Uma sucessão de juízes conselheiros, imbróglios judiciais, inúmeros recursos das defesas: já quase tudo aconteceu no caso Operação Lex, só falta o julgamento. Esta quarta-feira, se não houver mais nenhuma surpresa num processo fértil em imprevistos, irá mesmo arrancar a partir das 9h30 o julgamento no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). É o derradeiro passo num caso que abalou a imagem da justiça, ao colocar no ‘banco dos réus’ três antigos juízes desembargadores da Relação de Lisboa — Luís Vaz das Neves, Rui Rangel e Fátima Galante —, mas também o ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, ou o empresário José Veiga.
https://observador.pt/programas/justica-cega/lex-5-anos-para-comecar-o-julgamento-de-rui-rangel-porque/
Os autos chegam, finalmente, a esta fase quase uma década depois do início da investigação, com os autos a serem instaurados no dia 2 de setembro de 2016. A investigação da Operação Lex durou cerca de quatro anos e culminou numa acusação com 961 páginas, proferida no dia 8 de setembro de 2020, ou seja, há mais de cinco anos. Foi a última acusação liderada pela procuradora-geral-adjunta jubilada Maria José Morgado, na qual o Ministério Público (MP) imputou aos 17 arguidos acusados (chegam a julgamento apenas 16, devido à morte, entretanto, do empresário Ruy Moura) os crimes de corrupção, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, fraude fiscal, branqueamento de capitais, falsificação de documento e usurpação de funções.
https://observador.pt/especiais/como-os-juizes-rui-rangel-fatima-galante-e-vaz-das-neves-sao-acusados-de-terem-viciado-o-sistema-judicial/
Começaria então uma longa ‘novela processual’ — à qual já iremos —, atravessada por uma fase de instrução que redundou na pronúncia dos arguidos, nos “exatos termos” da acusação, em 16 de dezembro de 2022. Quase três anos volvidos e com diferentes juízes conselheiros à frente do caso, eis o julgamento, com sessão inaugural no STJ, mas prosseguindo posteriormente no Tribunal Militar de Lisboa, no Campo de Santa Clara, ao ritmo de duas sessões por semana (terça e quarta-feira).
O primeiro dia será dedicado à identificação dos arguidos perante o coletivo presidido pelo juiz conselheiro José Piedade, que poderá ler uma súmula da acusação e dar a palavra aos sujeitos processuais que queiram fazer exposições introdutórias. Em paralelo, os arguidos têm de comparecer na sessão e indicar se querem ou não prestar declarações em tribunal. Esse será o primeiro passo mais formal num julgamento em que o MP arrolou mais de 70 testemunhas, enquanto as defesas reúnem perto de 200. Porém, isso não inibe algumas vozes ligadas a este julgamento de manifestarem ao Observador a sua crença na realização deste julgamento num prazo “mínimo” ou “razoável” de cerca de um ano.
Quem é quem neste processo?
- José Piedade: O juiz conselheiro do STJ que preside ao coletivo que vai julgar a Operação Lex. De acordo com os dados de antiguidade do Conselho Superior da Magistratura (CSM), o juiz está na magistratura há cerca de 41 anos. Formou-se em 1984 pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e desde então passou pelo tribunal de instrução criminal de Viseu, pelas varas criminais do Porto e de Lisboa, e pela Relação do Porto.
Sucede a uma longa lista de conselheiros que se jubilaram ou pediram escusa do processo, tendo tomado posse no STJ apenas em 29 de janeiro de 2025. Ao que o Observador apurou, este conselheiro já reunia também os pressupostos para a jubilação, mas comprometeu-se a iniciar o julgamento e a ficar até ao fim, contando no coletivo com os conselheiros adjuntos Ernesto Nascimento e Jorge Gonçalves. - Vítor Pinto: O magistrado que vai representar o MP no julgamento. Considerado um dos elementos mais experientes na área penal, o procurador-geral-adjunto jubilado é conhecido por ter acompanhado Rosário Teixeira na fase de instrução da Operação Marquês e por ter representado o MP em julgamentos separados desse caso, como foram os processos de Ricardo Salgado ou Armando Vara (ambos terminando em condenações).
