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Desbloquear a Inovação Europeia: Uma Perspetiva Portuguesa sobre Oportunidades Perdidas

A Web Summit colocou-nos no mapa, e programas como o Startup Portugal melhoraram o acesso a recursos. Mas falta-nos uma rede sólida de investidores de capital de risco em fase inicial.

Felso Ganhane
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Como empreendedor em Portugal, tenho aprendido que boas ideias e trabalho árduo nem sempre são suficientes. O talento e a criatividade existem nas universidades, nos hackathons, nas startups, mas demasiadas vezes os projetos ficam pelo caminho. O problema não é falta de ambição, é a ausência de investimento nas fases iniciais “pre-seed e seed” e uma cultura que ainda vê o risco como algo a evitar.

O meu primeiro contacto com o empreendedorismo em Portugal surgiu em 2015, através da iniciativa Big Smart Cities da Vodafone – desafiava estudantes de engenharia a desenvolver soluções para problemas urbanos reais. Num ambiente contagiante: equipas de todo o país trabalharam em aplicações, hardware e ferramentas digitais com enorme potencial. Algumas chegaram a transformar-se em pequenas startups. Mas quase uma década depois, poucas sobrevivem – duvido que a razão seja perda de motivação por parte dos fundadores.

Dez anos mais tarde, participei no EUDIS Autumn Hackathon, que teve lugar entre 17 e 19 de outubro, em Lisboa, parte de uma iniciativa europeia dedicada à defesa. Durante 48 horas, estudantes, engenheiros, e programadores trabalharam lado a lado para criar soluções inovadoras para o setor da Defesa, desde comunicações seguras até sistemas de apoio à decisão. O talento era evidente, mas no final apenas três equipas receberam prémios simbólicos. Nenhum dos projetos – nem mesmo os vencedores – teve acesso ao investimento necessário para avançar.

Hackathons como este mostram que Portugal e a Europa não têm falta de ideias – têm falta de investidores dispostos a acreditar e apostar nelas.

Onde o ecossistema funciona

Noutros contextos, a passagem da ideia ao mercado é bem mais apoiada. Nos Estados Unidos, investidores e aceleradoras como a Y Combinator ou a Techstars combinam financiamento e mentoria, ajudando os fundadores a transformar protótipos em empresas sustentáveis. As rondas de investimento “seed” chegam a ultrapassar frequentemente os 2 milhões de dólares. Em Portugal, o valor médio é muito inferior (na casa dos 200 mil euros e, raras vezes atinge 1.5 millões de euros), e costuma chegar tarde.

Na própria Europa há bons exemplos.

Na Suécia, a Almi Invest combina fundos públicos e privados para financiar startups em fases iniciais.

Em França, a Bpifrance co-investe com o setor privado, oferecendo capital paciente e estabilidade.

Na Finlândia, a Business Finland atribui bolsas que permitem transformar investigação em produtos comerciais.

Estes modelos têm algo em comum: tornam o risco suportável. Mostram que, quando governos e investidores trabalham em conjunto, a inovação floresce.

Portugal tem todos os ingredientes para um ecossistema vibrante: boas universidades, quadros altamente qualificados e uma crescente visibilidade internacional. A Web Summit colocou-nos no mapa, e programas como o Startup Portugal melhoraram o acesso a recursos. Mas falta-nos uma rede sólida de investidores de capital de risco em fase inicial. A maioria das startups portuguesas depende de pequenos apoios públicos ou de fundos europeus lentos e burocráticos.

Uma nova geração de empreendedores está pronta para arriscar – precisa é de parceiros que partilhem esse risco. Talvez criar um fundo nacional de co-investimento, que una capital público e privado, seria um primeiro passo. Incentivar fundos de pensões e seguradoras a dedicar uma pequena parte dos seus portfólios a startups também poderia fazer a diferença.

Mudar a cultura do risco

A transformação necessária não é apenas financeira, é também cultural. O fracasso ainda é visto como um estigma, e isso desincentiva a experimentação. Precisamos de uma mentalidade que valorize a coragem de arriscar e reconheça que errar faz parte do processo de inovar.

Uma maior exposição às Plataformas de investimento como a portuguesa Goparity, incentivos fiscais e literacia financeira podem ajudar os cidadãos a participar neste esforço coletivo. A inovação não deve depender apenas do Estado ou de grandes investidores, deve ser uma causa partilhada.

Portugal, tal como o resto da Europa, tem talento e ideias em abundância. Falta confiança e capital para apostar nelas desde o início. Se conseguirmos juntar a nossa criatividade ao modelo de investimento mais ousado que já funciona na Suécia, França, Finlândia ou Estados Unidos, poderemos finalmente transformar inovação em impacto real e sermos mais competitivos.

A próxima grande revolução europeia pode começar aqui. Mas só se tivermos coragem para apostar em nós próprios.

Observadorassocia-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.