Existem vários tipos de dor?
A dor não é sentida da mesma forma de pessoa para pessoa e existem vários tipos de dor. Um bom diagnóstico é o segredo para o tratamento mais correto. Cada pessoa deve ter uma abordagem única.
1 O que é a dor?
É uma experiência complexa, individual e é uma espécie de impressão digital. A “minha dor” distingue-se sempre da dor dos outros e pode mudar de momento em momento. Não devemos avaliar a dor, mas sim a pessoa com dor.
Segundo José Romão, anestesista da Unidade de Dor da ULS de Santo António, a dor depende de um componente biológico e sensorial, ou seja, “se nos aproximarmos de uma fonte de calor, queimamo-nos, e se nos aproximamos de um objeto pontiagudo, picamo-nos”. E importa realçar também a vertente emocional, pois, em regra, ninguém gosta de ter dor e é uma sensação que se tenta evitar a todo o custo. “Por isso é que se afirma que a dor deve ser encarada segundo um modelo biopsicossocial. A dor não se vê, nem se palpa, só se sente.”
2 Existem vários tipos de dor?
Sim. Desde logo temos de distinguir a dor aguda da dor crónica. A primeira é protetora no sentido em que serve de alerta de que algo no organismo pode não estar bem. É o que acontece, por exemplo, quando uma pessoa tem um enfarte do miocárdio e um dos sinais é a dor torácica. “A dor aguda resolve-se, trata-se e cura-se, sendo autolimitada no tempo, ao contrário da dor crónica, que se prolonga e geralmente não tem cura.”
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASD) está convencionado que uma dor crónica é a que persiste para além dos três meses.
É ainda possível identificar dois tipos de dor:
- Nociceptiva – Resulta da estimulação de nociceptores [estruturas responsáveis pela captação da estímulos à periferia, como uma queimadura, por uma martelada, um estímulo químico, entre outros]. “Quando há envolvimento de nociceptores há um fenómeno inflamatório e essa inflamação vai gerar substâncias algogénicas [que são promotoras de dor aguda, ou seja, a que os avisa que algo não está bem e é preciso tratar o problema].
- Neuropática – É o tipo de dor causado por uma lesão ou disfunção do sistema nervoso somatosensorial. “Isto acontece quando as estruturas nervosas envolvidas no processamento da informação sensitiva não funcionam bem”, refere José Romão. Um exemplo deste tipo de dor é a “dor fantasma”, que acontece quando uma pessoa desenvolve dor numa parte do corpo que foi amputada, por exemplo, ou na zona de um dente que foi extraído. O cérebro continua a interpretar como dor a estimulação que recebe do órgão/membro que já não existe.
- Nociplástica – É um tipo de dor que não encaixa na dor nociceptiva nem na dor neuropástica e foi identificada recentemente. A dor nociplástica acontece, por exemplo, na fibriomialgia, em que há uma alteração da perceção da dor, mas não se sabe o motivo. “Existem muitas teorias, mas ainda não se chegou a uma conclusão e uma teoria unificadora que explique o que acontece nesta situação.” O diagnóstico de fibromialgia é sobretudo de exclusão, tem de haver um conjunto de sinais e sintomas e dor generalizada mas tem de se ter a certeza de que tal não é provocado por doenças conhecidas e tratáveis.
3 Quais as consequências da dor crónica?
Não se conhece qualquer vantagem em ter dor crónica, ao contrário da dor aguda que pode ser protetora. Relativamente à dor crónica, “até hoje ninguém conseguiu identificar qualquer vantagem”, explica José Romão. Existem alguns comportamentos que os doentes tendem a adotar, desde logo, evitar o movimento (cinesiofobia), o que é contraindicado. “Isto é péssimo porque o corpo foi feito para mexer, não para estar parado.”
