Controlar, prejudicar, magoar sem motivo. 11 perguntas sobre o bullying e como afeta a saúde mental
A violência repetida, física ou psicológica, condiciona e influencia comportamentos. Insegurança, baixa autoestima, isolamento, ansiedade ou oscilações emocionais são algumas consequências.
1 O que é o bullying?
Bullying é qualquer comportamento que, exercido por uma pessoa ou por um grupo, tem a intenção de controlar, prejudicar ou magoar alguém, quer seja de forma física ou psicológica.
“Difere de outros enquadramentos legais e penais por evidenciar especificidades ao nível da sua intencionalidade, pela repetição e pelo desequilíbrio de poder ou força entre os intervenientes”, diz José Carlos Moura, psicólogo da infância e adolescência. Ou seja, a intenção e a repetição distinguem o bullying de outras formas de violência.
O bullying é praticado por alguém (bully) ou por um grupo (bullies). “Estes comportamentos ocorrem geralmente sem motivo aparente e no contexto de uma relação desigual de poder, provocando um conjunto de vulnerabilidades e sofrimentos no domínio psicoafetivo nas vítimas.”
2 Além da intenção e repetição, que outras características tem o bullying?
O bullying tem características que o diferenciam de outras discussões, conflitos, agressões, intimidação ou atos isolados. Desde logo, por ser uma conduta premeditada e com o propósito de provocar mal-estar e ter controlo sobre essa pessoa. A repetição ao longo do tempo é outra característica.
Ou seja, “tornando-se algo regular e constante, havendo um desequilíbrio de poder/força entre quem agride e quem é o agredido, assumindo sempre uma posição de maior intimidação ou até de força física para controlar, magoar e prejudicar alguém aparentemente mais vulnerável”, realça José Carlos Moura.
3 E como se manifesta o bullying?
De várias maneiras. Muitas vezes, especifica o psicólogo, de forma mais ou menos visível, através de agressões físicas, chantagem emocional, humilhação verbal, rumores, exposição e divulgação de assuntos pessoais e ou familiares, agressão indireta e intimidação física, psicológica, relacional ou sexual.
Por norma, o perfil de uma vítima de bullying é pautado por um conjunto de vulnerabilidades pessoais visíveis, como o aspeto físico (por exemplo, ser o mais baixo da turma, ter uma deficiência, pertencer a uma minoria), ser introvertido e pouco expressivo ou até ter poucos amigos na escola. Essas pessoas são consideradas mais frágeis pelos agressores/as e olhadas como tendo menos força física. Geralmente, são mais novas em termos de idade. “Muitas vezes, têm uma opinião negativa de si mesmas (baixa autoestima) e adotam comportamentos passivos ou submissos, que as tornam mais vulneráveis e inseguras perante os agressores.”
Quanto aos bullies, podem apresentar indicadores variados que justifiquem a prática do bullying, como muita dificuldade em lidar com a frustração, dificuldade em gerir emoções, procura constante de aprovação, supremacia e popularidade. “Geralmente são preconceituosos, apresentam pouca empatia e têm mais dificuldade em gerir regras e aprovam a conduta desviante e o recurso a condutas violentas.”
Os episódios de bullying manifestam-se, maioritariamente, em contexto escolar e nas plataformas digitais com recurso fácil à internet e às redes sociais. É, infelizmente, um fenómeno muito comum entre crianças e adolescentes.
4 Há sinais difíceis de identificar?
Sim: o silêncio. José Carlos Moura explica:
O silêncio das vítimas e o tempo de sofrimento são antagonistas neste processo. Assistimos muitas vezes a um medo constante de represálias e/ou vinganças perpetuadas caso se denuncie ou divulgue, bem como a um sofrimento psicoafetivo que caracteriza a vítima, aludindo a uma vergonha discriminada que adjetiva fraqueza e inferioridade nestes perfis.”
