Pode ler aqui tudo sobre as eleições de 2025 do Benfica
Há imagens que ficam para contar o que 1.001 palavras não conseguem. Por norma, e quando chega esse dia de feriado nacional, a descida da Avenida da Liberdade é feita com milhares de pessoas de cravo na mão. A certa altura da descida, e já sem local para colocar aquela representação de liberdade, a mesma acaba por ir parar à zona entre botões da camisa ou do polo. Foi assim que, este sábado, 25 de outubro, um dos raríssimos associados sem qualquer alusão ao Benfica entrou no Pavilhão da Luz de manhã: com um cravo guardado na zona entre botões do polo. Ali estava o símbolo da revolução, uma espécie de Grândola que era cantada pela maioria dos associados que iam falando ao longo do dia nos vários canais televisivos a apontar a mira à “continuidade” enquanto acenavam com essa ideia da “mudança”. Faltava agora perceber a sua dimensão.
https://observador.pt/liveblogs/eleicoes-benfica-o-dia-de-todas-as-decisoes-na-corrida-mais-participada-de-sempre/
Foi quase nula. Apesar das tendências iniciais, que muitas vezes surgiam de contagens em mesas de três votos onde Noronha Lopes teria sempre uma maior base de apoiantes mas que apontavam para cenários que nunca estiveram de facto em cima da mesa, Rui Costa começou a ganhar força, tornou-se arrebatador a ganhar todos os pontos de votação em Portugal a não ser em Paço de Arcos e no Pavilhão número 2 da Luz e saiu como grande vencedor de uma noite eleitoral sem precedentes depois do recorde mundial num sufrágio de um clube. Aliás, até mesmo nas posturas se via quem de repente percebia o que estava a acontecer: o atual presidente seguiu para casa depois de deixar a Luz e acompanhou de lá resultados que a partir das 3h iam apontando para um claro cenário de vitória com ou sem maioria, Luís Filipe Vieira avisou que ia para casa porque não haveria nada fechado antes das 11h e os restantes foram ficando nas sedes de campanha até que se percebeu que andar a fintar o sono era um mero exercício desnecessário perante as contagens.
Há muito que todos tinham percebido que a única mudança a 25 de outubro era mesmo a mudança da hora, com os ponteiros a atrasarem das 2h para a 1h (o que, neste caso, também não foi propriamente uma ajuda para fechar os resultados de madrugada…), o peso dos resultados foi muito maior do que alguma vez se tinha pensado. Um exemplo prático: era no Pavilhão da Luz que Noronha Lopes procurava iniciar o terramoto que pudesse depois transformar-se num tsunami que se arrastasse pelo país mas Rui Costa até no Pavilhão 1 conseguiu ganhar a nível de votos (perdeu aí nos votantes, ao passo que no Pavilhão número 2 foi Noronha Lopes a vencer), mostrando que tudo ficou marcado por uma onda pela continuidade do atual líder.
https://observador.pt/2025/10/25/boletins-a-faltar-benfiquismo-a-sobrar-e-um-dia-que-vai-ficar-para-a-historia-as-longas-13-horas-e-meia-das-eleicoes-do-benfica/
Justificações? À cabeça, há quatro possíveis pistas para perceber o que se passou: 1) ao contrário do que se pensava mas que era aquilo que saltava à vista ao longo da campanha, Noronha Lopes não conseguiu alargar o seu peso a várias áreas do país, a norte e a sul, onde existe Rui Costa, Vieira e pouco mais (sendo que o próprio Vieira foi vítima do voto útil no atual líder); 2) existia uma perceção que saltava pelo trabalhos nas redes sociais e pelas intervenções em canais televisivos de que a mudança estava à vista mas houve uma “maioria silenciosa” que expressou em urna a vontade de não partir para o “desconhecido”; 3) Manteigas conseguiu ter votações expressivas sobretudo na Luz, ficando com parte de um eleitorado que teria sempre de cair para Noronha para causar mossa em Rui Costa; 4) apesar de tudo o que se passou, há muitos sócios, em especial aqueles com maior antiguidade de filiação, que não esquecem Vieira – mas que já é curto.
