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Notas do debate. António Filipe atirou com Passos, André Ventura lembrou a geringonça — e ganhou

O líder do Chega levou recortes e garantiu que vai votar contra a lei laboral. O comunista acusou-o de mudar de posição e de estar ao lado do regime de El Salvador. Pelo meio houve NATO e troika.

Observador
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Seguimos ao minuto o debate neste artigo em direto

Com um tom mais moderado do que nos debates com Catarina Martins ou Jorge Pinto, André Ventura enfrentou António Filipe, o terceiro candidato de esquerda, num debate pronto para ganhar mais alguns eleitores comunistas — dos muitos que o ajudaram a chegar a líder da oposição.

O arranque foi dedicado à greve geral e à lei laboral. Questionado sobre as mudanças de posição, Ventura desviou-se da pergunta e recorreu a recortes de jornais para sustentar que sempre criticou a atual proposta, lembrando críticas antigas às questões da maternidade e aos despedimentos face ao outsourcing. “O Chega manteve-se firme e coerente desde o início. Ninguém dirá que uma greve geral é boa para o país. Isso é mudar de opinião?”, perguntou.

António Filipe respondeu que a mudança de posição de Ventura “só prova o grande sucesso da greve geral” e disse esperar que a lei nem chegasse à Assembleia da República. Ventura foi então taxativo: “O PCP não contará para nada. Será uma decisão entre o Governo, o PS e o Chega. Se a lei se mantiver como está, votaremos contra.”

Surgia aí a principal notícia do debate. Ventura desvalorizou ainda a “guerra de números” da greve como “uma guerra de crianças e de quintinhas” e disse preocupar-se apenas com o que seja “bom para as pessoas”, venha do Governo ou da CGTP. António Filipe acusou-o de “ser candidato a tudo” e de falar como deputado e não como candidato presidencial e colocou-o no seu campo do consenso liberal, lembrando depois que avançou porque Passos Coelho não quis.

Se o comunista lembrou Passos, Ventura foi buscar a geringonça. Acusou o PCP de ter apoiado governos do PS e de não assumir responsabilidades. António Filipe disse não renegar nada do que fez, defendendo a reversão de “malfeitorias”. Ventura contrapôs com números: crescimento dos seguros de saúde, entrada “descontrolada” de 500 mil imigrantes por cada “três imigrantes que entravam um jovem português saía”, concluindo que esse Governo deixou o país no estado atual.

Sobre alterações à Constituição, discordaram novamente. E sobre questões internacionais, idem. António Filipe disse que como Presidente não defendia a saída da NATO (a posição do partido é outra), defendendo uma participação crítica, enquanto Ventura ironizou, dizendo que o comunista acabaria por votar nele na segunda volta. “Não me estrague a noite”, respondeu Filipe.

Na segurança, Ventura repetiu a máxima “prefiro um bandido morto a um polícia morto”, com António Filipe a lembrar que o Presidente não dá poderes às forças de segurança e nem quer um país em que as pessoas se andem a matar”. O debate fechou com nova troca de acusações internacionais: Filipe apontou Ventura ao modelo de Bukele em El Salvador; Ventura respondeu que prefere um país “mais seguro do que a Suíça” a regimes como os de Maduro, Fidel ou Putin (isto depois de um enfado sobre o nome de Álvaro Cunhal).

Um debate que gerou dois empates e divergência de opiniões entre os avaliadores do Observador.

Um painel de avaliadores do Observador dá notas de 1 a 20 a cada um dos candidatos por cada um dos 28 debates televisivos para as eleições presidenciais e um texto de avaliação ao próprio confronto. A média vai surgindo a cada dia de debates, no gráfico inicial, que abre este artigo. Este domingo não há debates, que regressam segunda-feira com um dos confrontos mais esperados: o que vai opôr, na RTP, Gouveia e Melo a André Ventura  (como todos os restantes, às 21h00). Pode ver o calendário completo dos debates aqui.

André Ventura, 12 – António Filipe, 10,25

Filomena Martins — Foi um debate ideológico e muitas vezes caótico, mas onde, curiosamente, nenhum dos dois saiu derrotado. André Ventura e António Filipe representaram dois polos opostos do sistema político — e passaram o tempo a confirmar isso mesmo. Daí o empate: 12–12. Muito confronto, pouca convergência, mas clareza total sobre o que cada um é.

O tema da greve geral revelou bem as diferenças. Ventura tentou reescrever o seu próprio percurso: começou por condenar a greve, depois passou a legitimá-la, desde que o Governo altere profundamente o Código do Trabalho. Apresentou condições claras — despedimento discricionário, outsourcing após despedimentos, amamentação, contratos a prazo — e insistiu que sempre foi “coerente”. António Filipe desmontou a narrativa: lembrou que Ventura tinha outro discurso, que alterou, e lançou a opinião de que essa mudança coincidiu com o impacto real da greve. Aqui Filipe foi mais consistente; Ventura mais eficaz junto da sua base.

Ventura apresentou-se como candidato “nem de trincheiras nem de patrões”, defendendo licenças parentais alargadas e algumas medidas sociais, mas misturou isso com ataques à “subsidiodependência” e ao comunismo. António Filipe respondeu com números: salários baixos, mais de dois milhões de trabalhadores a ganhar menos de mil euros e uma ofensiva profunda contra direitos laborais. Foi o momento em que o PCP voltou a soar reconhecível — e sólido.

Na democracia e na Constituição, o choque foi frontal. Filipe acusou Ventura de ter tiques antidemocráticos e de querer outra Constituição; Ventura assumiu-o sem rodeios, defendendo revisões profundas e um Presidente que não seja “uma jarra do regime”. Filipe lembrou o óbvio: o Presidente jura cumprir a Constituição e não pode estimular a sua mudança a partir de Belém. Divergência clara, sem ambiguidades.

