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Francisco Pinto Balsemão: um referente de futuro

A maior dávida da memória de Balsemão é a interpelação que coloca a cada um de nós, que usufruimos do seu contributo. Agora é nossa responsabilidade contribuir para os outros com o que dele recebemos

Nuno Sampayo Ribeiro
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Francisco Pinto Balsemão personificou, como poucos, o espírito de ir mais além, centrado nas causas da Liberdade, da modernização de Portugal, e das mentalidades das suas gentes, com pedra de toque nas liberdades de informação e de expressão, na coesão social e no estimulo premial.

Não se confinou ao Olimpo onde nasceu. Tomou partido e deu testemunho contra o Príncipe. Visitou presos políticos no cárcere.

Rasgou horizontes à democracia representativa, ao espectro partidário, e à comunicação social livre. Num impeto de dessacralização da informação, do debate e da crítica, deu voz ao quotidiano. Priorizou a sociedade a ouvir-se e a confrontar-se consigo si própria, despegando-a da intermediação dos mochos e dos cânones que almoçam e jantam bem.

Num pais com afeição pelas capelinhas, edificou catedrais. Entre elas, o Expresso e a SIC Notícias, a que prestei colaboração, por diversas vezes, em nome dos mesmos ideais.

Habitava no cigarro acesso. Símbolo tranquilo de um estilo de navegação, com proa na transgressão ao respeitinho — porventura a maior miséria cultural que nos amarra ao cais do fixismo –, que respira Sua Excelência e ulula horror à mudança.

Sorria, num pais de caras de pau.

Exemplificou valores, princípios e o gosto de viver com bom gosto, arejado pelos belos prazeres, à vista de todos, como na ação convivial com mesa cativa no Pabe.

Abundam os testemunhos dos Jornalistas. Prevaleceu ferreamente na integridade deontológica, não interferia ou inibia semeando subtilmente a autocensura. Afável no trato, porta aberta e atenção para todos, testemunham os colaboradores.

Com os olhos nos desafios do futuro, cedo compreendeu os benefícios do digital, e alertou sobre os perigos dos gigantes digitais para o ganha pão dos autores e para a liberdade.

O olhar de espelho retrovisor que prevalece sobre a sua vida é natural. Afinal recordar é viver.

Como sociedade seriamos justos para com ele, mas, principalmente, bons para nós próprios, em atentar no seu contributo como um referente de futuro, e não como um homem datado que o tempo consumirá. Na essência as interpelações que temos perante o nosso horizonte de liberdade, de coesão-económica e social, de independência dos media e dos jornalistas, de transição digital justa, e de responsabilidade social dos afluentes, são em muito coincidentes com o minotauro que enfrentou.

Se é certo que como gosto de afirmar que ninguém se pode apresentar a fruir sem contribuir na medida da sua capacidade contributiva, então, a esta luz, a maior dávida da memória de Francisco Pinto Balsemão está na interpelação que coloca a todos e a cada um de nós, que usufruimos do seu contributo. Agora é responsabilidade de cada um contribuir para os outros com aquilo que dele recebeu. Não basta ter fruido e celebrar-se num obrigadinho.