Muito se tem falado, desde que foi tornada público o novo plano estratégico de segurança dos EUA, sobre a oitocentista Doutrina Monroe, designação retirada do apelido do presidente que a proclamou em 1823, na qual se alertavam as potências europeias contra quaisquer intenções de intervenção no Hemisfério Ocidental. Agora, em 2025, tratar-se-á de uma sua revisão revista e atualizada em conformidade com os desígnios concebidos e fixados pela Administração Trump com vista ao futuro que mais interessará assegurar para o seu País, numa ótica económico-política gerada pela ideia que um dos seus ´bonés temáticos` fluentemente identifica: « Make America Great Again».
Esta orientação só aparentemente reflete a situação, supostamente negativa, em que os Estados-Unidos se encontram, já que, valha isso o que valha, os vários índices macro-económicos utilizados por regra para medir a grandeza relativa dos países, consagram sem exceção os USA como aquele que ainda ocupa o primeiro lugar entre os seus pares. Sem arriscar demasiado, estou em crer que os quase duzentos outros parceiros da dita comunidade internacional diriam sem hesitar que ser «pobre ou fraco» como ele, seria o seu mais profundo desejo.
Paralelamente, e nunca seria um líder como Donald Trump a desmenti-lo, os norte-americanos comungam de uma certeza quase dogmática, a saber, que foram divinamente abençoados com vista a desempenharem o muito exigente papel de luz que a todo o mundo ilumina, e por isso necessitam sempre de estar à altura de tamanhas responsabilidades, reciclando-se permanentemente nos seus fundamentos. A validar esta sua perceção, e em jeito de exemplo concreto, basta repararmos que a competição desportiva que coordena e organiza os espetaculares e populares jogos de baseball é, com a maior das naturalidades, designada por «The World Series».
Todavia, também é certo que se aproxima o fim do século norte-americano e da pax americana, nascido dos escombros da segunda guerra mundial nos idos anos 40: se até agora, em todos os domínios ou setores , o seu poder e influência eram acatados ou respeitados sem significativos ou frequentes contratempos no seu relacionamento com a esmagadora maioria dos restantes países e nações, esse tempo glorioso – que também foi nomeadamente experimentado na democrática Europa até á década dos choques petrolíferos, ou seja, a dos passados anos 70 -, identificado com uma quase total hegemonia global dos States , tem os seus dias contados.
É pois num contexto geopolítico diversificado, em que assistimos ao desabrochar de várias constelações girando em simultâneo, e sempre inscrevendo-se numa dinâmica de oportuno ajustamento aos voláteis padrões das circunstâncias, que se entende o apelo emblemático dirigido aos cidadãos norte-americanos : « Make America Great Again» é, afinal, a confirmação da constatação do fim de uma era que moldou fortemente o quotidiano de um mundo, liberal mas também iliberal: nesta aceitação de um particular status quo, ademais, é patente o relevante papel do seu softpower – que ainda subsiste – que nos ofereceu, primeiro, os universalizados jeans e, mais recentemente, os práticos ténis com a ´assinatura` do fabricante , como se se tratasse de um Miró ou Picasso. Ou do Bordalo II.
A China, em primeiro lugar, e em particular a partir de Deng Xiao Ping em 1978, que corajosamente quebrou de vez o sentimento – alimentado desde Mao Tse Tung e da fundação da República Popular da China – , de não ser lícito nem desejável aproveitar as vantagens do sistema capitalista num regime comunista, veio paulatinamente a desenvolver-se a nível interno e, desde 2001, a aproveitar magistralmente a sua adesão à Organização Mundial do Comércio. Curiosamente, coube à administração norte-americana de então acionar o sinal verde que desbloqueou finalmente a possibilidade da RPC passar a gozar dos mesmos direitos dos membros dessa Organização sediada em Genève.
Hoje, a RPC não esconde nem o seu poder nem as suas ambições planetárias: da profunda humilhação sofrida nos anos 40 do século XIX por via dos opiácios que os ingleses cuidaram de distribuir criteriosamente naquele imenso território asiático, não só se veio a libertar – simbolicamente e em definitivo por ocasião da passagem de Hong Kong para a esfera interna soberana chinesa em 1997- como é ela própria uma das duas potências maiores da Terra. Pela interessante coincidência com aquela trágica realidade, apetece assinalar que é da China que presentemente parte para o México , para dali seguir para os Estados Unidos, a letal droga Fentanyl , causadora de centenas de milhar de mortes.
Obviamente, não desapareceram de um dia para o outro as múltiplas demonstrações do poder norte-americano, oficial ou privado, do seu hardware ou software, e as novas gerações, em especial a mais recente formada pelos futuristas «netizens» , embora reconhecendo o assinalável progresso dos chineses em todas as diversas e determinantes atividades económicas, mantêm a sua admiração pela superior capacidade dos Estados Unidos da América em desenvolver e divulgar as novas formas de comunicação e de progresso.
Como última nota, e igualmente a favor da política professada pela administração Trump, regista-se uma notável onda-tendência política , adentro das democracias representativas ocidentais e também no seio da América Latina, no sentido de um generalizado ocaso do status quo partidário clássico, e de uma declarada inclinação para um modelo de governação sobretudo preocupado pela inépcia do controlo dos fluxos imigratórios e pela tónica da segurança: não obstante as diferenças por vezes assinaláveis entre os países onde esta mudança de rumo mais se faz sentir, sublinha-se a sentida influência da orientação de Washington visando uma radical alteração , a nível interno e externo , das respetivas políticas nacionais. Se os EUA pretendem, através deste vendaval político-partidário que hoje se verifica e impõe nos debates cívicos, fixar e promover a sua influência, e se terão nisso sucesso, é uma questão de ´um bilião de dólares`.
De qualquer forma, admito como mais provável que essa continuada proeminência venha a pesar no quadro internacional, do que através das falíveis demonstrações de fazedor de pazes do presidente Trump, e da consequente autoridade como efetivo garante de uma era de confiança generalizada no futuro: saúda-se o seu empenho, mas desconfia-se do seu excessivo protagonismo pessoal.
Numa derradeira palavra, tenho saudades da Marilyn.