A política externa elevou o tom: Ventura acusou Filipe de querer sair do euro e da NATO; Filipe respondeu com firmeza, garantindo que não proporá saídas unilaterais nem aventuras internacionais. Cumprirá os tratados mesmo que essa não seja a posição do PCP. Quando Ventura entrou no terreno da força policial e da retórica punitiva, Filipe travou: segurança não é culto da morte nem licença para o abuso. Bem.

No fim, Ventura ganhou em agressividade e capacidade de choque; Filipe em coerência ideológica e clareza constitucional. Nenhum convenceu o eleitor do outro. Empate a 12, num debate que não aproximou posições — mas deixou tudo muito claro.

Miguel Pinheiro — António Filipe criticou o pacote laboral do governo e afirmou que é preciso defender os trabalhadores. André Ventura afirmou que é preciso defender os trabalhadores e criticou o pacote laboral do governo. António Filipe atacou André Ventura usando Pedro Passos Coelho como arma e colou-o aos cortes dos feriados e dos salários durante a troika. André Ventura atacou António Filipe usando António Costa como arma e colou-o aos problemas na imigração e na habitação durante a geringonça. António Filipe disse que André Ventura quer mudar a a constituição para ter um país menos democrático. André Ventura disse que António Filipe quer sair do euro e da NATO para ter um país menos democrático. Foi um debate entre a “ditadura” e a “república das bananas”.

Miguel Santos Carrapatoso — Noite muito tranquila para André Ventura. O candidato do Chega começou o debate pressionado pelas suas objetivas mudanças de opinião em relação à greve geral, mas, e ao contrário do que tinha acontecido no frente a frente com Jorge Pinto, foi conseguindo esconder as contradições e explicar com maior clareza a posição do partido sobre a reforma laboral.

E fê-lo muito graças ao demérito de António Filipe, que nunca conseguiu agarrar com eficácia o tema. Aliás, o candidato comunista tinha aqui ‘a’ oportunidade para tentar afastar André Ventura de parte do eleitorado que alimenta o Chega — e onde se contam muitos antigos votantes do PCP —, mas nunca o conseguiu fazer verdadeiramente. Pior: viu-se ele próprio associado aos aspectos porventura menos positivos da ‘geringonça’ sem se conseguir reencontrar.

Nem mesmo depois de receber a assistência para golo e dizer porque é que, afinal, a eleição de André Ventura representa um perigo para a democracia — nessa altura, preferiu desconversar. A partir daí, o debate entrou numa inconsequente e desinteressante troca de argumentos. O momento da noite aconteceu quando Ventura, a rir, disse que António Filipe vai votar nele na segunda volta. Foi mesmo o que pareceu: um passeio no parque.

Rui Pedro Antunes — André Ventura continua a ter uma posição bipolar sobre a greve. Por um lado é crítico de algumas alterações à lei laboral (não todas, porque quer uma lei mais moderna), mas também é crítico da greve como forma de luta.

O tema greve foi assim útil ao candidato apoiado pelo PCP, já que a posição de António Filipe é mais coerente: sempre foi contra a greve e a legislação laboral. Além disso, o comunista conseguiu, aparentemente, matar a atual proposta do Governo, já que forçou André Ventura dizer que, se tudo se mantiver como está, o Chega vota contra.

É verdade que Ventura consegue ir buscar alguns votos aos descontentes com as alterações à legislação laboral (que não existem apenas à esquerda), mas num debate entre blocos (e onde é útil forçar o binómio esquerda-direita), não se ganha votos a dizer que se vai votar ao lado de PCP e PS contra uma proposta do Governo.
Para ir atrás dos aplausos da direita que adora fazer do PCP uma pitoresca piñata, Ventura fez um name dropping de Fidel e outros “amigos” do PCP. Isso ajuda Ventura, claro. Como também ajuda os elogios a Passos Coelho.

A questão é que Ventura ajudou igualmente António Filipe junto do potencial eleitorado do comunista ao dar-lhe possibilidade de criticar Passos. Também foi escusada a referência a Cunhal, que permitiu a António Filipe dar um ralhete ao candidato do Chega: “Tenha respeito”.

Concorrem em campeonatos diferentes e foram, dentro do estilo, genericamente competentes — mesmo que não tenham alargado a sua base eleitoral com esta contenda. António Filipe não terá, no entanto, perdido qualquer voto. André Ventura não pode dizê-lo com tanta certeza.

Recorde aqui:

o debate entre Marques Mendes e Catarina Martins

o debate entre André Ventura e Jorge Pinto

o debate entre António Filipe e Catarina Martins

debate entre Gouveia e Melo e Marques Mendes

debate entre António Filipe e Jorge Pinto

o debate entre Cotrim Figueiredo e Marques Mendes

debate entre António José Seguro e Catarina Martins

debate entre Catarina Martins e Cotrim Figueiredo

debate entre António José Seguro e Marques Mendes

debate entre António Filipe e Gouveia e Melo

debate entre António José Seguro e Jorge Pinto

debate entre Cotrim Figueiredo e António Filipe

debate entre Luís Marques Mendes e Jorge Pinto

debate entre André Ventura e Catarina Martins

debate entre Jorge Pinto e Gouveia e Melo

debate entre Marques Mendes e André Ventura

debate entre Cotrim Figueiredo e Jorge Pinto

debate entre Catarina Martins e Gouveia e Melo

debate entre Gouveia e Melo e Cotrim Figueiredo

debate entre André Ventura e António José Seguro

o debate entre Marques Mendes e António Filipe