Continua também a fazer parte da equipa de retaguarda do MP no julgamento da Operação Marquês, em curso no Juízo Central Criminal de Lisboa desde 3 de julho. Em paralelo, acumula ainda com o processo secundário desses autos — que visa apenas o ex-primeiro-ministro José Sócrates e o amigo e empresário Carlos Santos Silva —, cuja apensação ao processo principal voltou recentemente a ser recusada. Entrou para o inquérito da Operação Lex já perto da reta final, em meados de 2019. - Rui Rangel: Apontado como o principal arguido do processo Lex e colocado no centro dos esquemas de alegadas obtenções de vantagens indevidas. Era desembargador na Relação de Lisboa, mas isso não o impediu de ter uma forte presença mediática — chegou a comentar na televisão e a candidatar-se à presidência do Benfica. Foi sancionado pelo CSM em 2019 com a pena de expulsão da magistratura judicial, ainda antes de ser fechada a acusação do MP que lhe imputou a prática de 21 crimes.
Entre os crimes imputados encontram-se corrupção passiva para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento de capitais. - Fátima Galante: A juíza desembargadora e ex-mulher de Rui Rangel foi pronunciada por nove crimes: corrupção passiva, abuso de poder, seis crimes de fraude fiscal e um crime de branqueamento. Tal como Rui Rangel, ainda antes de a acusação do MP estar terminada, viu o CSM impor-lhe a aposentação compulsiva da magistratura. Suspeita de escrever acórdãos para o ex-marido, a antiga desembargadora terá alegadamente conspirado com Rangel, após os investigadores terem encontrado vários envelopes com dinheiro na casa da juíza. No passado, Fátima Galante já tinha sido investigada por alegada corrupção, em 1997, no Caso Patuleia. O processo contra a ex-mulher de Rui Rangel, no entanto, acabaria por ser arquivado no Tribunal da Relação de Lisboa.
- Luís Vaz das Neves: Ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, o juiz desembargador jubilado responde em julgamento por um crime de corrupção passiva para ato ilícito (em coautoria com os outros dois magistrados, o oficial de justiça Octávio Correia e o advogado José Santos Martins) e dois crimes de abuso de poder, ambos em coautoria com Rangel. De acordo com o MP, Vaz das Neves violou os deveres funcionais de isenção e imparcialidade com a ordenação da distribuição manual de processos, permitindo que Rui Rangel obtivesse benefícios económicos ilegítimos. Quando surgiu a acusação do MP, o magistrado já estava jubilado e havia deixado anteriormente a presidência da Relação de Lisboa.


- Luís Filipe Vieira: O ex-presidente do Benfica está pronunciado para este julgamento por um crime de recebimento indevido de vantagem, igualmente imputado a Fernando Tavares, antigo vice-presidente do clube da Luz para as modalidades, e Jorge Barroso, advogado também ligado aos ‘encarnados’. Na base dessa imputação estava a oferta de bilhetes e viagens a Rui Rangel entre 2014 e 2017, com vista a criar proximidade e procurar a obtenção de favores. Uma dessas contrapartidas seria uma preocupação de Vieira com um processo que tinha pendente no Tribunal Administrativo de Sintra e sobre o qual ainda não tinha decisão. Rangel terá tentado ajudar Vieira, procurando informação sobre o estado dos autos junto dos serviços daquele tribunal.
- José Veiga: O empresário está pronunciado por apenas um crime, mas um crime que o coloca no centro do processo: corrupção ativa. Com efeito, Rui Rangel e Luís Vaz das Neves terão sido alegadamente corrompidos por José Veiga a propósito de um recurso do chamado caso João Vieira Pinto, no qual o ex-empresário de jogadores de futebol foi absolvido pela segunda instância. Segundo a acusação, Veiga funcionou como uma espécie de “patrocinador” da campanha de Rui Rangel à presidência do Benfica em 2012, pagando todas as despesas da candidatura. O juiz que foi expulso da magistratura terá recebido uma contrapartida de 350 mil euros para alegadamente favorecer José Veiga.
