O espaço que a Câmara Municipal de Lisboa anunciou estar destinado à futura sede da Academia de Amadores de Música continua na lista de imóveis do Estado que o Governo colocou à venda já depois da autarquia revelar que tinha iniciado o seu processo de aquisição e mais de uma mês após o presidente da Câmara Municipal de Lisboa ter afirmado que tal se devia a um “erro”. Críticos à gestão de Carlos Moedas dizem que o acordo fica assim sem efeito, mas lei não sugere esse fim.
Em causa está a resolução do Conselho de Ministros nº.159, que “autoriza a alienação de imóveis do Estado e da ESTAMO, S.A., para fins habitacionais ou financiamento dos programas de habitação pública”. Anexa a esta resolução está uma lista de 16 imóveis onde consta o número 26 da Avenida de Berna, um antigo centro de recrutamento militar, atualmente detido pela empresa pública à qual compete a gestão e a valorização de imóveis públicos.
Publicada a 23 de outubro, esta resolução remete a um Conselho de Ministros decorrido a 18 de setembro de 2025, após o qual foi conhecida a inclusão deste imóvel numa lista aprovada pelo Governo para venda em hasta pública. “Há património que não nos faz sentido ter na esfera do Estado, pela sua localização geográfica ou pelo seu potencial de maximização de receitas”, afirmou o ministro da Habitação, Miguel Pinto Luz, na subsequente conferência de imprensa, garantindo que o objetivo é colocar a receita destas vendas “ao serviço da habitação pública”.
No entanto, prévio a este anúncio, e como o Observador avançou a 9 de julho, o executivo de Carlos Moedas já tinha acordado a compra do edifício à ESTAMO por 7,3 milhões de euros, tendo como objetivo cedê-lo parcialmente à Academia de Amadores de Música, instituição de ensino em risco de despejo desde o final de 2023. “Hoje podemos anunciar que a Câmara Municipal de Lisboa encontrou uma nova casa para a Academia de Amadores de Música”, lê-se num comunicado publicado pelo município a 11 de julho.
Aprovada pelo executivo autárquico, a proposta foi subsequentemente levada a Assembleia Municipal de Lisboa, onde também recebeu luz verde, faltando apenas ser sujeita a um visto prévio do Tribunal de Contas, já que se trata de um valor de aquisição superior a 870 mil euros.
https://observador.pt/2025/07/09/camara-de-lisboa-avanca-para-compra-de-imovel-que-vai-acolher-academia-de-amadores-de-musica-edificio-vai-custar-73-milhoes-de-euros/
Tendo surgido em período de pré-campanha para as eleições autárquicas, esta novidade obrigou a um esclarecimento por parte de Carlos Moedas durante um debate na Rádio Observador a 19 de setembro, admitindo que não tinha falado previamente com o Governo sobre a inclusão deste imóvel na lista de alienações, mas garantindo que se tratava “nitidamente de um erro” porque que a câmara “já se encontra a comprar este edifício”.
Todavia, passado pouco mais de um mês, a lista de alienações previamente aprovada nesse Conselho de Ministros foi publicada sem alterações nem qualquer espécie de esclarecimento público quanto ao futuro deste imóvel. Contactada pelo Observador, fonte da Câmara Municipal de Lisboa minimiza o sucedido, considerando que esta publicação não significa “nenhuma alteração em relação ao que definimos sobre a questão”, referindo-se, “em concreto, à aquisição do referido imóvel”. Porém, não é adiantada nenhuma explicação para o facto de o prédio fazer parte da lista em questão.
A manutenção deste imóvel da Avenida de Berna na lista de alienações, de resto, também foi alvo da atenção de Alexandra Leitão, candidata socialista derrotada nas autárquicas de 12 de outubro. “Durante a campanha eleitoral, Carlos Moedas disse que o edifício prometido à Academia de Amadores de Música estava na lista de imóveis a vender pelo Governo por engano. Mas não era engano! O Governo vai mesmo vender o edifício, como consta da resolução do Conselho de Ministros de 23 de outubro de 2025”, lê-se numa publicação feita na rede social X a 24 de outubro, que também inclui a frase “a Academia continua sem casa”.
O executivo municipal escusa-se a comentar esta possibilidade, e nem a ESTAMO nem o Ministério da Habitação e das Infraestruturas responderam até à data às questões colocadas pelo Observador. Sobre o acordo de compra e venda do edifício, o mesmo ainda não ter sido assinado e a CML planeia que tal aconteça em 2026, ano em que a verba total para a compra — 7.274.200,00 euros — será “integralmente paga”.
