Foi um resultado surpreendente. Em novembro de 2023, Geert Wilders, o experiente político que lidera o Partido Pela Liberdade (PVV) há 16 anos, venceu as eleições gerais nos Países Baixos, governados durante anos pelo atual secretário-geral da NATO, Mark Rutte. No discurso da vitória, o político de direita radical garantiu que ia “governar” e ser primeiro-ministro — e todos os líderes do mesmo espaço ideológico na Europa celebraram o resultado, interpretado como um “vento de mudança”. Por exemplo, André Ventura, líder do Chega, saudou o “amigo” Wilders e antecipava que “a seguir era Portugal”.
No entanto, Geert Wilders nunca chegou a ser primeiro-ministro. Fruto de um sistema parlamentar bastante dividido, os restantes partidos recusaram confiar-lhe esse cargo. Após quase seis meses de negociações, entre avanços e recuos, houve acordo para formar governo: o PVV ia fazer parte do executivo, juntamente com outros três partidos de centro-direita, incluindo o Partido Popular para a Liberdade e a Democracia (VVD), que fora liderado por Mark Rutte. Escolheram um independente para chefe de executivo: o antigo líder das secretas neerlandesas, Dick Schoof, que tomou posse a 2 de julho de 2024.
Esta aliança durou pouco — nem um ano. Terminou no início de junho de 2025. O PVV decidiu retirar o apoio à coligação por um desacordo sobre as políticas de imigração, a grande bandeira eleitoral de Geert Wilders. Sem os apoios necessários na Câmara dos Representantes, Dick Schoof viu-se obrigado a convocar eleições antecipadas, que terão lugar esta quarta-feira. Dois anos depois, os neerlandeses vão novamente às urnas para clarificar a situação política.
https://twitter.com/AndreCVentura/status/1727432604616630528
O Partido Pela Liberdade deverá vencer as eleições desta quarta-feira, mas sem maioria absoluta, um resultado que é praticamente impossível de se materializar nos Países Baixos devido ao sistema eleitoral, que privilegia a formação de coligações. Geert Wilders teria de dialogar com partidos mais moderados se quisesse formar governo — mas as forças políticas de centro já asseguraram que não estão interessadas em iniciar negociações com o líder do PVV, deixando-o praticamente isolado.
O “experiência política falhada” e como Geert Wilders ficou isolado
A coligação que governou os Países Baixos durante um ano foi formada por quatro dos partidos à direita mais votados nas últimas eleições gerais: o PVV, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD) de matriz liberal que foi liderado por Mark Rutte, o Novo Contrato Social (NSC) de ideologia democrata-cristã e o Movimento de Agricultores e Cidadãos (BBB). Da maioria necessária de 76 deputados, esta aliança tinha 88.

Atualmente, apenas o VVD e o partido agrícola BBB sustentam o governo liderado por Dick Schoof. O Partido Pela Liberdade abandonou a coligação em junho e os democratas-cristãos do NSC fizeram o mesmo em agosto. Esta coligação nunca conseguiu conciliar as diferenças em vários pontos da agenda política: o PVV insistiu numa política migratória mais restritiva apresentando um plano de dez pontos que incluía, por exemplo, fechar totalmente as fronteiras dos Países Baixos aos requerentes de asilo e a expulsão de certos grupos com base na nacionalidade (como a síria) que estavam com estatuto de refugiado ou com vistos temporários.
Os três restantes partidos discordaram de vários pontos do plano de imigração de Wilders, argumentando que alguns violavam as leis europeias. O braço de ferro manteve-se e Geert Wilders derrubou o governo. Além da imigração, nas questões sociais também existia uma grande divisão no governo chefiado por Dick Schoof: o VVD tem uma orientação ideológica marcadamente mais liberal, estando coligado com partidos mais conservadores.
Como escreve a analista Katja Bego num artigo publicado no think tank Chantam House, o governo Schoof foi marcado pela “instabilidade e por divisões profundas entre os parceiros de coligação”. Em consequência, “alcançou pouco”, resumiu a especialista, indicando que a única área em que se chegaram a consensos foi na Defesa, em parte porque o secretário-geral da NATO é Mark Rutte, antigo primeiro-ministro. De resto, nesta aliança, também ficou patente a “inexperiência”, dado que “três de quatro partidos nunca tinham governado” os Países Baixos antes.

