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Melissa. 8 respostas para perceber o porquê de já ser considerada a tempestade mais forte de 2025 em todo o mundo

Furacão com ventos acima de 280 km/h ameaça as Caraíbas. Após Haiti e República Dominicana, chega à Jamaica, onde se teme "situação catastrófica". Especialistas explicam causas e impacto do fenómeno.

Manuel Nobre Monteiro
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O furacão Melissa está a atravessar as Caraíbas com uma intensidade raramente vista. Primeiro o Haiti, depois a República Dominicana. Seguiu-se a Jamaica, antes de continuar viagem para as Bahamas e Cuba, com ventos superiores a 280 quilómetros por hora — força suficiente para o classificar como furacão de categoria 5, o nível máximo da Escala de Saffir-Simpson. É, até agora, a tempestade mais forte do planeta em 2025, segundo o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (NHC, na sigla inglesa).

Na Jamaica, o país mais ameaçado neste momento, já foram decretadas evacuações obrigatórias e o Governo abriu mais de 800 abrigos. O Presidente jamaicano confessou estar “de joelhos a rezar” pelo país. Apesar dos apelos, muitos moradores recusam abandonar as casas, temendo perder o pouco que têm. Já há registo de três mortos e 13 feridos no país e as autoridades alertam para a possibilidade de uma crise humanitária nas próximas horas.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM), afiliada na ONU, declarou que “é esperada uma situação catastrófica na Jamaica”. De acordo com a especialista em ciclones tropicais da OMM, Anne-Claire Fontan, “para a Jamaica, esta será, sem dúvida, a tempestade do século”. Por seu turno, um porta-voz da Cruz Vermelha anunciou que se estima que o furacão Melissa afete diretamente pelo menos 1,5 milhões de jamaicanos.

Que furacão é este e como se formou?

O Melissa nasceu de “uma onda tropical vinda de Cabo Verde”, algo comum nesta época do ano, segundo explica ao Observador o climatologista Mário Marques, acrescentando que “encontrou um ambiente muito favorável ao desenvolvimento rápido para furacão, com a temperatura das águas do Caribe muito acima da média”.

A maior parte dos furacões mais intensos que nascem no Atlântico têm origem perto das ilhas de Cabo Verde, a 600 quilómetros a oeste do Senegal. Isto acontece quando uma onda tropical — uma região de baixa pressão atmosférica — se forma na savana africana durante a estação das chuvas e se dirige para o Oceano Atlântico, onde se encontra com as águas quentes ao largo do continente africano e se transforma em ciclone tropical

A combinação entre o calor das águas e a presença da zona intertropical de convergência — onde se cruzam ventos vindos dos hemisférios norte e sul — cria as condições ideais para o crescimento explosivo do sistema. “Esta conjugação de fatores intensificou o ciclone, que atingiu rapidamente a categoria cinco”, sublinha o especialista. Isso aconteceu muito rapidamente, desde o fim de semana até segunda-feira.

https://twitter.com/BackpirchCrew/status/1983052567409025142

O fenómeno acontece quando a tempestade fica “presa” entre duas zonas separadas de alta pressão, que fazem abrandar os ventos que “empurram” o sistema. Neste caso, o Melissa abrandou ao largo do sudeste da Jamaica, sobre as águas quentes do Mar das Caraíbas, onde velocidade passou para metade dos cerca de 16 quilómetros por hora a que uma tempestade costuma circular nas Caraíbas, tendo-se tornado um “furacão lento”. As águas quentes e a geografia montanhosa do Haiti e da Jamaica acentuaram o fenómeno, pois a intensa humidade “alimenta” a tempestade, o que pode causar níveis de precipitação inéditos.

O que significa ser uma “tempestade lenta”?

Este furacão é considerado uma tempestade lenta, deslocando-se a metade da velocidade média de furacões nas Caraíbas. Segundo Mário Marques, “quanto mais intenso é um furacão, mais lentamente tende a mover-se”. Isto acontece porque “há muita energia a ser assimilada e consumida”, o que faz com que o sistema “se alimente de forma mais prolongada e avance mais devagar”.

Esta lentidão agrava o seu impacto. Há, assim, registo de mais chuva, ventos mais duradouros e maior potencial de destruição em áreas fixas. O Melissa é o décimo terceiro furacão da época no Atlântico. Porém, o facto de ser uma tempestade lenta torna-o particularmente destrutivo. “Quando mais devagar uma tempestade se desloca, mais tempo tem para despejar muita chuva num único local”, simplificou, também, Stephen Mullens, professor da Universidade da Florida ao New York Times.

