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A vida depois do cancro da mama

Falar sobre o “pós-cancro” é dar voz a muitas pessoas que vivem sem a doença mas enfrentam fragilidades físicas, emocionais e sociais que devem ser reconhecidas, acompanhadas e resolvidas ou atenuadas

Susana Sousa
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O “Outubro Rosa” lembra-nos da importância de prevenir e diagnosticar precocemente o cancro da mama — um cuidado que faz toda a diferença. Mas quando o diagnóstico chega, iniciam-se também os tratamentos. E depois? O que acontece quando os tratamentos terminam e a vida tem de continuar?

Ao terminar o tratamento oncológico, sobretudo quando falamos de terapias potencialmente mais intensas, é natural esperar uma sensação de alívio. Muitas vezes, vem acompanhada de uma mistura de outras emoções, incluindo algumas que talvez nunca se tenham manifestado desde o diagnóstico, como receio, tristeza, incerteza ou saturação.

Viver depois de terminar os tratamentos para a doença oncológica não é simplesmente “voltar ao normal”. Para muitas pessoas, trata-se de retomar a vida anterior ao diagnóstico, mas agora com a noção de que é necessário reconstruir uma nova normalidade, física, emocional e social. Não raras vezes, é nesta altura que pode surgir um vazio emocional e a pessoa nota-se mais frágil e vulnerável. Durante o tratamento, faz-se o dia a dia “em modo de sobrevivência”. Depois já há mais tempo livre, menos idas ao hospital, menos consultas às quais não se deve faltar. Há mais solicitações que nada têm que ver com a fase que se acabou de viver, expectativas suas e dos outros de ser capaz de rapidamente voltar a ser o “eu” de antes. Mas nem sempre isto é linear.

Por isso é que muitas pessoas sem doença oncológica, mas que passaram por esse diagnóstico, cientificamente chamadas sobreviventes, precisam de apoio psicológico e um acompanhamento mais global, algo que deve ser integrado nos cuidados a ter nesta fase de seguimento. É essa resposta que a Unidade de Sobrevivente da CUF assegura, um projeto pioneiro em Portugal, com uma resposta multidisciplinar e o objetivo de promover a recuperação física e emocional, prevenir e identificar complicações tardias, apoiando a reintegração na vida pessoal, familiar e profissional.

É comum que, após o tratamento, surjam a ansiedade, o receio de uma recidiva, algumas alterações do humor ou dificuldades em dormir — mas todos estes sintomas podem ser tratados. As consultas de seguimento devem decorrer com tempo e atenção suficientes para identificar estas situações e, quando necessário, fazer encaminhamento para apoio especializado.

As alterações hormonais, a fadiga e as alterações físicas podem também influenciar a sexualidade, uma área que merece atenção e cuidado. É assim fundamental desmistificar o tema e permitir que os sobreviventes o explorem abertamente com a equipa que os orienta.

O regresso à atividade profissional é visto como a “prova” de que tudo voltou ao normal. Mas o cansaço prolongado, a dificuldade de concentração e as noites mal dormidas podem dificultar este regresso. É importante sensibilizar empregadores e colegas para estas dificuldades e promover ambientes laborais empáticos e flexíveis. A recuperação é individual e não tem prazos rígidos nem definidos.

Hoje, graças aos avanços da medicina, especialmente na oncologia, com técnicas de diagnóstico e tratamento cada vez mais eficazes, a maioria das mulheres diagnosticadas com cancro da mama sobrevive. No entanto, isso não significa que o percurso seja fácil ou que todos os desafios terminem com o tratamento. Falar sobre o “pós-cancro” é dar voz a muitas pessoas que vivem sem a doença, mas enfrentam fragilidades físicas, emocionais ou sociais que devem ser reconhecidas, acompanhadas e, sempre que possível, resolvidas ou, pelo menos, atenuadas.