- Os restantes arguidos: Fernando Tavares (ex-vice-presidente do Benfica, um crime de recebimento indevido de vantagem), Jorge Barroso (advogado, um crime de recebimento indevido de vantagem), Octávio Correia (oficial de justiça, três crimes: corrupção passiva, abuso de poder e fraude fiscal), José Santos Martins (advogado, 13 crimes: dois crimes de corrupção para ato ilícito, um de abuso de poder, três de falsificação de documento, seis de fraude fiscal e um de branqueamento), Bernardo Santos Martins (assistente de administração, 7 crimes: seis de fraude fiscal e um de branqueamento), Rita Figueira (seis crimes de fraude fiscal), Bruna Amaral (advogada, 5 crimes: um de abuso de poder e quatro de fraude fiscal), Elsa Correia (um de fraude fiscal), Nuno Ferreira (dois crimes de fraude fiscal), Albertino Figueira (seis crimes de fraude fiscal) e Oscar Hernandez (três de falsificação de documento).
Uma acusação que começou nos negócios, passou ao futebol e atingiu a justiça
O que hoje é a Operação Lex começou a partir de uma certidão extraída do inquérito Rota do Atlântico (ainda sem acusação ou arquivamento), que tem como principal arguido o empresário José Veiga. As buscas nesse caso revelaram documentação comprometedora para o ex-juiz desembargador Rui Rangel, levando à instauração deste novo inquérito em setembro de 2016. Rangel é o elo em comum que une magistrados, advogados e ex-dirigentes desportivos numa aparente teia de cumplicidades, que se traduziu na alegada viciação da distribuição de processos na Relação de Lisboa, segundo a visão do MP no despacho de acusação.
Num processo complexo e com várias ramificações, um dos casos na sua origem diz respeito ao recurso no processo relacionado com o ex-jogador João Vieira Pinto e que tinha o empresário José Veiga como um dos arguidos. No centro do caso caso estava a transferência daquele jogador, representado por José Veiga, do Benfica para o Sporting. A 10 de setembro de 2012, o futebolista, Veiga e mais dois dirigentes sportinguistas foram condenados pelos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, sendo que no caso do empresário lhe foi aplicada uma pena de prisão de quatro anos e seis meses e o pagamento de cerca de 170 mil euros de impostos em falta.
A chegada do recurso desse caso à Relação de Lisboa no final de 2012 coincide com o plano de Rui Rangel se apresentar como candidato à presidência do Benfica. Segundo o MP, a “afinidade clubística pelo Benfica permitiu o adensar de um relacionamento entre José Veiga e Rui Rangel”, o que levou o juiz desembargador a formar um grupo restrito para pensar a candidatura. Nesse grupo estavam José Veiga, Fernando Tavares e Jorge Barroso. O papel de Veiga era simples: ‘patrocinar’ a campanha de Rangel, pagando todas as despesas.
https://observador.pt/especiais/fotos-de-cerca-de-350-mil-euros-de-veiga-contas-de-amigos-e-sms-como-rangel-e-vaz-das-neves-terao-sido-corrompidos/
No pagamento das despesas de campanha, refere a acusação que não havia uso da palavra dinheiro, mas sim palavras de código, como “fotos” ou “álbuns”. E foi assim que, entre outubro e novembro de 2012, todas as despesas da campanha “foram custeadas por José Veiga” que alimentou uma conta bancária de Fernando Tavares no Millenmium BCP, financiando a campanha em cerca de 55 mil euros através da sociedade International Services Congo. O MP diz que, nesta altura da campanha benfiquista, Rangel e Veiga já tinham feito o acordo para que o magistrado disponibilizasse uma “porta de entrada” na Relação de Lisboa.
Foi no contexto da campanha que Veiga conheceu José Santos Martins, amigo, advogado e alegado testa-de-ferro de Rui Rangel. E foi também aí que o empresário teve conhecimento das “dificuldades financeiras” de Rui Rangel que lhe terão sido transmitidas por Santos Martins. José Veiga disponibilizou-se para “ajudar” a suprir as “ditas ocasionais dificuldades” do ex-desembargador, segundo o despacho de acusação. Assim, Santos Martins ficou de receber as ajudas de Veiga para Rangel através da conta do seu filho Bernardo no BES, “com conhecimento e anuência de Rui Rangel”.