Há algo de inédito neste fenómeno? É a maior tempestade de sempre?

O facto de ter passado de categoria 2 para 5 em apenas 48 horas e de ser considerada uma tempestade “lenta” faz com que o Melissa seja um fenómeno “pouco usual”.

O climatologista explica ao Observador que esta tempestade “não é inédita, mas o que torna o Melissa excecional é o fato de atravessar a Jamaica como categoria 5, algo raríssimo. “Normalmente, estas tempestades passam mais a leste ou mais a oeste. Desta vez, o furacão está a passar diretamente sobre o centro da ilha, o que amplifica a destruição pela sua lentidão e intensidade”.

https://twitter.com/BackpirchCrew/status/1982555017694605552

No entanto, esta não será a maior tempestade de sempre, até porque quando passar a ilha da Jamaica vai perder intensidade. “Pode ser, sim, aquela que afeta o país de uma forma mais intensa desde que há registos”, afirmou Mário Marques.

É preciso recuar a 2005, por exemplo, para encontrar um furacão semelhante ao Melissa. O Katrina atingiu também a categoria 5, com ventos que ultrapassaram os 280 quilómetros por hora e causou uma brutal destruição, sobretudo no Louisiana, EUA. Para além dos danos materiais, provocou 1.800 mortos, 1,5 milhões de desalojados e uma crise humanitária.

Quais as regiões mais afetadas?

Ainda antes de chegar à Jamaica, o Melissa já deixou um rasto de destruição pela América Central, como noticiou a CNN, a BBC e a Associated Press. No Haiti, três pessoas morreram e mais de 15 hectares de plantações de milho foram destruídos, o que pode agravar a fome que o país vive. Na República Dominicana, morreu uma pessoa, 50 mil pessoas ficaram sem energia e mais de três mil ficaram desalojadas. “Não é motivo para brincar”, alertou o ministro do ambiente dominicano.

A Jamaica é agora o epicentro da tragédia, tendo-se já registado três mortes durante os preparativos para a chegada da tempestade — duas após árvores lhes terem caído em cima e uma terceira por eletrocussão —, confirmou o ministro da Saúde e Bem-Estar, Christopher Tufton, na noite de segunda-feira. Outras 13 pessoas ficaram feridas, a maioria em quedas de escadas e telhados enquanto tentavam reforçar as casas.

De acordo com o primeiro-ministro jamaicano, Andrew Holness, o furacão causará “danos catastróficos”. “Não há infraestruturas nesta região, ou talvez em qualquer parte do mundo, que possam suportar um furacão de categoria cinco sem algum nível de danos”, disse à CNN.

https://twitter.com/minuto60com/status/1983222455297540581

https://twitter.com/JamaicaObserver/status/1983211611851575331

As Bahamas preparam-se para a chegada da tempestade, tendo o Governo emitido ordens formais de evacuação em cinco municípios. Cuba também se prepara, com apoio logístico das Nações Unidas, que anunciaram a ativação do seu mecanismo de Ação Antecipada face ao próximo impacto do furacão no país. Está previsto serem distribuídas mais de 100 toneladas de arroz e material de emergência.

Depois de ter feito landfall na Jamaica, o Melissa passou a categoria 4. Quando chegou a Cuba, já passava à categoria 3. Mas pode voltar a subir.

Que tipo de danos costumam estar associados a furacões desta dimensão?

Segundo Mário Marques, furacões de categoria 5 trazem chuvas intensas, ventos devastadores, marés de tempestade (as chamadas storm surge) e subida acentuada do nível do mar. “A pressão muito baixa faz com que o oceano suba entre dois e três metros, podendo inundar áreas costeiras inteiras”, explica ao Observador.

O Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (NHC, na sigla inglesa) alerta para o facto de o furacão ser capaz de causar danos estruturais completos em áreas expostas e deixar grandes regiões sem eletricidade durante as próximas semanas.

Já de acordo com o The COMET Program, uma ferramenta desenvolvida pela Corporação Universitária para a Investigação Climatérica, em furacões de categoria 5 esperam-se “danos catastróficos“. Uma grande percentagem de casas vai ser “severamente destruída”, com perda total do telhado e das paredes exteriores. A esmagadora maioria das árvores será arrancada e os postes de eletricidade vão ser varridos. As áreas residenciais vão ficar “completamente isoladas pelos escombros”.

