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O que é a oniomania? 11 perguntas sobre angústia, alívio, culpa e baixa autoestima das pessoas que fazem compras compulsivamente

O comportamento impulsivo e repetitivo por compras tem um nome. A oniomania tem impactos profundos no bem-estar emocional graças às mentiras, ao descontrolo financeiro e à sensação de culpa.

Sara Dias Oliveira
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1 O que é a oniomania?

A oniomania, ou compra compulsiva, é um comportamento repetitivo e impulsivo que surge como tentativa de aliviar estados emocionais que não passam de outra forma. “A pessoa não compra porque precisa daquilo, mas porque precisa de aliviar a angústia, o vazio, a frustração ou a tensão interna que, naquele momento, se tornam insuportáveis”, explica a psicóloga Andreia Filipe Vieira.

O ato de comprar funciona como descarga emocional. Ou seja, durante alguns instantes, sente-se uma espécie de excitação ou alívio, mas rapidamente regressa a culpa e o desconforto. “Trata-se de um funcionamento aditivo, com mecanismos muito semelhantes aos das dependências comportamentais.”

2 Quais os sintomas?

São vários:

Clinicamente, segundo Andreia Filipe Vieira, “observa-se também uma oscilação emocional típica: tensão antes da compra, euforia durante o ato e queda abrupta depois, muitas vezes acompanhada de sentimentos de falhanço ou auto acusação”.

3 E como se manifesta?

A compra compulsiva manifesta-se através de um ciclo emocional bem definido. “A pessoa sente uma tensão difusa, por vezes ligada a conflitos não verbalizados, e rapidamente associa o alívio à compra. Vive o ato como se fosse uma resposta automática, quase um reflexo emocional.”

Andreia Filipe Vieira exemplifica com histórias de pacientes. Uma mulher que, após discussões conjugais, comprava três pares de sapatos iguais e escondia-os no carro, certa de que estava a fazer o que não devia. Um homem, gestor, que comprava gadgets tecnológicos após dias humilhantes no trabalho. Quando o objeto chegava, o interesse evaporava-se.

“Em ambos os casos, a compra tentava reparar algo que não era material: tratavam-se de feridas na autoimagem, sentimentos de desvalorização e carência afetiva antiga.”

4 É uma doença?

A oniomania não está oficialmente categorizada como doença autónoma nos principais manuais de referência de saúde mental, mas é amplamente reconhecida como uma perturbação do controlo dos impulsos e como manifestação de uma dependência comportamental.

Na prática clínica, segundo a especialista, apresenta-se como um sintoma que revela um conflito emocional mais profundo, frequentemente associado a ansiedade, depressão, perturbações de personalidade e dificuldades na regulação emocional. Independentemente da classificação formal, o sofrimento é real e merece uma abordagem terapêutica especializada — ou seja, um tratamento.

5 Como se trata?

Há tratamento e é eficaz quando a intervenção é adequada. “A psicoterapia permite compreender o significado emocional da compulsão, explorar as feridas antigas que a alimentam e desenvolver novas capacidades de simbolização e regulação interna”, diz a psicóloga.

6 Pode considerar-se um "vício crónico"?

Sim, pode adquirir características de “vício crónico”. “A compra compulsiva ativa os mesmos circuitos neurobiológicos de recompensa envolvidos nas adições, especialmente quando o ato de comprar se torna a única (ou a principal) forma de lidar com emoções desagradáveis”, diz Andreia Filipe Vieira.

Quando não tratado, o comportamento tende a repetir-se em ciclos cada vez mais curtos e intensos, produzindo consequências financeiras, emocionais e relacionais semelhantes às das dependências.

7 Há alguma ligação com outro tipo de compulsões?

Existe uma forte ligação entre a oniomania e outras formas de compulsão, como “binge eating” (comer compulsivamente), jogo patológico, dependência digital e impulsividade sexual. “Todas estas manifestações têm em comum a dificuldade em lidar com a angústia, o vazio e o tumulto emocional sem recorrer a um ato externo que ofereça alívio imediato.”

Na perspetiva psicanalítica, adianta a psicóloga, são defesas contra emoções difíceis de simbolizar, frequentemente enraizadas em experiências precoces de falha relacional, negligência afetiva ou ausência de validação.

8 Quais são as causas?

As causas são multifatoriais e incluem componentes psicológicos, familiares, sociais e biológicos. Do ponto de vista interno, observam-se falhas na autoestima, dificuldade em regular emoções e tendência para recorrer a soluções rápidas que aliviem a angústia.

No plano familiar, é comum encontrar ambientes onde as emoções não são verbalizadas ou onde o afeto é substituído por bens materiais. A nível social, as fragilidades individuais amplificam-se numa cultura que promove o consumo como forma de identidade e pertença.

9 A educação familiar pode explicar esta compulsão?

Em certa medida, pode. A educação familiar desempenha um papel importante em várias dimensões. Segundo Andreia Filipe Vieira, famílias emocionalmente restritivas, hipercríticas ou inconsistentes tendem a gerar adultos que procuram no exterior estabilidade, validação e conforto emocional.

“Quando o afeto foi escasso ou confuso, o objeto comprado pode funcionar como substituto simbólico de um cuidado perdido”, refere, acrescentando que, “em termos psicanalíticos, a compra torna-se um modo de colmatar buracos afetivos antigos ou de regular emoções para as quais o sujeito não aprendeu estratégias internas suficientes.”

10 Quais os impactos na saúde mental e bem-estar emocional?

Os impacto são intensos e profundos. “A pessoa vive num ciclo de angústia, alívio e culpa que vai corroendo progressivamente a autoestima.” Surgem conflitos conjugais, mentiras, isolamento, dívidas e um sentimento de falhanço difícil de partilhar.

11 São maioritariamente mulheres que têm esse comportamento?

A maioria dos estudos indica que são principalmente mulheres que aparecem nas estatísticas e procuram ajuda. No entanto, essa leitura não é tão linear assim, já que esses resultados podem refletir mais a socialização e os padrões culturais do que a verdadeira prevalência.

“As mulheres são educadas para expressar mais as emoções e recorrem mais cedo a cuidados de saúde mental, o que se traduz em maior representação clínica. Além disso, a pressão social sobre a imagem feminina e a associação cultural entre consumo, aparência e identidade podem amplificar a manifestação da compulsão.”

Os homens, por sua vez, tendem a apresentar versões mais “tecnológicas” ou funcionais da mesma compulsão e a reconhecer menos o comportamento como problemático.