É com um cartaz em que se destaca a frase “Isto não é o Bangladesh” que André Ventura escolheu apresentar-se aos eleitores. Fá-lo com o instinto dos oportunistas, explorando o ressentimento, o medo e a fragilidade emocional de muitos portugueses. Ventura parece querer chegar à Presidência da República misturando política com memes, deepfakes e músicas rap feitas por algoritmos de IA. O slogan “Isto não é o Bangladesh” é o retrato perfeito do circo romano em que o Chega quer transformar a política portuguesa, usando figuras de entretenimento construídas sobre a dor e o esforço de gente vulnerável que veio para Portugal em busca de dignidade e de um futuro melhor.
O momento que se vive, não há como ignorá-lo, é difícil. Há muito que Portugal não se via como país de acolhimento a uma escala tão massiva. A irresponsabilidade política dos governos da Geringonça abriu o espaço para uma imigração sem paralelo na nossa história recente. A promoção de uma imigração de “portas abertas”, associada a um acesso excessivamente fácil à nacionalidade, está a revelar-se catastrófica. Soma-se a concessão de benefícios não justificáveis a nómadas digitais e residentes não habituais, em condições de gritante desigualdade face aos cidadãos portugueses que vivem, trabalham ou se reformaram por aqui, criando feridas profundas na equidade. Estas políticas colocaram Portugal no mapa de um negócio global de circulação de pessoas, frequentemente intermediado por redes opacas e pouco escrutinadas, que atrai para o nosso país todo o tipo de pessoas, ricos e pobres, dos quatro cantos do mundo. A fatura desse experimentalismo é hoje visível e social e politicamente insustentável.
É, por isso, hoje consensual, da esquerda à direita, que as políticas migratórias precisam de ser corrigidas, e essa revisão está em curso. Os partidos que de alguma forma consideravam, até há muito pouco tempo, que Portugal não tinha um problema com a imigração (PS, PSD e IL) emendaram a mão, estando em curso um conjunto de alterações normativas destinadas a tornar as leis mais realistas e adaptadas aos tempos e às circunstâncias em que vivemos.
Não se vê, porém, por que razão devemos motivar as mudanças na lei na sombra do medo e do preconceito. Isso seria um erro moral e histórico. É inaceitável que homens e mulheres que aqui trabalham – muitas vezes em funções que os portugueses já não querem desempenhar – vivam em bloco sob suspeita e humilhação. Essas pessoas não são a causa do problema. Se há culpados, serão, sobretudo, quem fez leis erradas e geriu mal os equilíbrios sociais, não quem veio para Portugal em busca de uma vida melhor.
Num outro patamar, vale a pena recordar que é uma ilusão perigosa pensar em um futuro melhor para Portugal sem imigração. Quem acredita que o país conseguirá construir as casas de que precisamos para responder à crise da habitação, os novos hospitais, o novo aeroporto, o TGV, manter o turismo e a agricultura, cuidar de uma população cada vez mais envelhecida, fazer tudo isto, sem imigrantes, vive fora da realidade. Politicamente é muito cómodo, desde o sofá e de teclado na mão, querer “sol na eira e chuva no nabal”. A realidade é, contudo, bem mais agreste: não há futuro para Portugal no fechamento do país. Portugal não tem pessoas suficientes para atender às nossas necessidades e à nossa ambição de crescimento. Por isso, precisamos, mais do que chavões sonantes, de políticos capazes de equilibrar a racionalidade das políticas com o dever de acolher, com sentido de justiça, quem vem construir connosco o futuro.
Portugal não é o Bangladesh, mas também não deve ser um país que envergonhe a sua História e a sua tradição de humanidade. Nem deve ser um país em que, por ressentimento e falta de inteligência, hipotequemos o nosso Futuro.