Este furacão pode ser um sinal de que estamos a entrar numa nova fase de eventos extremos mais frequentes?

Para o climatologista, há que distinguir entre frequência e intensidade. “Todos os anos há furacões de categoria 5 — pelo menos um ou dois —, o que é normal”, começa por sublinhar, explicando que o que muda é que, com mares mais quentes e mais vapor de água na atmosfera, há mais energia disponível para que os furacões se tornem mais intensos e destruidores quando acontecem.

Deste modo, para Mário Marques, não há necessariamente mais furacões, mas os que existem tendem a ser mais fortes.

Portugal pode ser afetado? Há hipóteses de termos um evento deste género?

“Não, não podemos ser afetados diretamente”, garante Mário Marques. Após atravessar as Caraíbas, o Melissa seguirá para o Oceano Atlântico, onde perderá força e poderá apenas “alimentar uma área de baixa pressão a noroeste”.

Um fenómeno desta categoria não afetará Portugal. Para o climatologista, a razão está nas temperaturas do mar. “O oceano em Portugal nunca atinge os 31 ou 32 graus que alimentam furacões desta magnitude”.

Ainda assim, o especialista admite que o país poderá enfrentar tempestades pós-tropicais cada vez mais frequentes, “com características semelhantes a furacões de categoria 1 ou 2”, mas sem a mesma escala de destruição.

Mas afinal o que é um furacão, como se forma e qual a sua estrutura?

Os furacões são as tempestades mais perigosas e devastadoras que podem ocorrer no planeta Terra. Tratam-se de “ciclones tropicais com ventos que viajam a uma velocidade mínima de 119 quilómetros por hora”, isto é, movimentos rotativos da atmosfera em torno de um centro que ocorrem em águas tropicais e subtropicais, segundo explica o Centro Nacional de Furacões, a entidade da Administração Oceânica e Atmosférica norte-americana especialista neste tipo de fenómenos.

Ciclones desta natureza extraem energia térmica da água do mar quando esta se encontra a uma temperatura igual ou superior a 27 ºC e depois transportam-na para as regiões mais altas da troposfera — a mais interna de todas as camadas da atmosfera –, onde a temperatura é muito mais baixa. Para que se saiba se um ciclone tropical é ou não um furacão, os cientistas medem as velocidades dos ventos que se verificam nesses locais, como explica o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Para que os furacões se formem é necessário que estejam a acontecer, em simultâneo, cinco fenómenos:

  1. Um ciclone tropical a perturbar a atmosfera;
  2. Que esse ciclone tropical ocorra num oceano quente em que as águas estejam a uma temperatura igual ou superior a 27 ºC;
  3. Que isso aconteça numa extensão de pelo menos 50 metros de profundidade;
  4. Que o ciclone tropical se mantenha durante um longo período de tempo;
  5. Que os níveis de humidade sejam muito altos nas regiões mais inferiores da troposfera e que o vento sopre a baixa velocidade e sem muitas variações de intensidade e direção nas camadas mais altas da troposfera.

Relativamente à sua estrutura, o furacão é composto por um olho, que é a parte central do ciclone tropical em torno do qual giram as nuvens que compõem o furacão e onde se verificam as pressões atmosféricas mais baixas e as temperaturas mais altas de todo o fenómeno meteorológico. O clima é tão pacífico lá dentro que pode ser possível observar o céu e, durante a noite, ver estrelas. O olho do furacão pode ter ter entre oito e 200 quilómetros de diâmetro, como explica o Laboratório Meteorológico e Oceanográfico do Atlântico.

Em torno do olho do furacão está a parede do olho. É nessa região que ocorrem os ventos mais velozes e devastadores e é o resultado da acumulações de nuvens do tipo cumolonimbus que se formam quando o vapor de água vindo do mar condensa ao encontrar as massas de ar frio nas regiões mais altas da troposfera.

A terceira e última parte de um furacão são as bandas de precipitação, que são como braços de nuvens em espiral que saem da parede do olho e giram em torno do centro da tempestade, explica o IPMA. Essas nuvens giram no sentido contrário ao ponteiro dos relógios no hemisfério norte e no sentido dos ponteiros do relógio no hemisfério sul porque a direção do movimento está dependente dos ventos.

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