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Primárias. Livre permite votos em Seguro, Catarina Martins e António Filipe mas não os coloca no boletim

Membros e simpatizantes do partido devem escrever nome dos candidatos que apoiam, se não apoiarem Jorge Pinto. Votação realizada entre quarta e quinta-feira com resultados conhecidos na sexta-feira.

Miguel Pereira Santos
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O Livre optou por uma solução híbrida para o referendo interno sobre presidenciais. O boletim de voto das primárias com membros e simpatizantes do partido contém quatro questões. A primeira é se o Livre deve apoiar um qualquer candidato às presidenciais. A segunda é se esse candidato deve ser Jorge Pinto. A terceira é se o Livre deve, ou não, apoiar “outro candidato da sua área política” e a última pede a quem tiver respondido afirmativamente à questão anterior para escreverem o nome do candidato que apoiam, com condição de que este tenha apresentado publicamente a intenção de entrar na corrida a Belém.

A decisão foi tomada esta segunda-feira pela Assembleia do Livre, o órgão máximo entre congressos, que aceitou esta proposta da direção para resolver o imbróglio eleitoral do partido — além de ter decidido um não surpreendente voto contra o OE na generalidade. Neste momento, o Livre é o único partido com um grupo parlamentar que ainda não escolheu quem apoiará nas presidenciais. Optou-se agora por replicar (quase na totalidade) o método seguido nas últimas duas presidenciais: uma “consulta não vinculativa a todos os membros e apoiantes do Livre e posterior decisão pela Assembleia do Livre”, como explica a proposta da direção do partido a que o Observador teve acesso.

Contudo, com esta proposta aprovada, nomes como António José Seguro (PS), Catarina Martins (BE) e António Filipe (PCP) não irão ser apresentados diretamente como alternativas aos membros e simpatizantes. Poderão, ainda assim, surgir na votação final, já que cada eleitor tem a liberdade de incluir esses ou outros nomes. Se a direção do Livre propõe perguntar às bases se o partido deve apoiar “outro candidato da sua [de quem vota] área política”, por outro lado, na proposta aceite para a metodologia das primárias, diz acreditar que “as candidaturas apresentadas até ao momento e identificadas como do campo da esquerda não representam a área política do LIVRE”.

Neste mesmo documento, a direção afirma que “deve o LIVRE declarar apoio à candidatura do camarada Jorge Pinto”. Ainda assim, a proposta previa que pudessem ser incluídos os nomes de outros membros do partido que entretanto anunciassem uma candidatura presidencial. Esse outro membro do Livre não apareceu e o deputado é o único que irá a votos com o seu nome no boletim.

Os membros e simpatizantes do partido vão poder votar durante 36 horas, entre as 00h desta quarta-feira e as 12h de quinta-feira. Os resultados serão conhecidos publicamente esta sexta-feira, mas apenas após a realização de uma nova Assembleia do Livre em que este órgão decide se o partido respeita, ou não, o resultado das primárias. Contudo, desde a fundação do partido, nunca foi contrariada uma decisão que tenha resultado de um referendo interno, pelo que se projeta que a decisão das bases seja respeitada.

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No domingo passado, o Livre anunciou que, até ao final de outubro, ia realizar um debate interno “com urgência” para debater o seu apoio para as presidenciais. Dois dias depois, antes de estar marcada a data para a Assembleia onde seria abordado o assunto, o deputado e membro da direção Jorge Pinto antecipou-se à discussão e anunciou a sua candidatura presidencial.

Jorge Pinto avançou sem ter garantido o respaldo do partido, sendo que o “calendário e metodologia do processo de decisão para apoio” ainda estavam por decidir. Com a sua entrada na corrida, alterou-se o teor da discussão que o partido tinha agendado. Uma das opções em cima da mesa passou a ser apoiar de imediato o deputado do partido, deixando de lado a consulta aos membros e simpatizantes (vulgo primárias), que são uma imagem de marca do Livre e foram prometidas ao longo dos últimos meses.

No entanto, o próprio Jorge Pinto mostrou-se a favor de referendar o seu nome. “Disse presente, e agora desejo ser validado por todos os meus camaradas de Partido, apesar de esta ser uma candidatura que quer mobilizar muito mais que os membros, apoiantes e eleitores do Livre”, afirmou o deputado, sem se pronunciar sobre se devia ser um entre vários nomes a ir a votos ou ser a única alternativa apresentada aos membros e simpatizantes do Livre.

Essa era a outra questão que a Assembleia do Livre precisava de definir esta segunda-feira: em caso de referendo interno, que nomes incluir como possíveis candidatos a ser apoiados pelo Livre. Durante o verão, o mesmo Jorge Pinto sugeria que o candidato comunista, António Filipe, podia ser um dos referendados internamente. Contudo, nessa altura, o partido ainda estava “ansiosamente à espera” do aparecimento de um candidato que agregasse a esquerda. Esse nome acabou por não surgir, tal como as primárias à esquerda propostas por Rui Tavares, e ganhou força a perspetiva de ter de incluir nas primárias candidatos presidenciais que militam noutros partidos.

Por outro lado, as presidenciais de 2026 são as primeiras desde que o Livre ganhou o estatuto de maior partido parlamentar à esquerda do PS e isso criou resistência em referendar internamente Catarina Martins e António Filipe sem apresentar um nome próprio. Além disso, tanto em 2016 como em 2021, o partido não tinha nenhum militante que se tivesse chegado à frente na corrida a Belém. Ainda assim, houve quem internamente levantasse dúvidas sobre a forma que o partido geriu este dossiê.

Ricardo Sá Fernandes disse ao Observador que preferia “que o partido tivesse organizado um debate interno sobre a questão das presidenciais antes que um dos membros da sua direção, e deputado, tivesse apresentado a sua candidatura”. O antigo membro da comissão de Ética do Livre avançou também que vai apoiar António José Seguro, que considera ser o único candidato à esquerda “que ainda tem hipótese“ de chegar à segunda volta ou mesmo ganhar as presidenciais, e disse que “teria defendido” o seu nome internamente, se tivesse tido oportunidade para tal.

Com esta decisão o Livre faz uma pequena alteração à estratégia seguida nas duas anteriores eleições presidenciais realizadas desde a sua fundação. Nas duas anteriores, em vez de pedir aos votantes para escrever os nomes dos candidatos que queiram apoiar (caso não sejam Jorge Pinto), o partido apresentava hipóteses concretas de nomes.

Em 2016, 80% dos votantes foram a favor de que o Livre declarasse o apoio a um candidato e, entre esses, 87% votaram no apoio a António Sampaio da Nóvoa. As outras opções apresentadas eram todas de pessoas que tinham anunciado candidaturas independentes às eleições: Paulo Morais (teve 7,1% dos votos nas primárias), Henrique Neto (4%), Graça Castanho (0,3%) e Cândido Ferreira (0,2%). Em 2021, 91% dos votantes eram a favor de apoiar alguém nas presidenciais e, entre esses, 89% votaram em Ana Gomes. A única alternativa que recebeu uma votação expressiva foi Marisa Matias, apoiada pelo Bloco de Esquerda, que recebeu 10% nessas primárias.