Abrimos as redes sociais e, passados segundos, quase sem dar conta, começamos a comparar o que temos, fazemos ou parecemos com os outros. Quem corre mais quilómetros, quem viaja mais, quem tem a casa mais bonita, quem tem os filhos mais bem vestidos, quem vive uma vida mais feliz?
A comparação permite-nos avaliar a nossa posição no grupo. Noutros tempos, perceber se estávamos acima ou abaixo dos outros determinava o acesso a recursos, parceiros e segurança. A comparação era, portanto, uma forma de sobrevivência. “Os seres humanos dependem de outros seres humanos para sobreviver e, em termos evolutivos, precisámos de nos comparar de modo a avaliar até que ponto éramos reconhecidos, aceites e úteis. Ou seja, para avaliar o nosso valor social e orientar ou ajustar o nosso comportamento de modo a aumentar a probabilidade de sermos bem-sucedidos e aceites no grupo”, explica Ana Galhardo, psicóloga clínica, doutorada em Psicologia Clínica, professora no Instituto Superior Miguel Torga e investigadora do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC), da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Esta estratégia, frisa a investigadora, “permitia-nos também observar e aprender com os indivíduos mais bem adaptados e potenciar as hipóteses de sobrevivência e reprodução”.
Acontece que, com o tempo e o desenvolvimento da cultura e das sociedades, “a comparação social, para além da sua função de sobrevivência, passou a integrar outras dimensões, como o estatuto, a beleza, a competência, o sucesso académico ou profissional”.
Comparamos tudo. E temos tendência a reparar em quem tem mais do que nós, ou seja, fazemos sobretudo uma comparação social ascendente. É por isso que, em vez de motivação, muitas vezes sentimos frustração, inveja ou inadequação. “A comparação saudável emerge da curiosidade, do interesse, foca-se no que pode ser aprendido com a outra pessoa (…). Habitualmente está associada à admiração pelo outro, ao reconhecimento de como este pode ser um modelo (…) e tende a estar associada a tonalidades emocionais agradáveis, como o entusiasmo por aprender, o contentamento, a confiança”, explica Ana Galhardo.
Por sua vez, uma comparação “destrutiva” tende a ocorrer quando a pessoa se compara sempre como sendo “inferior, sem valor, inadequada ou defeituosa”. Ou seja, não se foca no que pode ser aprendido ou melhorado, mas sim no que sente que lhe falta. “Quando existe este tipo de comparação, é mais frequente a experiência de emoções como a inveja, o ciúme, a vergonha ou o ressentimento.”
Apesar de a comparação social ser antiga, o mundo digital e as redes sociais amplificaram-na. “A natureza da comparação é a mesma, ou seja, comparamo-nos com o intuito de avaliar o nosso valor, mas está agora muito mais alargada. Antes, as comparações ocorriam com grupos relativamente restritos, com os quais estávamos mais em contacto; agora a comparação é globalizada e o seu alcance é muito maior.”
A psicóloga refere que um estudo qualitativo realizado em 11 países e publicado em 2025 revelou que a comparação social constante foi o aspeto negativo mais frequentemente reportado pelos adolescentes quanto ao impacto da comunicação digital. Sabe-se hoje que os efeitos psicológicos e emocionais de uma comparação constante na ansiedade e na autoimagem são negativos. “Por exemplo, no que se refere à diminuição da autoestima — isto é, uma apreciação das suas características como negativas, deficitárias, aquém do esperado ou valorizado — a autora americana Tara Brach fala mesmo da sensação de ‘nunca ser suficiente’ como uma epidemia dos nossos tempos.”
Esta comparação constante, diz Ana Galhardo, pode também aumentar a ansiedade ao conduzir a uma hipervigilância. “É como se houvesse uma espécie de radar permanentemente ligado que alerta para os perigos: o perigo de falhar, a ameaça de não ser aceite, de não estar à altura, de ser criticado ou humilhado, e a necessidade de evitar que isso aconteça. Algumas vezes, a antecipação deste tipo de consequências é de tal modo ameaçadora e percebida como catastrófica que são ativados mecanismos de compensação, como é o caso do perfeccionismo”, frisa. A comparação frequente, acrescenta, pode também desencadear um aumento da autocrítica e afetar a autoimagem.
Diferentes pessoas, com diferentes características de personalidade, são afetadas de forma distinta pela comparação social. Por exemplo, pessoas mais neuróticas — isto é, com tendência para experienciar emoções como ansiedade, preocupação, tristeza ou irritabilidade — têm mais tendência para se compararem com os outros. Neste caso, frisa Ana Galhardo, “essa comparação tem a função de monitorizar o que está à sua volta com o objetivo de detetar sinais de ameaça ou desaprovação.” Da mesma forma, as pessoas com elevados níveis de perfeccionismo e autoexigência, mais competitivas e mais orientadas para o desempenho, revelam maior inclinação para se compararem “como forma de avaliar o seu posicionamento e evitar o confronto com falhas ou erros”.
Do ponto de vista social e cultural, há maior tendência para a comparação em contextos centrados na valorização do desempenho, do sucesso aparente e do estatuto — ou seja, nas sociedades ocidentais, urbanas e competitivas.
Em resumo, tanto a literatura científica como a prática clínica mostram que “as pessoas que recorrem mais à comparação social apresentam mais ansiedade social, depressão, autocriticismo, perturbações da alimentação e uma perceção distorcida de si próprias” e, na globalidade, “podem apresentar mais sofrimento psicológico”.
Assim, para conseguirmos olhar para os outros sem nos medirmos por eles, importa, em primeiro lugar, termos noção de quando o estamos a fazer. Depois, diz a investigadora, podemos questionar-nos acerca da utilidade da comparação. Para isso, podemos fazer a nós próprios algumas perguntas: “Quando observo outras pessoas, faço-o com curiosidade pelo que elas realmente são? Esta comparação ajuda-me na minha vida? Permite-me aprender coisas novas que me aproximam da pessoa que quero ser?” Quando a resposta a estas questões é “não”, talvez isso sugira que a comparação — pelo menos tal como está a ser feita e interpretada — não está a ser útil.