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(A) :: Governar melhor começa por dentro

Governar melhor começa por dentro

As eleições trouxeram novas equipas e ambição renovada. Mas entre promessa e execução decide-se tudo dentro da organização: pessoas alinhadas, processos simples e cultura de desempenho.

Luís Monteiro Carvalho
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As eleições autárquicas de 2025 trouxeram novos executivos, novas prioridades e a esperança de que o ciclo que agora começa possa ser mais eficaz, mais próximo e mais transformador. Mas, antes de qualquer plano, promessa ou investimento, há uma verdade que se impõe: nenhum projeto político se cumpre sem uma máquina administrativa capaz de o executar. E essa capacidade constrói-se por dentro. Neste novo mandato, há municípios onde a alternância trouxe equipas renovadas e a necessidade imediata de fazer diagnósticos internos sérios, para que a estratégia política encontre uma estrutura preparada para a concretizar.

Entre o discurso e a ação existe um território invisível onde se decide quase tudo: o modo como a organização funciona. A maior parte das autarquias herda estruturas que foram sendo moldadas por sucessivas adaptações, quase sempre reativas. Departamentos que se sobrepõem, processos que se duplicam, funções que perderam o propósito original. Há talento desperdiçado e energia que se dilui em procedimentos lentos, desnecessariamente complexos.

Modernizar a administração local não é um gesto de marketing, é um exercício de lucidez. É reconhecer que, muitas vezes, o que bloqueia a execução não é a falta de visão política, mas a falta de alinhamento entre essa visão e a estrutura que a deve concretizar. Cada novo executivo precisa de saber como funciona a sua máquina, quem faz o quê, com que meios e com que competências. Sem esse conhecimento de base, governa-se no escuro.

As pessoas são o primeiro ponto de partida. Antes de reformar organigramas ou implementar plataformas digitais, é preciso compreender as equipas: o que sabem, o que fazem, o que poderiam fazer melhor. Há autarquias com profissionais extraordinários que nunca tiveram oportunidade de atualizar competências ou de as aplicar em funções estratégicas. Há outras em que as descrições de funções continuam a corresponder a realidades de há vinte anos. Valorizar as pessoas é também dar-lhes condições para se adaptarem a um novo tempo. E nada disto acontece sem liderança: nenhum processo muda sem líderes que inspirem confiança, definam prioridades claras e deem o exemplo.

Depois vêm os processos, a engrenagem invisível que liga tudo o resto. Um município pode ter recursos e vontade política, mas se o caminho entre a decisão e a execução for labiríntico, o resultado será sempre o mesmo: lentidão, frustração e desmotivação. Simplificar processos não é uma tarefa burocrática; é uma decisão política. É escolher servir melhor.

Depois, há instrumentos concretos que ajudam essa transformação.

As metodologias modernas de gestão podem ter nascido na iniciativa privada, mas são hoje ferramentas indispensáveis à eficiência pública. O pensamento Lean – centrado na otimização de processos, eliminação de desperdícios e melhoria contínua – ajuda a simplificar fluxos e a concentrar recursos onde fazem diferença. O mapeamento de processos torna visíveis os pontos de bloqueio e onde se perdem tempo e energia. E os sistemas de objetivos e resultados (OKRs) introduzem uma cultura de compromisso, transparência e responsabilidade. Em termos concretos: processos simplificados significam decisões mais rápidas, seja num alvará, num apoio social ou numa obra pública. Medir, avaliar e melhorar não é uma imposição tecnocrática; é um ato de respeito pelos cidadãos e pelo trabalho público.

O grande desafio das autarquias portuguesas não é apenas fazer mais com menos. É fazer melhor com o que já têm. É transformar a gestão interna num verdadeiro motor de execução, capaz de dar resposta às prioridades políticas e às exigências do território. Isso implica reorganizar, clarificar, capacitar e, acima de tudo, criar uma cultura em que o desempenho não se confunde com controlo, mas com melhoria contínua.

Modernizar a administração local é um ato de coragem. É mais difícil do que inaugurar obras ou anunciar investimentos, porque exige olhar para dentro, enfrentar hábitos, resistências e zonas de conforto. Mas é também o passo mais decisivo para garantir que aquilo que se promete pode realmente ser feito. Governar melhor começa por dentro. A transformação administrativa é o investimento invisível que sustenta tudo o resto.