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(A) :: Portugal não é só turismo. E fingir que é tem um custo

Portugal não é só turismo. E fingir que é tem um custo

Porque reduzir Portugal a um destino é esquecer uma parte essencial da sua economia: a que produz e exporta.

Luís Monteiro Carvalho
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Portugal gosta de se ver ao espelho como um destino. Um bom destino. Seguro, bonito, acolhedor. O turismo tornou-se a narrativa dominante da economia portuguesa e os números ajudam a explicá-lo: nos últimos anos, o impacto económico alargado do setor tem rondado um quinto da economia e a sua contribuição para o PIB aproxima-se dos 12%.

O problema não é o turismo.

O problema é quando o turismo passa a ser quase tudo aquilo que sabemos dizer sobre nós próprios.

Porque enquanto o país se apresenta ao mundo sobretudo como lugar para visitar, há um outro Portugal que continua a produzir, a exportar e a competir, com muito menos visibilidade, mas com peso estrutural. Um Portugal industrial que não cabe nos folhetos, mas sustenta a economia real.

Apesar da crescente terciarização, a indústria continua a representar cerca de 18% do PIB, com a indústria transformadora a manter um contributo estável na ordem dos 11–12%. Mais importante do que a percentagem é a natureza desse núcleo: fortemente exportador, integrado em cadeias internacionais de valor e cada vez mais orientado para qualidade, tecnologia e diferenciação.

É aqui que entra o chamado “made in Portugal”. Não como slogan, mas como ativo.

Setores como o calçado, o têxtil e vestuário, o mobiliário, a metalomecânica ou o agroalimentar continuam a representar uma fatia relevante das exportações portuguesas. O conjunto têxtil-vestuário-moda, incluindo o calçado, responde por mais de 9% das exportações nos últimos anos. A metalomecânica e os bens de equipamento são um dos principais motores da balança de bens. O mobiliário e a madeira atingiram máximos históricos de exportação na última década, com crescente presença fora da União Europeia.

Nada disto aconteceu por acaso, nem foi fácil.

Portugal deixou, em larga medida, de competir no modelo de baixo custo porque não podia ganhar essa guerra. No têxtil, a resposta à concorrência asiática passou pela inovação, pelos têxteis técnicos, pela sustentabilidade e pela integração tecnológica. No calçado, o aumento consistente do preço médio de exportação ao longo dos últimos anos reflete uma clara subida em gama, com aposta em design, marca própria e segmentos técnicos. No mobiliário, o crescimento internacional foi sustentado por qualidade, desenho industrial e capacidade de resposta a mercados exigentes.

Esta transformação não foi liderada por grandes campeões nacionais, mas por milhares de PME industriais. Pequenas e médias empresas que representam cerca de três quintos das exportações e perto de dois terços do valor acrescentado da economia portuguesa. Muitas são empresas familiares, enraizadas no território, que souberam evoluir sem perder identidade e que continuam, em grande medida, fora do discurso público dominante.

É aqui que a narrativa falha.

Portugal continua a vender-se sobretudo como destino, quando deveria afirmar-se também como origem. Origem de produtos, de soluções industriais, de saber-fazer técnico e de valor acrescentado. O país que recebe bem é o mesmo que produz bem. Mas só um desses lados é contado com convicção.

Valorizar o turismo é necessário.

Reduzir o país a isso é uma visão curta, económica e estrategicamente.

Se Portugal quer crescimento sustentável, emprego qualificado e resiliência a médio prazo, terá de olhar com mais seriedade para este núcleo industrial exportador: discreto, pouco mediático, mas absolutamente decisivo.

Porque um país que vive apenas de ser visitado arrisca-se a ser dependente.

Um país que também sabe produzir tem futuro.

Portugal tem talento. Falta, muitas vezes, falar mais nele e levá-lo mais a sério.