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(A) :: “Antes morrer de pé do que viver ajoelhado” - Porto e Liberdade

“Antes morrer de pé do que viver ajoelhado” - Porto e Liberdade

Quando digo que sou do Porto e acredito na liberdade não falo apenas de um ideal político. Falo de uma herança que corre nas veias desta cidade. Aqui a liberdade não é só uma palavra, é uma atitude.

Francisco Miranda
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“Ser livre e acreditar na liberdade.” A frase parece simples, mas é, na verdade, um manifesto. Ser livre é um estado, acreditar na liberdade é uma escolha, um ato de fé. E talvez seja no Porto, mais do que em qualquer outro lugar, que essa crença se sente com maior força. O Porto não é apenas uma cidade, é uma ideia. É sinónimo de luta, de franqueza, de coragem e de partilha. É uma cidade onde a palavra liberdade não se diz em voz baixa, porque foi gritada, conquistada e defendida ao longo dos séculos.

Nasci no Porto e aprendi desde cedo que a liberdade aqui tem corpo e rosto. Não é um conceito abstrato, é uma vivência concreta. Talvez por isso, quando se fala de liberdade, é impossível não recordar o Cerco do Porto, entre 1832 e 1833, um dos episódios mais intensos e heroicos da história portuguesa.

Nessa altura, o país estava dividido entre liberais e absolutistas. De um lado, D. Pedro IV, o “Rei-Soldado”, que regressava do exílio para restaurar a Carta Constitucional e os ideais modernos de um Estado baseado na lei e na cidadania. Do outro, D. Miguel, símbolo do velho regime, defensor de uma ordem rígida, hierárquica e contrária às liberdades que o século XIX começava a exigir.

O Porto escolheu o seu lado, e não por cálculo político, mas por instinto moral. A cidade acolheu D. Pedro e as forças liberais, e tornou-se o bastião da resistência constitucional. Durante mais de um ano, as tropas miguelistas cercaram a cidade. Bombardeios, fome, doenças… nada conseguiu quebrar a determinação dos portuenses. O Cerco do Porto foi muito mais do que um episódio militar. foi uma epopeia cívica, uma lição de caráter e uma afirmação de identidade. O povo do Porto resistiu não apenas por D. Pedro, mas por si próprio, pela ideia de que a liberdade vale o sacrifício da segurança.

Entre as forças liberais destacou-se a chamada Ala da Liberdade, um agrupamento de soldados e cidadãos que viam na luta algo que transcendia a política. Lutavam por um ideal: a convicção de que o poder legítimo nasce do consentimento dos governados, de que a lei deve proteger e não oprimir, e de que cada cidadão tem direito à dignidade. A Ala da Liberdade tornou-se símbolo da coragem e da convicção que definem o espírito portuense. Diz-se que o seu lema era simples, mas absoluto: “Antes morrer de pé do que viver ajoelhado.” Esta frase resume o ethos do Porto! Uma cidade que prefere a dignidade ao conforto, o risco à resignação, a verdade à conveniência.

Durante o cerco, a cidade uniu-se. Homens e mulheres, ricos e pobres, burgueses e operários, todos se tornaram soldados de uma causa maior. As mulheres cozinhavam, tratavam dos feridos, transportavam pólvora e esperança. Os homens cavavam trincheiras, erguiam barricadas, enfrentavam o inimigo com as armas que tinham e a convicção que os mantinha vivos. Havia fome, havia medo, mas havia também uma certeza inabalável: o Porto não se renderia. E não se rendeu. Quando o cerco terminou, em 1833, a cidade estava ferida, mas de pé. E foi de pé que ficou na história, como símbolo da liberdade portuguesa.

O Cerco do Porto não foi só uma vitória militar. Foi uma vitória moral. Mostrou que uma cidade pode resistir a um exército quando é movida por valores. Mostrou que a liberdade é mais forte do que a força bruta, e que a dignidade humana, quando posta à prova, é capaz de feitos extraordinários. Desde então, o Porto passou a ser não apenas uma cidade de pedra e de rio, mas também um monumento vivo à coragem e à convicção. Cada rua, cada fachada de granito, parece guardar a memória dessa resistência. Caminhar no Porto é caminhar sobre uma história que respira, sobre um chão que testemunhou o preço e o valor da liberdade.

Hoje, quase duzentos anos depois, vivemos num tempo em que a palavra “liberdade” se diz com facilidade, mas se pratica com menos profundidade. A liberdade tornou-se um direito adquirido, e como tudo o que se dá por adquirido, tende a ser subestimada. Mas o Porto lembra-nos, todos os dias, que a liberdade nunca é definitiva nem garantida. É uma construção permanente, uma conquista diária feita de escolhas e de coragem.

Ser livre, hoje, é resistir à pressão da uniformidade, é pensar por si próprio num tempo de ruídos, é agir com integridade quando o mundo prefere a conveniência..

Ser do Porto é carregar essa herança. É saber que a liberdade não se proclama, demonstra-se. É sentir que, quando dizemos “não”, estamos a honrar uma longa tradição de gente que se recusou a ajoelhar. É, acima de tudo, acreditar que a liberdade é uma forma de estar, uma maneira de ser humano, honesto e solidário. O Porto ensinou ao país e ao mundo que a liberdade é partilha, quem é verdadeiramente livre não teme dividir o que tem, seja uma ideia, um copo de vinho ou um sonho.

Por isso, quando digo que sou do Porto e que acredito na liberdade, não falo apenas de um ideal político. Falo de uma herança que corre nas veias desta cidade. Falo de um povo que resistiu ao cerco e que, desde então, nunca mais deixou de lutar, em cada tempo e de cada maneira, pela dignidade de ser livre.

Porque aqui, a liberdade não é só uma palavra, é uma atitude. É a maneira como se fala, como se vive, como se enfrenta a vida. Eu sou do Porto, nascido e criado, e tenho orgulho nisso. Orgulho em trocar os “v” pelos “b”, em ter um sotaque carregado, em dizer as coisas como são, mesmo que às vezes me saiam palavrões. Porque no Porto não se fala para impressionar, fala-se para ser entendido. Aqui, as palavras saem diretas, como quem atira verdades à cara do mundo. É assim que somos: diretos, francos, livres.

O Porto foi, é e continuará a ser o coração livre de Portugal.