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Controlar o risco cardiovascular: quando mudar de hábitos significa ganhar vida

É verdade que temos bons cuidados de saúde e bons medicamentos, mas é cada vez mais importante ter literacia em saúde para prevenir o risco.

João Soares Ferreira
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É importante cada vez mais olhar para o risco cardiovascular como um todo, uma vez que nos permite avaliar o risco de determinada pessoa vir a ter um evento cardiovascular, como um Enfarte Agudo do Miocárdio ou um Acidente Vascular Cerebral (AVC), podendo assim prevenir estas situações, mais do que tratarmos cada uma delas depois de acontecerem. Assim sendo, o controlo dos fatores que aumentam esse risco é essencial. Aliás, esta deverá ser uma preocupação para toda a população, já que falamos de alguns dos principais causadores de morte e incapacidade em Portugal: as doenças cardiovasculares. Mas entre reconhecer o risco e mudar efetivamente de hábitos existe frequentemente uma distância enorme, a mesma que tende a separar o conhecimento da ação. Uma distância repleta de desafios que é essencial ultrapassar, mas que hoje temos mais conhecimentos e formas acessíveis de o fazer.

Excesso de peso, obesidade, tabagismo, sedentarismo são os suspeitos do costume. A estes juntam-se a pressão arterial elevada, colesterol elevado e diabetes, formando um conjunto de fatores que podem ser modificados e cuja alteração permitiria evitar grande parte das principais causas de doença e incapacidade no País. Podiam ser alterados, mas ainda não são, como provam os dados de prevalência e incidência destas doenças.

Poderíamos pensar que somos muito ambiciosos e que, se calhar, em vez de abordar todos estes fatores de risco nos devêssemos concentrar em apenas um ou dois. Mas, como em quase tudo na vida, se tivermos vários bocadinhos menos bons, todos juntos estes vão dar origem a um problema grande. Na verdade, o risco cardiovascular é algo muito complexo, tal como o nosso organismo e, portanto, é no conjunto de todos os fatores que conseguimos ser saudáveis, pelo que é também no conjunto de vários fatores que surge a doença.

O que é que isto significa? Que, na verdade, se estivéssemos só preocupados com um dos fatores, deixando os restantes presentes mesmo que em níveis mais baixos, o seu peso seria importante na mesma; atuando sobre um isoladamente, e desprezando os outros, o impacto no final será quase como um investimento sem retorno. Mas sendo estes fatores de risco modificáveis e relacionados com o nosso estilo de vida, há uma boa notícia: muitas vezes, ao melhorarmos um fator estamos automaticamente a melhorar os outros. É o caso da alimentação e da atividade física que, quando alteradas, têm impacto em quase todos os restantes fatores.

Do ponto de vista médico, sabemos que alguns fatores pesam mais do que outros, como o tabagismo, cuja cessação apresenta um benefício enorme e muito mensurável. Mas também sabemos que, cada vez mais, temos de discutir com cada doente para perceber o que é, para ele, mais importante. Porque a alteração destes fatores não causa apenas doença física, havendo também um impacto na autoestima e na perceção sobre qualidade de vida e bem-estar. Ao começarmos pelo fator que mais preocupa o doente, conseguimos maior motivação, o que é uma grande vantagem.

Um dos maiores obstáculos ao controlo destes fatores é o estilo de vida atual:  os horários apertados e a pressão social e profissional tornam-se frequentemente um impedimento para a mudança de hábitos. Depois, há outro aspeto fundamental – os hábitos de infância. Temos de começar a ensinar as nossas crianças e jovens a fazer escolhas saudáveis, porque a verdade é que, muitas vezes, quando surge a preocupação com a saúde, já estamos numa idade em que os hábitos alimentares e de estilo de vida estão enraizados e são muito mais difíceis de mudar. Quanto mais tarde começamos, maior a dificuldade na mudança e em mantê-la.

Temos também ao dispor ferramentas que, a partir de determinada idade, nos permitem calcular o risco de uma pessoa ter, nos próximos 10 anos, um enfarte ou um Acidente vascular cerebral (AVC), o que ajuda a pessoa a perceber que, alterando alguns hábitos, pode diminuir significativamente esse risco. E em termos de medicação, há também boas notícias: medicamentos que comprovadamente atrasam a progressão para doença renal crónica, AVC, enfarte ou insuficiência cardíaca e cada vez mais medicação em “pílula única”, ou seja, vários componentes no mesmo comprimido. Isto torna o regime terapêutico muito mais simples e permite controlar vários fatores de risco simultaneamente, diminuindo a probabilidade de esquecimento e aumentando a adesão ao tratamento.

Mas há algo que nos está a fazer falta em Portugal. É verdade que temos bons cuidados de saúde e bons medicamentos, mas é cada vez mais importante ter literacia em saúde para prevenir o risco. O que está a falhar é o foco da nossa informação e o momento em que a partilhamos: temos de começar cada vez mais cedo a ensinar sobre estilos de vida saudáveis, a identificar os primeiros sinais de alerta e a explicar as consequências; precisamos de motivar as gerações mais jovens, mostrando que é desde muito cedo que se deve começar a fazer escolhas saudáveis.

E, acima de tudo, o foco tem de ser nos ganhos, não nas perdas. Quando a pessoa muda os seus estilos de vida, sente frequentemente que está a perder algo. É preciso mostrar-lhe o que pode ganhar: os anos de vida com qualidade que pode conquistar se começar mais cedo a fazer exercício ou a alimentar-se melhor. Porque todos queremos envelhecer, mas envelhecer com qualidade.

Esta é uma missão de cada um de nós, não só dos profissionais de saúde. É algo que envolve toda a sociedade, porque estamos a falar de mudar o nosso conceito de estilo de vida. Não é só um fator de risco isolado que importa, mas todos os fatores, e mesmo os aparentemente pequenos merecem atenção. Quanto mais cedo atuarmos e mais rapidamente controlarmos os nossos fatores de risco, maior a probabilidade de envelhecermos com saúde. E, acima de tudo, de podermos usufruir do bom que a vida tem: a família, os hobbies, o tempo livre. De sermos, de facto, mais ativos e mais felizes por mais tempo.