É isso que mais sobra de um longo dia, uma noite sem fim e uma manhã/tarde seguintes intermináveis entre o recorde mundial da maior votação de sempre em eleições do clube, com quase mais 30.000 votantes do que o Barcelona em 2010 com Sandro Rosell. Mais: a expressão foi de tal forma grande que, mesmo sem Pavilhão 1 e 2 na Luz, essa marca seria sempre batida. E foi nesse contexto que Rui Costa foi o grande vencedor, João Noronha Lopes acabou como maior vencido, houve algumas razões para festejar numa perspetiva futura para João Diogo Manteigas, sobrou a derrota esperada de Luís Filipe Vieira e confirmou a falta de capacidade de ganhar novos eleitores de Martim Mayer e Cristóvão Carvalho, que ficaram abaixo dos 2,2%.
Os vencedores
Rui Costa
A missão parecia complicada, o final da última temporada parecia torná-la quase uma utopia. No entanto, e apesar de ter perdido o Campeonato e a Taça de Portugal frente ao Sporting nas decisões, a passagem de Rui Costa pelo Mundial de Clubes funcionou como um balão de oxigénio para a ideia de um presidente que fosse recandidato à liderança. Avançou sabendo ao que ia, teve depois outro adversário que iria sempre provocar desgaste ao longo da campanha como Luís Filipe Vieira, não contou com os resultados desportivos a favor naquela fatídica semana que levou à despedida de Bruno Lage, apostou todas as fichas quando conseguiu a contratação de José Mourinho – por motivos desportivos, com um inevitável impacto eleitoral.
Os resultados continuaram a não sair, o Benfica chegou ao final da terceira jornada da Liga dos Campeões sem qualquer ponto e nem mesmo a defesa possível das coisas boas que foi fazendo em entrevistas e debates serviram para chegar ao dia das eleições com uma espécie de objetivo mínimo e máximo de tentar ainda ir à segunda volta. Ainda assim, e com muitas culpas próprias à mistura, Rui Costa passou de uma situação de 85% na maior votação até então no clube (40.085) para um cenário em que aparentemente podia estar dependente daquilo que Vieira lhe podia tirar e daquilo que Noronha Lopes podia não perder para João Diogo Manteigas, Martim Mayer e Cristóvão Carvalho. Antes de abrirem as urnas, havia essa perceção de que o líder podia ter quase todas as portas fechadas. No final, saiu como grande vencedor numa casa que é “sua”.
Existe muito aquela ideia formada e que já vinha das eleições do rival Sporting sobre o peso dos associados com 50 votos. Rui Costa também contou com isso. No entanto, a vitória estrondosa que conseguiu está longe de ficar resumida apenas esse facto, tendo em conta que ganhou em toda a linha em todos os distritos do país e que conseguiu também ter uma votação muito expressiva na Luz, onde muitos pensavam estar o epicentro de um eventual terramoto. Em resumo, a oposição não soube ler o que é o eleitorado Benfica na hora da verdade. Um eleitorado que não gosta de grandes ruturas, algo que só aconteceu em 2000 entre Vilarinho e Vale e Azevedo, um eleitorado que acredita no Maestro apesar dos resultados, um eleitorado que mostrou que o Benfica está muito longe de ser só Lisboa. Um eleitorado de Rui Costa. No entanto, e apesar dos mais de 42%, o líder sabe que só mantendo o nível de participação pode ter a vitória mais próxima.

João Diogo Manteigas
Em termos internos, até por ter sido o primeiro a apresentar uma candidatura com essa convicção de que ia até ao fim quaisquer que fossem os resultados desportivos do Benfica (sabendo que, em caso de sucesso, o número de candidatos podia ser metade do que na verdade apareceu), havia sempre a convicção de que havia possibilidade de contar com João Diogo Manteigas como o grande rosto da viragem de paradigma na Luz. Com o aparecimento de João Noronha Lopes, com a bipolarização que na parte final também acabou por ser promovida pelo próprio Rui Costa, o advogado acabou por perder parte desse terreno. No entanto, longe de um cenário que o pudesse levar à segunda volta, sai com um “triunfo” para o futuro deste sufrágio.