Em paralelo, o recurso do caso de João Vieira Pinto seguiu um caminho, na ótica da acusação, ao arrepio das regras, com Rui Rangel a enviar a informação processual a Vaz das Neves. Rui Rangel “estava interessado” em que o presidente da Relação “retirasse das listas de distribuição automática” o recurso de Veiga e “o viesse a distribuir manualmente ao magistrado Rui Gonçalves”, o que veio, efetivamente, a acontecer. E é por isso que o ex-presidente da Relação de Lisboa foi acusado de cometer uma “grosseira violação e desrespeito pelo princípio do juiz natural”, além dos deveres de “isenção e de imparcialidade que sobre si impendiam”.
Pelo meio, Rangel procurou ainda ajudar Veiga com um processo tributário, bem como Luís Filipe Vieira — de quem chegou a ser opositor na campanha eleitoral para o Benfica em 2012 —, num processo no tribunal de Sintra no qual este tinha interesse, sem deixar de fazer exigências por essas diligências.
https://observador.pt/especiais/as-mulheres-do-esquema-de-rui-rangel-e-as-contas-por-onde-terao-passado-milhares-de-euros/
Paralelamente, Fátima Galante é acusada de ter escrito centenas de acórdãos de Rui Rangel, tendo sido mesmo a verdadeira autora de um acórdão que deu uma vitória a José Sócrates na Operação Marquês, como também do acórdão que reduziu a pena de prisão efetiva de Duarte Lima de 10 para seis anos de prisão no chamado caso Homeland/BPN. Só por decidir um recurso terá mesmo recebido 100 mil euros, além de ter recebido juntamente com Rangel, durante anos, milhares de euros em ‘dinheiro vivo’ depositados nas suas contas, a somar a uma vida empresarial paralela e oculta de ambos através de ‘testas de ferro’.
Mas, segundo o MP, Fátima Galante nem terá sido a única a ajudar o ex-juiz desembargador ao longo deste tempo: a advogada Bruna Amaral — então estagiária no escritório de João Nabais, o mandatário de Rangel neste processo — terá igualmente ajudado o ex-juiz a redigir acórdãos que lhe eram atribuídos no Tribunal da Relação de Lisboa durante cerca de dois anos, recebendo dinheiro direta ou indiretamente por isso.
Já outra ex-namorada do ex-desembargador, Rita Figueira, terá registado nas suas contas bancárias depósitos (numerário, transferências e cheques) de mais de 139 mil euros entre 2007 e 2017, com grande parte das despesas a serem suportadas por Rangel ou por via do advogado José Santos Martins.
Demissões, aposentações compulsivas e um julgamento para “limpar a face”
A investigação da Operação Lex ficou concluída em setembro de 2020, quatro anos após a instauração do inquérito. No entanto, a justiça disciplinar não demorou tanto tempo e logo em 2019 traduziu em decisões as apreciações das infrações cometidas por Rui Rangel e Fátima Galante. Assim, o Conselho Superior da Magistratura aplicou a pena de demissão para Rui Rangel, que resultou na sua expulsão da magistratura, e a aposentação compulsiva de Fátima Galante.
Foram, respetivamente, a pena mais grave e a segunda pena mais grave na lista de sanções previstas no Estatuto dos Magistrados Judiciais. Além destas duas penas disciplinares — as duas mais graves —, estavam então previstas mais cinco, da mais leve para a mais pesada: advertência, multa, transferência, suspensão de exercício e inatividade.

As penas de aposentação compulsiva e de demissão podem ser aplicadas, segundo o artigo 95.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando o juiz revele “definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função”, “falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa”, revele “inaptidão profissional” ou ainda caso “tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes”.