Fruto dos impasses e de negociações complexas, o governo do primeiro-ministro Dick Schoof não deu respostas aos anseios de muitos eleitores. Assim sendo, não é de estranhar que os partidos que fizeram parte desta coligação possam ser castigados nestas urnas. Segundo as sondagens, os democratas-cristãos do NSC serão os mais prejudicados e podem obter apenas 1% dos votos (caindo 11 pontos percentuais face às eleições de 2023), enquanto o BBB também cai.
Os liberais do VVD, outrora o partido dominante nos Países Baixos, deverão obter um resultado na ordem dos 15%. A concretizar-se, será o mesmo valor do que em 2023, num ano em que a força política obteve um dos resultados mais baixos dos últimos anos resultante da saída de Mark Rutte. No entanto, no mesmo campo político, os eleitores parecem optar por outras alternativas.
Em qualquer caso, independentemente do bom ou do mau resultado, o VVD já declarou que não vai entrar em mais coligações com o PVV de Geert Wilders. “Não vamos trabalhar mais com ele”, assegurou a sucessora de Mark Rutte à frente do partido liberal, Dilan Yeşilgöz, classificando o líder do Partido Pela Liberdade como um “parceiro incrivelmente não confiável”. “Wilders não merece outra oportunidade. Esta experiência política falhou oficialmente.”

Já o PVV, deverá subir dos 23% dos votos que obteve em 2023, mas não terá um resultado muito além disso, salvo alguma surpresa. Geert Wilders tem tentado cativar os eleitores, dramatizando um discurso. “Se o PVV ganha as eleições e eles [os restantes partidos] nem sequer falam connosco, isso seria a morte da democracia nos Países Baixos”, afirmou o líder partidário, tentando passar a mensagem de que o “eleitor é quem manda e não os outros partidos”.
Mas a missão de Geert Wilders para governar os Países Baixos será incrivelmente difícil. Tal como o VVD, nestas eleições gerais neerlandesas, praticamente todos os partidos (do centro-direita ao centro-esquerda) já deixaram bem claro: não se vão coligar com o Partido Pela Liberdade. Por causa das exigências de Geert Wilders — em especial na área da imigração —, muitos não vão ceder à sua agenda política. Tendo em conta este isolamento, o experiente político de direita radical ficará, provavelmente, na oposição — e não conseguirá chegar ao tão desejado cargo de primeiro-ministro.
O objetivo do centro-esquerda, liberais e democratas-cristãos? Ficar em segundo lugar
Que o PVV deverá ganhar as eleições disso há poucas dúvidas. Perante este facto mais ou menos consumado na cena política neerlandesa, o partido que ficará em segundo lugar acabará por ganhar um grande destaque. Em declarações ao Guardian, o professor da Universidade de Amesterdão, Claes de Vreese, explica que “historicamente, quando o partido mais votado perde a oportunidade de formar coligação, [esse direito] passa para o segundo lugar”.
Mesmo que chegue aos 30% dos votos — um resultado bastante positivo à luz das sondagens atuais —, o PVV nunca terá os 76 deputados suficientes para uma maioria na Câmara dos Representantes. No sistema eleitoral neerlandês, cerca de 0,67% dos votos corresponde sempre a um deputado. Nesta lógica, todos os partidos que ultrapassem aquele valor ganham representação parlamentar, o que gera um hemiciclo com várias forças políticas — as com mais votos normalmente com bancadas equilibradas entre si.
O sistema político favorece a criação de coligações — e isso prejudica Geert Wilders que usa uma retórica de tudo ou nada, não tendo aliados políticos para tornar-se primeiro-ministro. Assim sendo, a responsabilidade de formar governo deverá passar para o segundo classificado — e, de acordo com as sondagens, será ou um partido de centro-esquerda ou um liberal.
À esquerda, nestas eleições, a aliança entre o histórico Partido do Trabalho neerlandês (PvDA) com Os Verdes mantém-se. Esta coligação já venceu as eleições europeias de 2024 nos Países Baixos e espera, pelo menos, ficar em segundo lugar. As sondagens dão-lhe um resultado na ordem dos 25%, o que seria o suficiente para assumir a responsabilidade de liderar a formação de um governo. Sob a liderança do ex-vice-presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans, o bloco de centro-esquerda pretende influenciar a governação, aliando-se a partidos à esquerda e do centro.

Na luta pelo segundo lugar está também o partido Democratas 66 (D66). Não tão à direita como o VVD mas tendo uma matriz liberal, a força partidária fundada em 1967 pode ter um resultado histórico e assumir as rédeas da formação de um novo governo. Com menos probabilidade, o Apelo Democrata-Cristão (CDA), de centro-direita, também está na corrida, mas as sondagens apontam que ficará em quarto lugar. O CDA deverá ocupar o espaço ideológico do NSC, o partido que se coligou com o PVV nesta coligação.
