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(A) :: Ameaças, encenações captadas por drone e um cessar-fogo em risco. O que se passou com a devolução de um refém israelita desta segunda-feira?

Ameaças, encenações captadas por drone e um cessar-fogo em risco. O que se passou com a devolução de um refém israelita desta segunda-feira?

Entrega dos restos mortais de refém que já tinha sido recuperado em 2023 colocaram o cessar-fogo na Faixa de Gaza à beira de ruir. Israel acusa Hamas de logro e gravou um vídeo para prová-lo.

António Moura dos Santos
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Tiago Caeiro
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As tensões entre Israel e o Hamas voltaram a subir após a descoberta de que os restos mortais entregues esta segunda-feira pelo grupo militante islamita pertencem na verdade a um refém cujo corpo já tinha sido parcialmente recuperado pelo exército israelita em dezembro de 2023. Netanyahu e o seu governo reuniram-se esta tarde para avaliar potenciais respostas ao que entendem ser uma violação do acordo de cessar-fogo, ao passo que o Hamas tentou amenizar a situação a prometer a entrega de outro refém até ao fim do dia.

O final de segunda-feira foi marcado pela entrega de um caixão por parte do Hamas à Cruz Vermelha com destino a Israel, com o grupo islâmico a afirmar conter um dos 13 reféns cujos restos mortais ainda se encontram na Faixa de Gaza. O ato serviu para refrear uma situação já tensa em si mesma, pois já se passaram duas semanas desde o prazo estabelecido no acordo de cessar-fogo para o retorno de todos os 48 reféns — vivos ou mortos — detidos pelo Hamas.

No entanto, esta manhã começou a ser noticiado que o Instituto Nacional Forense do Ministério da Saúde de Israel estava com dificuldades em determinar a identidade dos restos mortais entregues pelo Hamas, nutrindo a suspeita de que podiam até pertencer a um refém cujo corpo já tinha sido entregue a Israel para ser enterrado.

A confirmar-se, o caso tinha precedentes: a 14 de outubro, o Hamas também entregou três corpos de reféns mortos, mas as análises forenses comprovaram que um deles não correspondia a nenhum dos reféns esperados.

Essas dúvidas, entretanto, transformaram-se em certezas pela hora de almoço, quando foi o próprio gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, a revelar que os restos mortais pertenciam não a qualquer um dos 13 reféns por recuperar, mas a Ofir Tzarfati, um israelita cujo corpo foi resgatado pelas Forças de Defesa de Israel na Faixa de Gaza em dezembro de 2023.

Pior ainda, horas depois, as Forças de Defesa de Israel revelaram um vídeo gravado por um drone militar a sobrevoar a Cidade de Gaza, afirmando que este captou membros do Hamas a encenar a recuperação do corpo de um refém para devolvê-lo a Israel. O corpo que surge no vídeo tem sido identificado como sendo o de Ofir Tzarfati, apesar desta informação ter apenas sido veiculada pelo Times of Israel, sem confirmação oficial por parte das autoridades israelitas.

Nas imagens, é de facto possível ver figuras a levarem um saco com um corpo de um edifício para um buraco escavado no solo e a cobrirem-no com terra, verificando-se depois o uso de uma escavadora para remexer esses destroços e transportar uma grande massa de detritos onde se encontrava esse saco e despejá-lo ao lado. É então nesse momento que as figuras voltaram a desenterrar o corpo, sendo que um jornalista do Times of Israel, afirma os homens começam então a chamar representantes da Cruz Vermelha para identificarem a descoberta de mais um corpo.

Depois de começar a circular uma versão editada com a duração de 1:17 minutos, as IDF partilharam o vídeo completo e sem cortes, com 15 minutos de duração. “Ao contrário das alegações do Hamas de dificuldades em localizar os corpos dos reféns mortos, ontem foi documentado que membros do Hamas retiraram restos mortais de uma estrutura que tinha sido preparada com antecedência e os enterraram nas proximidades”, acusa o exército israelita, afirmando que “pouco depois, a organização terrorista Hamas convocou representantes da Cruz Vermelha e encenou uma falsa exibição da descoberta do corpo de um refém morto”.

No entender das IDF, este vídeo mostra “claramente que a organização terrorista Hamas está a tentar criar uma falsa impressão de esforços para localizar os corpos, enquanto na verdade mantém reféns mortos cujos restos mortais se recusa a libertar, conforme exigido pelo acordo”. O exército israelita acusa ainda o grupo de produzir “alegações falsas de escassez de equipamento de engenharia”.

A par destas revelações, a comunicação de Netanyahu fez saber que o primeiro-ministro ia realizar “uma reunião de segurança com os chefes das forças de segurança para discutir as medidas que Israel tomará em resposta às violações”. Uma fonte do gabinete do primeiro-ministro, inclusive, disse que o país está farto das “mentiras” do Hamas. “A questão é que eles têm vindo a violar o acordo há duas semanas”, disse a mesma fonte, explicando que a tolerância de Israel poderá estar a esgotar-se. “Esperámos pacientemente, porque entendíamos que leva tempo para localizar, cavar, extrair e devolver [os corpos]”, disse.

Alguns membros do governo de Netanyahu manifestaram ainda ainda antes da reunião a sua vontade a pôr fim ao cessar-fogo e garantir que o Hamas é destruído. “O facto do Hamas continuar a fazer jogos e não transferir imediatamente todos os corpos dos nossos mortos é, por si só, prova de que a organização terrorista ainda está de pé”, declarou o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, acrescentando que Israel não precisa de “cobrar ao Hamas um preço pelas suas violações” e sim “cobrar a sua própria existência e destruí-lo completamente, de uma vez por todas”. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, agiu em sentido idêntico, pedindo “respostas enérgicas” às “repetidas violações do Hamas aos termos do cessar-fogo e à primeira fase do plano do presidente Trump”.

Em sentido contrário, o líder da oposição, Yair Lapid, considerou que o caso “não justifica o retomar dos combates em grande escala”, dizendo compreender que a devolução dos corpos dos reféns assassinados é um processo complexo e que “encontrar ou extrair alguns” vai demorar.

Perante toda esta situação, o Hamas prometeu devolver “o corpo de um refém que foi recuperado há pouco tempo de um dos túneis na Faixa de Gaza”. A identidade do refém a quem estes restos mortais pertencem não foi revelada, sendo que a devolução deverá ocorrer às 20h00 (hora local em Israel, 18h00 em Lisboa).

Da parte dos militantes islamitas, a mensagem que têm passado é a de que estão a tentar cumprir o cessar-fogo e a fazer o possível para localizar os restos mortais dos reféns, mas que a tarefa tem sido dificultada pela falta de equipamento para desenterrar os corpos face ao grau de destruição da Faixa de Gaza.

“O Hamas continuará a envidar todos os esforços possíveis para entregar os corpos restantes até que esta questão seja totalmente resolvida e o mais rapidamente possível”, afirmou o porta-voz do grupo, Hazem Qassem à Reuters.