Ao longo da campanha, e quase numa apresentação mais abrangente a todo o universo benfiquista menos atento às participações na BTV e demais canais e ao percurso profissional, João Diogo Manteigas conseguiu mostrar que é alguém que conhece bem o futebol, que tinha ideias muito válidas no plano do associativismo (a ponto de serem elogiadas pelo próprio Noronha Lopes) e que gizara um plano para todo o futebol sénior e no Seixal que contaria com nomes interessante em termos de projeto. Mais do que isso, deixou sempre a ideia de ser alguém que conhece as idiossincrasias do próprio clube mais em termos internos. Com isso, e apesar de ter ficado muito longe de uma segunda volta, marcou terreno para nova candidatura futura.
A diferença entre Rui Costa e João Noronha Lopes faz com que não seja propriamente um grande player em termos de segunda volta mas Manteigas começa a percorrer um caminho presidencial agarrando o eleitorado do movimento Servir o Benfica e uma nova geração de benfiquistas que seguem o clube através de fóruns, de grupos ou de podcasts. Pode parecer pouco à primeira vista mas partir de uma base de 11% entre mais de 85.000 votantes é uma base interessante para novos projetos do advogado no plano eleitoral.

Os vencidos
Noronha Lopes
A forma como João Noronha Lopes não foi a votos em 2021 sem ter uma explicação percetível para todos os quase 35% de votantes que conseguiu em 2020 (14.337 sócios, com 261.574 votos) pode ter desviado parte do eleitorado para outras candidaturas capazes de reivindicar a bandeira da mudança mas a maneira como João Noronha Lopes foi a votos em 2025 com todas as explicações percetíveis para só ter quase 35% de votantes em 2020 acabou por ser meio caminho andado para fazer um trajeto nos últimos meses que visava cumprir três grandes objetivos: 1) ser o grande rosto da oposição ao incumbente, Rui Costa; 2) levar o seu projeto a Casas e zonas onde não tinha sido possível pelas condicionantes da Covid-19; 3) mudar os passos em termos de campanha para ir ao encontro daquilo que mais podia tocar aos sócios que votam.
O gestor manteve a máquina mais “pesada” e oleada da campanha, com muitos voluntários prontos para fazerem parte de uma viragem nos comandos do Benfica, começou por desenhar o modelo para o futebol com Nuno Gomes, Pedro Ferreira, Tomás Amaral e Vítor Paneira e fez disso uma bandeira numa época que voltou a não começar da melhor para o Benfica apesar da conquista da Supertaça e da qualificação para a Liga dos Campeões. Depois, voltou a formar uma equipa forte para cada área, fechou o programa eleitoral, desenhou as dez medidas para os primeiros 100 dias na liderança e apostou forte na comunicação digital que já tinha sido uma imagem de marca da campanha de 2020 – juntando a isso o contacto presencial em mais de 60 Casas, onde ia tentava ganhar votos pelo descontentamento “escondido” nos últimos 20 anos.
A estratégia falhou a toda a linha nas metas propostas, com um resultado tão “curto” que nem nos cenários mais conservadores ou pessimistas era ponderado. Mas o que falhou? A capacidade de penetração na zona norte, a falta de tração nos arredores da zona de Lisboa e, sobretudo, a incapacidade de fazer a diferença naquilo que era visto como o grande bastião, o Pavilhão da Luz, com “apenas” mais 13.500 votos do que Rui Costa quando precisava de muito mais para “crescer”. A grande mobilização de sócios para irem às urnas, que acabou por ser uma vitória também de Noronha Lopes tendo em conta que alguns nunca tinham votado, acabou por ser também o início da sua derrota: a maioria não quis uma rutura, não “aceitou” uma “mudança com tranquilidade” e reforçou essa mesma ideia ao colocar a votação de António Bagão Félix para a liderança do Conselho Fiscal significativamente acima dos números de Noronha Lopes para a Direção.