Joaquim Piçarra, ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça e que ocupava a liderança dessa instância por altura da acusação do Ministério Público, veio a público garantir então que “a macieira da Justiça não” tinha sido “infetada por quatro ou cinco maçãs podres”, em alusão ao processo Operação Lex. Contudo, a verdade é que a imagem de corrupção instalada entre os próprios juízes causou danos na já debilitada imagem da justiça, sempre demasiado associada à lentidão ou à desigualdade de acesso.
De acordo com uma fonte ligada ao processo, é “claro que o resultado do processo vai ser importante para a imagem da justiça”, embora assuma que tenha uma importância maior no seio judicial do que para a opinião pública. “Cá dentro tem muita importância, até para nos limpar a face a todos“, refere a mesma fonte ao Observador. Por outro lado, numa nota de maior otimismo, ressalva que “agora seria mais difícil acontecer algo assim”, devido às mudanças no sentido de maior exigência e transparência na distribuição dos processos.
A instrução que pronunciou nos exatos termos e as contradições no STJ
Desde a acusação de setembro de 2020 foi preciso esperar dois anos pelo arranque da fase de instrução no STJ, com a inquirição das primeiras testemunhas em setembro de 2022. Luís Filipe Vieira, Fernando Tavares, Jorge Rodrigues Barroso, o funcionário judicial Octávio Correia e a sua mulher, Elsa Correia, foram os arguidos que viram os seus requerimentos de abertura de instrução serem aceites, enquanto Albertino Figueira e Rita Figueira viram os respetivos requerimentos rejeitados.
A instrução deste caso foi retardada por uma primeira decisão do STJ, de 12 julho de 2021, que determinou então a separação da Operação Lex. Era o início de uma longa convulsão processual e de decisões opostas entre os conselheiros do Supremo. Segundo essa decisão, Luís Vaz das Neves devia ser julgado naquela instância, pois continuava a ser juiz desembargador e apenas tinha sido suspenso (ao contrário de Rui Rangel e Fátima Galante), enquanto os restantes arguidos deviam ser julgados na primeira instância.
Contudo, em 24 de fevereiro de 2022, o mesmo STJ, num acórdão assinado pelos juízes conselheiros Cid Geraldo e António Gama, deu razão aos recursos do MP e dos arguidos Octávio Correia e Elsa Correia no sentido de a instrução e o eventual julgamento decorrerem unicamente na instância superior, sem lugar a separação de processos.
https://observador.pt/especiais/nao-e-toleravel-os-argumentos-que-fizeram-um-juiz-mandar-julgar-luis-filipe-vieira-rui-rangel-e-todos-os-arguidos-da-operacao-lex/
Liderada pelo conselheiro Sénio Alves, as diligências avançaram rapidamente e em 16 de dezembro de 2022 os arguidos foram pronunciados “nos exatos termos” da acusação. Numa decisão com 1.064 páginas, o conselheiro Sénio Alves não considerou apenas haver indícios suficientes para que viessem a ser julgados; ao analisar as provas, o magistrado ficou mesmo convicto de que todos eles poderão vir a ser condenados. Sénio Alves reforçou então que as provas existentes “em nada foram abaladas” e que todos “os elementos probatórios existentes constituem indícios suficientes de que os arguidos agiram do modo descrito na acusação”.
Ultrapassada essa fase, em janeiro de 2023 é sorteado o conselheiro António Latas para presidir ao coletivo que iria julgar a Operação Lex, depois de Eduardo Loureiro e o conselheiro Sénio Alves terem declarado os seus impedimentos devido às intervenções anteriores no processo. Só que em março desse ano, António Latas volta a separar o processo, repetindo o que tinha ocorrido já antes da fase de instrução, quando o juiz conselheiro responsável pela instrução, Sénio Alves, ordenara em julho de 2021 o fim da conexão processual, deixando então apenas Vaz das Neves para ser julgado no STJ.
