O CDS esperou, desejou, prolongou a indecisão até à última hora, mas a notícia que esperava não chegou: Paulo Portas está mesmo fora da corrida presidencial de 2026 e, sendo assim, os democratas-cristãos não poderão entregar o seu apoio convicto ao antigo líder. Excluída a hipótese de Portas, o desejado, sobra então a forte probabilidade de o parceiro do PSD na Aliança Democrática entregar o seu apoio a Luís Marques Mendes — sendo certo que o partido está dividido e a decisão está longe de ser unânime.
Como o Observador foi dando nota, o processo de decisão do CDS esteve sempre muito dependente da decisão de Paulo Portas: partindo as candidaturas presidenciais de uma decisão individual, e sendo natural que o partido se alegrasse e entusiasmasse com a perspetiva de ter o eterno líder na corrida, o CDS manteve-se à espera e declarou, desde logo, que antes das eleições autárquicas não se pronunciaria sobre o assunto — o que calhava bem com o calendário de Paulo Portas, que nunca equacionou pronunciar-se antes do final do verão.
Foi “há dias”, contou Nuno Melo aos jornalistas, enquanto decorria, na noite desta terça-feira, o Conselho Nacional do CDS, que recebeu a confirmação de que Portas não avançaria mesmo. E a data da marcação desta reunião “teve obviamente a ver com isso”: sabida a decisão de Portas, era então preciso fazer avançar o processo dentro do CDS, que consideraria Portas um “extraordinário candidato” — e ainda considerará, já que, nas palavras de Nuno Melo, o ex-líder “ainda é novo” a assim continua-se a “acalentar a esperança” de que no próximo ciclo arrisque avançar.
No CDS existe a noção de que Portas poderia arregimentar apoios significativos até noutras áreas da direita, e que há grupos, como jovens de direita politizados, em que faria sucesso independentemente do partido que representa. Mas Portas, que consideraria que antes do verão seria cedo para avançar, foi vendo o espaço da direita ficar cada vez mais ocupado — já não apenas por Marques Mendes e eventualmente Gouveia e Melo, mas entretanto também por André Ventura e João Cotrim Figueiredo, o que lhe daria muito pouca margem de manobra para uma candidatura de algum sucesso.
Partido divide-se porque “não é o PCP”
A discussão noturna deste Conselho Nacional serviu, assim, para “dar o pontapé de saída” e lançar o debate interno sobre presidenciais, mas ainda não para fechá-lo — até porque, como o Observador apurou, o partido está dividido nesta matéria e não tem um candidato óbvio e unânime; há quem considere essas hesitações um “absurdo”, uma vez que a solução de “bom senso” seria acompanhar o candidato do parceiro da AD, e quem recorde que Marques Mendes não entusiasma — e até quem reclame que o candidato apoiado pelo PSD não tem mostrado particular, ou pró-ativo, interesse em contar com o apoio do CDS.
Como recordava Nuno Melo, desde os tempos de Basílio Horta e, antes disso, Freitas do Amaral que o CDS não apresenta candidato próprio; agora, tem de olhar para as opções existentes, sendo certo que apoiará formalmente um candidato, e escolher quem esteja fora dos “extremos” e seja “expressão de um Estado de direito democrático”, caracterização feita por Melo.
Seja com mais entusiasmo ou mais resignação, a definição deverá acabar por encaixar em Marques Mendes, uma vez que, como resumia Melo com pragmatismo, as “circunstâncias de facto” são as que são, e o CDS “integra a AD” e lembrar-se-á disso no momento de tomar uma posição institucional; é o mesmo que dizer que quem não tem Portas ‘caça’ com Mendes e que essa será a decisão mais natural a tomar no contexto atual.
É isso que têm defendido apoiantes democratas-cristãos de Marques Mendes, como Diogo Feio, que acredita, de resto, na fusão de PSD e CDS no projeto da AD — e que cedo disse que seria “um absurdo” que o partido se decidisse por um apoio “surpresa” a Henrique Gouveia e Melo. “O projeto [da Aliança Democrática] exige a vontade de uma maioria de natureza presidencial. Dormirei bastante tranquilo com uma candidatura de Marques Mendes”, fez questão de sublinhar quando falou pela primeira vez publicamente sobre o assunto, acrescentado que o comentador e o conselheiro de Estado é uma pessoa com “pensamento conhecido”.
[Chegou o histórico debate entre Soares e Freitas. E o socialista já conseguiu o voto dos comunistas sem “olhar para o retrato” dele. A “Eleição Mais Louca de Sempre” é o novo Podcast Plus do Observador sobre as Presidenciais de 1986. Uma série narrada pelo ator Gonçalo Waddington, com banda sonora original de Samuel Úria. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui e o quarto aqui]
Por outro lado, há democratas-cristãos como o ex-líder Francisco Rodrigues dos Santos que apoiam precisamente o almirante, descrito como um “anti-Marcelo” a quem os portugueses “reconhecem autoridade”, o que traria um contraste eventualmente positivo com o último mandato presidencial. Nos corredores do CDS mantinham-se as discussões entre quem reconhecia estas vantagens ao almirante e quem acreditava que, perante o previsível risco de divisão à direita (e a necessidade de garantir uma passagem à segunda volta), só havia dois caminhos: “Ou há Paulo Portas ou apoia-se quem o PSD apoiar”.
Melo reconhece que as divisões existem, mas desvaloriza-as: “Parece-me que nenhum partido, a não ser o PCP, tem todos os seus organicamente concentrados“. Nisso, brincou, o CDS é como o hino da JP descreve: “Completamente livres, completamente soltos”, e por isso respeitadores de posições individuais, que não invalidarão a posição institucional do CDS.
Ora essa será tomada depois de Melo ouvir todos os conselheiros nacionais e pedir mandato para ir à Comissão Executiva do CDS (a direção mais restrita) propor um apoio concreto, o que deverá acontecer, “com enorme probabilidade”, já na próxima semana. Com o candidato sonhado a pôr-se fora da corrida, as circunstâncias são as que são. E o apoio, mais ou menos entusiástico, está prestes a ser entregue.