Martim Mayer
Não foi capaz de fugir a um resultado com pouca expressão em termos percentuais, o que acaba por ser uma derrota nesta corrida, mas teve o mérito de fazer uma campanha onde deixou uma boa imagem dentro da ligação a um dos maiores presidentes de sempre do Benfica, o avô Duarte Borges Coutinho. Mais: apesar de ter essa presença, que lhe abriu o lema “Benfica no Sangue”, Martim Mayer quis seguir o caminho dentro dos princípios que lhe foram passados, apresentou um projeto e colocou o resto nas mãos dos sócios.
Desenhou um novo modelo para o futebol com nomes de peso a ajudar como Louis van Gaal e uma aposta forte em Andries Jonker para pensar toda a estrutura, apresentou em termos práticos os projetos em termos de infraestruturas como aumento da Luz, construção da Cidade das Modalidades e ampliação do Seixal (com custo total, prazos de amortização e possibilidades de poupanças), mostrou uma equipa com valências interessantes por área mas falhou naquela que era a sua maior “batalha” ao longo da campanha: evitar que existisse essa figura artificial de voto útil na primeira volta, algo onde acabou por sair penalizado.

Luís Filipe Vieira
“Não vá”, “Não se meta nisso”, “Não vale a pena”. Luís Filipe Vieira foi ouvindo de várias pessoas expressões deste tipo quando colocava como possibilidade avançar de novo para a presidência do Benfica. O antigo líder foi batendo sempre o pé, quis levar a sua avante, teve uma última ronda de reuniões para ir garantindo os pontos que considerava fundamentais para poder avançar oficialmente com uma candidatura (como os 200 milhões de financiamento para resolver problemas de tesouraria a curto e médio prazo) e foi a jogo. Foi a jogo, apostou muitas fichas, perdeu. E perdeu de uma forma que nem o próprio conseguia imaginar.
Quatro anos depois, Vieira continuou a não acreditar que todos os casos ligados à Justiça (onde não houve qualquer julgamento e/ou condenação) seriam capazes de “apagar” tudo aquilo que fez ao longo de quase duas décadas no clube, da construção do Estádio da Luz à recuperação financeira de um clube que esteve perto da falência depois da gestão de João Vale e Azevedo, passando pela melhoria desportiva que levou os encarnados à segunda década com mais troféus de sempre só superada pelos anos 60. Em parte, falhou: se em algumas zonas mais ao norte do país continua a gozar de amplo apoio, a enorme taxa de rejeição em Lisboa e arredores “condenou-o” não só a uma derrota mas também a um resultado pesado que parece fechar de vez todas as portas para um dia regressar ainda ao Estádio da Luz na condição de presidente do Benfica.
Ainda assim, e num plano meramente teórico, os cerca de 15% de votos que conseguiu recolher pode abrir a porta para que pelo menos se fale num peso que o apoio a um ou outro candidato terão na segunda volta (o que acaba por ser uma mera teoria, tendo em conta a quantidade de votos em muitos locais que passarão de forma direta de Vieira para Rui Costa). E, mesmo assinando aquilo que parece ser uma sentença no que toca às ligações diretas ao conjunto da Luz, Vieira saiu da campanha depois de um debate de quatro horas onde nunca foi visado por questões de Justiça, algo que tinha marcado o início da corrida, e após um passo inicial para normalizar as relações pessoais com Rui Costa, que tinha visto uma vez nos últimos quatro anos.

Cristóvão Carvalho
De forma realística, seria muito complicado Cristóvão Carvalho ter um resultado minimamente significativo no contexto que iria enfrentar: era o candidato menos conhecido, era o candidato que partia atrás ainda antes de começar a corrida e era também o candidato que teria de tirar um (ou vários) coelho da cartola para poder entrar nas opções. Nessa ótica, o advogado arriscou ir pela diferença: falou de Jürgen Klopp, apontou para 400 milhões de financiamento a quatro anos, quis um Benfica europeu. Correu tudo ao contrário.
A aposta foi grande, o investimento não ficou atrás (basta recordar os cartazes gigantes na A1 e a publicidade nas caixas de Multibanco), os resultados ficaram aquém do desejado e Cristóvão Carvalho sai apenas com a “vitória” de ter participado naquelas que foram as maiores eleições de sempre num clube desportivo.