Com o argumento de que Rui Rangel e Fátima Galante tinham perdido a qualidade de desembargadores e, por essa via, o foro especial no STJ, este conselheiro emitiu um despacho de 35 páginas sobre a conexão de processos e decidiu que apenas os crimes imputados pelo Ministério Público ao desembargador Vaz das Neves e a outros coautores seriam julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Os restantes arguidos e crimes seriam, pois, remetidos para a primeira instância, ou seja, haveria dois julgamentos.
https://observador.pt/especiais/operacao-lex-como-o-supremo-tribunal-de-justica-contrariou-o-proprio-supremo/
Sem surpresa, a decisão do conselheiro António Latas originou novos recursos — como das defesas de Luís Filipe Vieira, de Fernando Tavares (ex-vice-presidente do Benfica) e de outros. E em dezembro de 2023, a 5.ª secção criminal do STJ reverteria uma vez mais a separação processual, mantendo os autos da Operação Lex como um só processo. E com um só julgamento a ter lugar integralmente no Supremo.
A longa sucessão dos juízes conselheiros
Em dezembro de 2024 a tramitação dos autos foi afetada por outro flagelo: a jubilação contínua de juízes conselheiros. Quando o julgamento parecia estar, finalmente, mais perto de começar, após um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ter rejeitado no dia 28 de novembro de 2024 os recursos de dois arguidos e confirmado a composição do coletivo de juízes conselheiros, eis que dois dos três conselheiros que compunham o coletivo designado para fazer o julgamento pediram a jubilação: António Latas, presidente do coletivo, e João Rato, conselheiro adjunto. Sobrava apenas o conselheiro Jorge Gonçalves naquele coletivo.
No passado tinha sido igual. Os juízes conselheiros adjuntos que constaram da primeira distribuição, Helena Isabel Moniz e António Gama, também se tinham afastado entretanto do julgamento. Helena Isabel Moniz — que já tinha realizado diversos atos na fase de inquérito e pediu escusa, mas que seria recusada — foi eleita presidente da 5.ª Secção em maio de 2023 (e reeleita em janeiro de 2024 para o cargo) e deixou, por isso, de integrar o coletivo. Já António Gama cessou as suas funções por aposentação/jubilação no dia 19 de abril de 2023.
https://observador.pt/2025/03/05/operacao-lex-distribuida-a-um-novo-coletivo-de-juizes-conselheiros-no-supremo-tribunal-de-justica/
Ainda antes da fase de instrução, a ex-ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, então juíza conselheira do STJ, pediu escusa de intervir no processo por ser amiga de um dos arguidos, um pedido ao qual o Supremo acedeu. Também o conselheiro jubilado Eduardo Loureiro se declarou impedido após a decisão instrutória, por ter tido ligação ao processo enquanto antigo magistrado do MP e por ocupar no início de 2023 a posição de presidente da 5.ª secção criminal.
Com a jubilação de António Latas a produzir efeitos em 1 de março de 2025 o STJ realizou novo sorteio. De acordo com o portal Citius, o processo foi distribuído no dia 5 de março por sorteio ao conselheiro relator Jorge dos Reis Bravo, com o resto do coletivo a ser composto pelos juízes conselheiros adjuntos José Piedade e Jorge Gonçalves, sendo que este último já integrava o anterior coletivo.
https://observador.pt/2025/05/14/operacao-lex-supremo-tribunal-de-justica-nomeia-novo-coletivo-de-juizes/
Todavia, este não seria ainda o último ato. Apenas dois meses depois, no dia 14 de maio, o STJ nomeou um novo coletivo de juízes para o julgamento do processo Operação Lex, face à reforma do conselheiro Jorge Reis Bravo. O Supremo alertou inclusivamente num comunicado para o elevado número de juízes próximos da jubilação e para a criação de “graves constrangimentos” por essa circunstância. Foi então que o processo ficou, por fim, nas mãos do conselheiro relator José Piedade e dos juízes conselheiros adjuntos Ernesto Nascimento e Jorge Gonçalves. O julgamento pode, agora, começar.
[Chegou o histórico debate entre Soares e Freitas. E o socialista já conseguiu o voto dos comunistas sem “olhar para o retrato” dele. A “Eleição Mais Louca de Sempre” é o novo Podcast Plus do Observador sobre as Presidenciais de 1986. Uma série narrada pelo ator Gonçalo Waddington, com banda sonora original de Samuel Úria. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui e o quarto aqui]