O cenário mais provável que resultará destas eleições, como refere Claes de Vreese ao Guardian, será a formação de uma coligação com vários partidos ao centro. Se tenderá mais à esquerda ou à direita, dependerá em grande medida de quem ficará em segundo lugar: se a coligação entre trabalhistas e Verdes, se os liberais do D66, se os democratas-cristãos do CDA. As negociações entre partidos serão certamente longas; mas Geert Wilders ficará de fora.
“Tudo está em aberto”, admite Kristof Jacobs, professor na Universidade de Radboud Nijmegen, em declarações à agência de notícias Anadolu, sobre as formações de coligações. O especialista realça também que muitos eleitores decidirão à última hora em quem votar: “Os eleitores nos Países Baixos tendem a notar que partidos que estão a ter mais sucesso nas sondagens. Se são mais à direita, tendem a votar no maior partido de direita. Se são mais à esquerda, tendem a votar no partido mais à esquerda” com mais intenções de voto.
Em 2023, por exemplo, Kristof Jacobs recorda que “40% dos eleitores tomaram a decisão de quem iam votar apenas na semana anterior às eleições”. “Isso é muito comum nos Países Baixos”, constatou. Isto significa que, apesar de a vitória do Partido Pela Liberdade ser provável, não é totalmente certo. E a luta pelo segundo lugar será bastante acirrada.
Imigração e habitação. Os temas que dominam a campanha neerlandesa
A mensagem de Geert Wilders está particularmente centrada na questão migratória. Sendo o líder com a maior representação parlamentar e num tema que também ganhou tração em várias partes da Europa, o único membro do PVV tem feito campanha em redor deste assunto, que entrou inevitavelmente no debate para estas eleições. E também influenciou o restante panorama político: praticamente todos os partidos centristas defendem que os Países Baixos devem aumentar as restrições e deportar alguns requerentes de asilo, incluindo os trabalhistas de centro-esquerda, como nota o Financial Times.
O Partido Pela Liberdade tem insistido no pacote de medidas que apresentou aos antigos parceiros governamentais, incluindo a polémica medida que proíbe que os Países Baixos recebam mais requerentes de asilo. Este assunto é o principal que mobiliza a sua base eleitoral. Mas há uma alternativa a surgir que defende políticas idênticas: o JA21.
https://observador.pt/especiais/paises-baixos-o-partido-de-um-homem-so-chegou-ao-poder-mas-o-lider-wilders-tenta-controlar-o-governo-de-fora/
Autointitulando-se como conservadores liberais, o JA21 foi fundado em 2020. Elegeu três deputados nas eleições de 2021, mas ficou como um partido de deputado único dois anos depois. Agora, como mostram as sondagens, deverá ser uma das surpresas, podendo obter um resultado que pode chegar aos 12%. Por um lado, o partido pode ser ser aliado de Geert Wilders no futuro; por outro, acaba por ser uma alternativa no boletim de voto ao Partido Pela Liberdade — e beneficia do facto de manter o brilho antissistema por não ter feito parte de um governo.
[Chegou o histórico debate entre Soares e Freitas. E o socialista já conseguiu o voto dos comunistas sem “olhar para o retrato” dele. A “Eleição Mais Louca de Sempre” é o novo Podcast Plus do Observador sobre as Presidenciais de 1986. Uma série narrada pelo ator Gonçalo Waddington, com banda sonora original de Samuel Úria. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui e o quarto aqui]
Outro assunto que está a mobilizar os neerlandeses é o preço da habitação. É neste assunto que o Partido do Trabalho e os Verdes, juntamente com outros partidos de esquerda, estão a tentar mobilizar o seu eleitorado. Porém, todos os partidos estão cientes de que têm de apresentar medidas, ainda que discordem sobre o grau de intervenção estatal, consoante a ideologia que defendem.
Geert Wilders aspira ser primeiro-ministro, mas o sistema parlamentar neerlandês vai muito provavelmente impedir que ocupe o cargo no rescaldo das próximas eleições. O líder da direita radical dos Países Baixos está praticamente sozinho. Os partidos de centro e liberais não vão repetir, para já, o “experiência falhada”. O partido que ficar em segundo lugar neste ato eleitoral será aquele que deverá formar governo. Mas o processo negocial promete ser lento.