Também a nível psicológico, as consequências são notórias. A ansiedade e a depressão acompanham frequentemente quem tem dor crónica. A pessoa vai-se retraindo e sentindo-se mais sozinha, acabando por deixar de sair com os amigos ou com a família e a fazer as atividades habituais. “A dor crónica tem consequências para a sociedade, pois é responsável por custos elevados pelo absentismo e pelo presenteísmo ao trabalho [a pessoa vai ao trabalho, mas não produz]. É um fardo social muito grande, e um problema de Saúde Pública significativo”, afirma o médico.
4 Como se trata a dor?
É fundamental saber de que tipo de dor se trata para definir melhor o tratamento. Por exemplo, se estivermos perante uma dor nociceptiva, recomenda-se a toma de “paracetamol, anti-inflamatórios e opióides”, diz José Romão. Mas esses medicamentos são “muito pouco interessantes no tratamento da dor neuropática”. Neste caso, a opção recai “em medicamentos que também são usados para tratar a depressão, como os antidepressivos e os anticonvulsionantes, que têm propriedades analgésicas”.
Muitas vezes, é preciso ir por tentativa e erro. Enquanto na dor aguda é quase sempre possível promover um alívio significativo da dor, os medicamentos disponíveis para a dor crónica não conseguem tratar a dor completamente. “Por isso, nunca dizemos ao doente que vamos curar a sua dor, mas sim aliviar e mitigar, o que é um problema porque as pessoas procuram-nos na expetativa de que vão ficar bem e isso pode comprometer a relação médico-doente.”
Mas o tratamento de dor não se esgota nos medicamentos.
5 O que ajuda a tratar a dor além dos medicamentos?

A dor mais comum nas unidades de dor em todo o mundo é a do foro músculo-esquelético. É a fatura a pagar por vivermos muitos mais anos e pelo aumento da esperança média de vida. Nestas unidades deve haver o apoio da fisioterapia e tratamentos de reabilitação. Dentro das técnicas mais sofisticadas existe um histórico de bloqueios nervosos que tiveram a sua época dourada quando havia poucos fármacos e que entraram um pouco em declínio, “mas têm sofrido um novo fôlego, até com o advento da ecografia — que já deixou de ser um instrumento só de radiologistas — e as pessoas que fazem esse tipo de tratamentos importaram esta ajuda para orientar as suas técnicas de diagnóstico e de tratamento mais invasivas”.
Existem ainda técnicas muito mais sofisticadas e que envolvem “a implantação de estimuladores elétricos, que são bastante caras e que só devem ser usadas em situações muito bem selecionadas e feitas por profissionais que têm um treino muito específico nessa área”.
A acupuntura também é uma alternativa à disposição.
As terapias cognitivo-comportamentais e a psicoterapia integram frequentemente as estratégias de tratamento da pessoa com dor crónica. Seja qual for a alternativa, a chave passa por fazer um bom diagnóstico e avaliar bem o doente.
6 Todos os doentes com dor crónica devem ser reencaminhados para unidades especializadas?
A maioria dos doentes com dor crónica devem ser acompanhados e permanecer nos cuidados de saúde primários (centros de saúde) pois podem não ter indicação para ser referenciados para unidades especializadas no tratamento da dor, que se destinam “a situações em que, apesar dos tratamentos corretos, não se obtêm ganhos, a indivíduos com outros problemas de saúde que dificultam a instituição de um tratamento para a dor ou em situações que exigem técnicas que não estão disponíveis nos centros de saúde.”
7 Que hábitos de vida podem ajudar a minimizar a dor?
“O analgésico do séc. XXI é o movimento.” A afirmação pertence ao anterior presidente da Federação Europeia de Dor, Bart Morlion. Fruto dos hábitos de vida — andamos mais de elevador, escadas rolantes, automóvel — os portugueses têm muito poucos hábitos de atividade física. É preciso dar ênfase à prevenção da dor crónica e isso passa por uma boa alimentação, ter cuidado com o peso, dormir bem, sair da frente da televisão e fazer atividade física.