Lista não coloca acordo em causa
A presença do n.º26 da Avenida de Berna na lista de alienações “não coloca em causa o acordo” entre a ESTAMO e a CML, explicou ao Observador o advogado da área de Direito Público Rodrigo Volz Correia, da CCA Law Firm. A resolução do Conselho de Ministros “determina apenas as condições de venda dos imóveis nela listados sem que isso interfira retroativamente com qualquer negociação prévia e sem obrigar a que estes imóveis sejam exclusivamente destinados a fins habitacionais”, diz.
“Sublinho o primeiro ponto da resolução, onde se refere que o imóvel pode ser vendido para qualquer fim, ‘desde que o produto da sua alienação seja destinado ao financiamento das políticas públicas de habitação’. Ou seja, o que interessa é que a venda contribua para financiar a habitação”, afirma o advogado.
Além disso, mesmo numa eventualidade do acordo ter de ser renegociado, Volz Correia diz que a Câmara Municipal de Lisboa continuaria a conseguir evitar uma licitação em hasta pública e comprá-lo por ajuste direto. O advogado aponta para o artigo 81.º do Regime jurídico do património imobiliário público, cuja alínea e) do segundo ponto explicita que um imóvel do Estado pode ser adquirido por ajuste direto “quando o adquirente pertença ao setor público administrativo ou ao sector empresarial do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais”.
O único aspeto, no entender de Volz Correia, em que este acordo poderá sofrer alguma alteração prende-se com o segundo ponto da resolução do Conselho de Ministros, onde pode ler-se que “o lançamento dos procedimentos de alienação dos imóveis” só deverá ocorrer “após a autorização prevista no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 87-A/2025, de 25 de julho”.
Ora, este decreto em concreto é o que aprova o regime de organização e funcionamento do atual Governo de Luís Montenegro, sendo que o seu artigo 33.º prende-se com o “procedimento de alienação”, explicitando que “a alienação, a permuta, a oneração e a cedência de utilização do património imobiliário do Estado e de qualquer entidade da administração direta ou indireta do Estado ou do setor público empresarial estão dependentes de despacho do primeiro-ministro, que pode delegar em qualquer membro do Governo, com faculdade de subdelegação, a referida competência”.
Volz antevê a possibilidade de, além do visto prévio do Tribunal de Contas, o negócio entre a CML e a ESTAMO poder também necessitar de uma autorização de Luís Montenegro ou de um membro do Governo a quem seja delegada essa responsabilidade.
Foco dos Amadores de Música está na mudança para a Avenida de Berna em 2026
A direção da Academia dos Amadores de Música continua a planear mudar-se para a nova sede na Avenida de Berna. Ao Observador, o presidente da instituição, Pedro Martins Barata, recusou a fazer comentários, afirmando apenas que a direção da instituição “continua a trabalhar no cenário da saída para a Avenida de Berna em 2026/2027” — adiantando ainda assim que vai reunir-se com a ESTAMO dia 30 de outubro.
Apesar de ser a mais antiga escola artística privada do país em funcionamento, a Academia dos Amadores de Música viu o futuro incerto face à necessidade de encontrar uma nova sede. Em causa está o facto do proprietário do espaço que ocupa desde 1938 no Chiado ter feito uma atualização da renda em dezembro de 2023, de 542 para 3.728 euros, inviabilizando a sua permanência no local.
Inicialmente, a direção da AAM, encabeçada pelo seu presidente, Pedro Martins Barata, conseguiu negociar com o senhorio e ficar neste espaço até agosto de 2025 enquanto procurava uma nova sede. Entretanto, o processo foi marcado por atribulações e a instituição reuniu com inúmeras entidades públicas — dos ministérios da Cultura e da Educação à CML —, com pouco sucesso até ser conseguida esta solução na Avenida de Berna por via do município.
Com esta solução assim alinhavada, ainda que sem possibilidade de usufruto imediato do imóvel, a AAM conseguiu estender a sua permanência na atual casa no Chiado até agosto de 2026, para garantir o seu normal funcionamento durante o ano letivo 2025/2026.
No entanto, no acordo firmado entre a CML e a ESTAMO para a ocupação parcial do antigo centro de recrutamento militar pela AAM ficou a garantia que a instituição podia “realizar as obras de adaptação dos espaços destinados ao seu funcionamento no próximo ano letivo” dada a “urgência na utilização do prédio” ainda antes da aquisição por parte do executivo municipal. “As condições de acordo expressas anteriormente, possibilitam que a Academia disponha imediatamente do imóvel, enquanto se procede à tramitação formal das autorizações tendentes à operacionalização da respetiva aquisição, assegurando que o impacto orçamental inerente a esta operação, não programada para 2025, apenas produzirá efeitos em 2026”, lê-se numa das alíneas.