5 Há diferentes tipos de bullying?
Sim. Há vários comportamentos que definem formas de praticar ou estar perante uma situação de bullying. “Hoje sabe-se que os rapazes são mais facilmente alvo de bullying físico, verbal e cyberbullying enquanto nas raparigas é mais comum o bullying sócioemocional.”
- O bullying físico contempla comportamentos como bater, arranhar, cuspir, roubar, empurrar ou partir objetos. “Assiste-se também, num trajeto crescente, ao bullying sexual que se entende por acariciar ou tocar em partes do corpo contra a vontade do próprio e também pela partilha e divulgação de conteúdo privado, sexual e íntimo.”
- No bullying verbal, comportamentos como insultar, ameaçar, ofender, provocar, gozar, chamar nomes e usar alcunhas depreciativas, são alguns exemplos.
- O bullying socioemocional passa por espalhar boatos ou difamar alguém, isolar socialmente alguém, rejeitando-o ou excluindo-o de um conjunto de vivências ou relações recreativas ou interpessoais.
- O cyberbullying caracteriza-se por utilizar a Internet, em plataformas sociais/digitais, para enviar mensagens ameaçadoras ou insultuosas, divulgar informações, fotografias ou dados sobre alguém contra a sua vontade. “É um comportamento que muitas vezes ocorre em anonimato e que pode chegar a uma maior audiência.”
6 O ambiente familiar pode explicar o bullying?
Sim e não. Há modelos educativos que promovem vários comportamentos, onde o hiato entre a agressividade e carência pode ser tão curto, ou seja, ser agressor ou vítima pode ter a mesma origem, lembra o psicólogo da infância e adolescência.
Contextos de violência doméstica, contextos com estilo parental muito autoritário, vivências sociais com prática de desordem pública ou com recursos a hábitos e condutas desviantes e/ou ilegais, ou contextos onde há negligência familiar podem ser mais suscetíveis de acarretar risco.”
A família é o contexto maior e privilegiado das aprendizagens, do processo de desenvolvimento de qualquer criança. Uma vinculação segura, a gestão emocional, o apoio na aprendizagem, a presença e a dedicação, a intolerância à frustração, a resolução de problemas, a tomada de decisão, são fundamentais.
“Sabe-se que a exposição a determinados modelos comportamentais pode desencadear um conjunto de aprendizagens passíveis de serem mais normativas ou desviantes, mediante o conteúdo ou o impacto provocado.”
7 Há contextos mais propícios do que outros para o bullying?

8 O bullying pode indiciar alguma perturbação mental?
“O bullying não é uma identidade, mas sim um comportamento aprendido”, responde o psicólogo, lembrando que fatores como a personalidade, a família, a escola ou até o grupo de pares, podem contribuir para que alguém se torne um bully. Por vezes, os bullies agridem por já se terem sentido agredidos.
O bullying não indica, por si só, qualquer perturbação mental. No entanto, o contrário acontece, ou seja, crianças com quadros clínicos de saúde mental são mais frequentemente vítimas ou agressores.
Crianças com perturbações do neurodesenvolvimento apresentam mais dificuldades de integração social e de cumprimento de regras e limites, além de poderem também manifestar uma fraca capacidade para resolver problemas e baixas competências pessoais e sociais. Estas crianças são mais vulneráveis para serem vítimas.
Em contrapartida, crianças com perturbação de oposição, consumo de substâncias ou com comportamento disruptivo podem mais facilmente assumir um padrão de bully.
9 Como é que o bullying impacta a saúde mental?
Todos os comportamentos de bullying provocam sofrimento e mal-estar e podem comprometer a aprendizagem, perturbar relações interpessoais e o desenvolvimento socioemocional das crianças e jovens, reduzindo a sua perceção de segurança e proteção.
Como se repete ao longo do tempo e, por isso, a exposição é constante, há impacto a vários níveis. Insegurança, introversão, sentimentos de culpa e de inferioridade, dificuldades na tomada de decisão e uma necessidade forte de aprovação dos outros, isolamento social, ansiedade na exposição social, oscilações emocionais com episódios de raiva e de irritação. E, muitas vezes, verificam-se pensamentos e comportamentos autolesivos e autodestrutivos.
