrim Figueiredo, quando saiu da presidência da IL, disse ao país: lamento muito, mas não estou disponível para estar na política até aos 70 anos. Palavras suas. Corrija-me se estiver enganado. Faz 65 anos no próximo ano. Se é candidato a PR o mandato vai acabar com 70 anos. O que é que mudou para deixar de ser líder da IL e dizer que não está para estar na política até aos 70 anos, mas candidata-se a PR até aos 70 anos. Não consigo compreender. Tenho 42, vou fazer 43 anos…
João Cotrim Figueiredo – E já é a segunda vez que se candidata a PR.
AV – Com certeza, perdi por isso é que estou a ser hoje. Mas gostava de saber…
JCF – Se é para falar da minha idade, não vou ter 70 anos quando acabar o meu primeiro mandato.
AV – Como é que não vai ter 70 anos se faz 65 para o ano? É só fazer as contas.
JCF – É? Então em que mês é que tomo posse?
AV – Ah, é uma questão de meses? Está disponível para estar até aos 69 anos e 11 meses na política?
JCF – Se a sua dúvida é tão estúpida, eu dou uma resposta estúpida.
AV – Não é estúpida. Acho que foi para Bruxelas viver uma reforma dourada e acho errado.
JCF – E por isso é que voltei.
AV – Sim, porque agora quer ser Presidente da República porque o seu ego é mais do que a sua personalidade.
JCF – É dinheiro ou ego? Decida-se, homem.
AV – É as duas coisas.
JCF – Nem uma coisa nem outra. Conhece-me mal.