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(A) :: Arguidos no caso de assédio online a Brigitte Macron defendem que estavam apenas a fazer "humor" sob o "espírito de Charlie"

Arguidos no caso de assédio online a Brigitte Macron defendem que estavam apenas a fazer "humor" sob o "espírito de Charlie"

Julgamento em Paris decorre de uma queixa da primeira-dama francesa devido a várias teorias da conspiração que a acusam de ter nascido homem. Arguidos minimizam a gravidade da sua atuação.

António Moura dos Santos
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O primeiro dia do julgamento por assédio online a Brigitte Macron, que arrancou esta segunda-feira, ficou marcado pela defesa dos acusados de que estavam apenas a fazer “humor” em relação à a primeira-dama de França, invocando a liberdade de expressão e negando a intenção de atacá-la.

Em causa está a onda de teorias da conspiração, piadas, montagens e comentários propagados online a propósito de Brigitte Macron, acusando-a de ter nascido homem e de ter feito uma transição de género, assim como destacando a sua diferença de idade em relação ao presidente francês, Emmanuel Macron, equiparando esse desfasamento a um caso de “pedofilia”.

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Brigitte Macron apresentou queixa por assédio em agosto de 2024, levando à detenção de várias pessoas em dezembro desse ano e fevereiro de 2025. A primeira-dama — que não vai estar presente no julgamento — fez saber aos investigadores que os rumores tiveram “um impacto muito forte” sobre o seu círculo de amigos e sobre ela própria, relatando que se viu confrontada com os rumores cada vez que privava com a mulher de um chefe de Estado estrangeiro e que os seus netos ouviram dizer que “a sua avó é um homem”, escreve o Le Monde.

As operações resultaram na acusação de dez pessoas, duas mulheres e oito homens entre os 41 e os 60 anos e que enfrentam penas de até dois anos de prisão. Todos estiveram presentes esta segunda-feira no Tribunal Correccional de Paris num conturbado primeiro dia de sessões, marcado por pedidos de adiamento e anulação do julgamento, iniciativas rejeitadas pelo juiz presidente.

Dos sete arguidos chamados a depor, apenas um recusou-se a fazê-lo. Trata-se de Delphine J — mulher de 51 anos conhecida pelo pseudónimo Amandine Roy e que se autointitula como “médium, jornalista e denunciante” —, que decidiu exercer o seu direito ao silêncio no tribunal, explicando que já se tinha “exprimido” longamente. A mulher referiu-se assim a um anterior caso de difamação movido por Brigitte Macron contra si e Natacha Rey por terem publicado uma entrevista de quatro horas no YouTube em 2021 onde defendiam a teoria da conspiração de que a primeira-dama francesa é, na verdade, o seu irmão de 80 anos, Jean-Michel Trogneux, e que terá feito uma transição para mudar de género. As duas foram condenadas a pagar vários milhares de euros de indemnização a Macron e 5.000 euros ao seu irmão, mas foram absolvidas no recurso em julho de 2024, motivando os irmãos a recorrer ao Supremo Tribunal francês.

Fora este caso, segundo o Le Figaro, a maioria dos réus recusou a acusação de assédio online, alegando que estavam apenas a fazer “humor” e “sátira” sobre a primeira-dama, sem intenção de atacá-la. Um deles, Jérôme C., um intermediário de crédito de 54 anos acusado de quatro publicações maliciosas sobre Macron, diz ter agido sob “o espírito Charlie” — fazendo referência ao jornal satírico Charlie Hebdo. De resto, este arguido — que, por exemplo, escreveu em março de 2024 na rede social X que o Presidente francês ia fazer um concurso para ver quem tem o maior pénis e que a sua mulher ia participar — considera ter agido no domínio da sua liberdade de expressão. “É preciso agora uma licença para fazer humor em França? Se sim, é preciso eliminar o X”, afirmou.

“Como muitas pessoas, pergunto-me porque é que estou aqui. Hoje em dia, é possível levar alguém a tribunal por causa de tweets”, afirmou outro dos arguidos, Jérôme A. O informático de 49 anos argumentou no tribunal que os tweets de que Macron foi alvo são “o reverso da medalha” para uma pessoa com o seu perfil público. “Ela está sempre nas revistas de fofocas e na televisão, é claro que as pessoas vão comentar sobre a sua vida. Na minha opinião, uma pessoa poderosa deve aceitar as críticas”, afirmou. O juiz presidente terá então perguntando se “escrever ‘o pénis de Brigitte Macron’” serve como “crítica”?. Noutro momento, Jérôme A. foi quesrionado sobre se seria preciso que a primeira-dama “ficasse nua na televisão para provar que não é um homem”, ao que respondeu: “Não, algumas fotos dela grávida ou em criança seriam suficientes para acabar com os rumores”.

Quanto a este ponto, o casal Macron já fez saber publicamente em setembro que vai apresentar “provas científicas” de que Brigitte não nasceu homem e que, entre elas, constam as tais fotografias da primeira-dama grávida, que só serão reveladas sob critérios apertados.

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A primeira sessão foi ainda marcada pelas questões dos procuradores aos arguidos quanto à sua consciência do impacto das suas publicações na saúde mental de Macron. A maioria não conheceu ter participado numa onda de assédio online, alegando que a primeira-dama não tem conta oficial de X e, por isso, não foi exposta às suas mensagem, e também que eram donos de contas de pequena dimensão e sem capacidade de influência.

O único ato de contrição partiu de Jean-Christophe D., um professor de educação física de 54 anos que diz ter tomado “consciência do sofrimento” que as suas publicações possam ter causado. No entanto, também este arguido disse ter feito apenas humor e que a sua detenção era uma demonstração de “desproporção” num “simples” caso de assédio online.

O julgamento continua esta terça-feira, contando com os depoimentos de dois dos mais significativos arguidos. Um é Aurélien Poirson-Atlan, um publicitário cuja popular conta Zoé Sagan, entretanto suspensa na rede social X, já tinha sido alvo de várias queixas e era conotada com a propagação de teorias conspirativas. O outro trata-se de Bertrand Scholler, um galerista parisiense “antivacinas” e pró-Rússia seguido por mais de 100.000 pessoas na rede social X e que, nessa mesma plataforma, disse na véspera deste julgamento que este coloca “a liberdade de pensamento” contra o “deepstate mediático”. A sessão desta terça-feira será também marcada pelo testemunho da filha de Brigitte Macron, Tiphaine Auzière, convocada pelo advogado da primeira-dama.

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De recordar que, a par deste julgamento, os Macron avançaram com uma ação judicial nos Estados Unidos sobre a podcaster e influencer de extrema-direita norte-americana Candance Owens, uma das principais promotoras das teorias de conspiração sobre a primeira-dama, descritas pelo casal como “mentiras comprovadamente falsas e devastadoras”.

Owens foi responsável pela série de investigação Becoming Brigitte, que alega que Macron nasceu enquanto Jean-Michel Trogneux. A alegação é descrita pelos Macron como uma “narrativa grotesca”, que se tornou numa “campanha de humilhação global” e “bullying implacável à escala mundial”. Os dois casos judiciais cruzam-se, porque várias pessoas julgadas em Paris divulgaram as publicações de Owens, regozijando-se com a internacionalização das teorias sobre Brigitte Macron.

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