Podem ainda ser visíveis, dependendo do contexto, dificuldades de concentração, dificuldades de aprendizagem, desconforto físico, dores, sinais psicosomáticos (por exemplo, dores de cabeça ou de estômago), perturbações do sono, dificuldades de relacionamento com os outros, a curto e a longo prazo (por exemplo, inibição social, dificuldade em manter um relacionamento amoroso, baixa autoconfiança, dificuldade em tomar decisões, dificuldades laborais).
“Denota-se igualmente uma maior vulnerabilidade, a curto e a longo prazo, para o desenvolvimento de perturbações mentais como ansiedade, depressão, perturbação de pânico, ideação suicida, stresse pós-traumático ou consumo de substâncias.”
Os agressores também revelam problemas na sua vida, habitualmente mais centrados no insucesso escolar e em comportamentos desviantes, um risco enorme de perpetuarem este padrão na vida adulta, tornando-se consumidores de substâncias ou mais predispostos ao crime e à violência, adianta o psicólogo da infância e adolescência.
As famílias e as testemunhas também não ficam à margem. “Por vezes, vivenciam níveis elevados de ansiedade na gestão de todas estas situações inerentes, havendo lugar a medos, culpa, vergonha e frustração/desespero pela incapacidade em ajudar.”
10 O que fazer para lidar com o bullying e quando procurar ajuda?
Em primeiro lugar, denunciar o bullying. Evitar o bully ou os bullies, evitar confrontos isolados. Não andar sozinho e não deixar de cumprir as rotinas. Pedir ajuda e partilhar o que acontece sem vergonha ou medos de represálias.
“Numa situação de confronto, devemos ignorar o bully, e em situações mais emergentes, assumir uma atitude proativa na nossa autodefesa, proferindo discurso opositor, do tipo ‘pára, ou não, não faço’ ou correr para lugares seguros ou onde se encontrem adultos.”
Outra coisa importante: não reagir ao bullying com bullying. Segundo José Carlos Moura, é fundamental que a família e a escola estejam muito atentas a determinados fatores. São muitos. “Desde pessoais e sociais, como isolamentos, roupa estragada, desinvestimento em atividades diárias, necessidade de aprovação dos outros, aumento das capacidades financeiras sem motivo aparente ou pertences que não são pessoais, choro fácil e irritabilidade, dificuldade em cumprir regras, desinteresse escolar e baixo rendimento académico, mudança de comportamentos sem motivo aparente, sinais de ansiedade e fragilidades emocionais, dificuldades ao nível do sono e na alimentação, entre outros, podem descrever possíveis características de que estamos perante uma pessoa que é vitima ou bully.”
11 Há formas de prevenção?
Denunciar. Denunciar sempre. A prevenção é importante, o envolvimento de todos é fundamental e a educação e informação determinantes no controlo comportamental e na vivência comunitária. A família e a escola têm um papel essencial.
Para José Carlos Moura, o bullying deve fazer parte do projeto educativo das escolas, devem existir programas de prevenção e divulgação, promovendo um contexto seguro onde existem regras claras e concretas e direitos e responsabilidades definidas. Maior supervisão dos recintos escolares e ações de esclarecimento sobre a temática não devem ser esquecidas.
“Investir em ações que encorajem a denúncia e contrariem o segredo, articulando com planos de ação entre outros profissionais e entidades como por exemplo a Escola Segura, os centros de saúde e a CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco).”
A família é absolutamente essencial, a base, a segurança e o suporte. A vários níveis: no investimento afetivo e educativo, no diálogo aberto sobre esta temática, em hábitos de socialização e de solidariedade. Pais e mães devem passar mais tempo com os filhos, conhecerem a sua rede social, de amigos e conhecidos.
“Sempre que possível é fundamental um relacionamento estreito entre família e escola para que possa haver um acompanhamento regular e contínuo das vivências existentes e como vigora o comportamento dos educandos”, conclui o psicólogo da infância e adolescência.