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(A) :: O pisca, pisca no Orçamento

O pisca, pisca no Orçamento

Assim continuamos na fiscalidade… sem plano de longo prazo, sem rumo certo e independente dos jogos políticos, e, principalmente sem estabilidade, imperativa para investir.

Bruno Neves
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Penso que a famosa música popular portuguesa do “pisca, pisca” tem muito a ver com o projeto do Orçamento de Estado atual e, por mais estranho que tal possa parecer, peço para acompanharem o raciocínio no texto que se segue.

Tenho a visão (eventualmente idílica…) que o Orçamento de Estado de um país deveria ser um documento discutido e analisado ao pormenor, para, após ponderação de diferentes vontades e forças políticas, se chegar a um consenso, a alguma ideia do que poderá ser o futuro de um país… Contudo, hoje, dada a situação política em Portugal, o Projeto de Orçamento apresentado parece mais um adiar decisório para brincar com as vontades de dois conhecidos que uma vontade de debater.

Vamos a um exemplo mundano: suponhamos que tenho dois colegas de trabalho com os quais sou obrigado a sair, de tempos em tempos, para conversar e beber uns copos. Contudo, um só gosta de cerveja e não suporta quem bebe outra coisa. O outro, por sua vez, tem o mesmo sentimento face ao Gin, só gosta de Gin e não suporta quem bebe cerveja!

E, eu, que quero é beber uns copos, independentemente de ser cerveja ou Gin, tenho duas opções: saio com os dois e temos um momento de brigas e discussões sobre o que beber (momento esse que pode, no limite, acabar com a minha posição) ou, convido um, bebo umas cervejinhas e, noutro dia/ocasião, saio com outro e atacamos o Gin.

É neste exemplo “de copos” que entra a fiscalidade no presente Orçamento de Estado!

Em princípio, o Orçamento de Estado seria uma festa que me obrigaria a sair com os meus dois colegas e eu seria obrigado a, no meio da eventual discussão, chegar a um meio termo, algo que pudéssemos pôr em prática…

Mas, como não quero discussões que me prejudiquem, neste evento, em que estamos todos, só sirvo água… De facto, não se vislumbra outra bebida para, fiscalmente, termos praticamente só atualizações de tabelas e IRS e IMT e uma clarificação que transformar azeitona em azeite é uma atividade que contribui para a produção agrícola! É inodoro, insípido e incolor!

Contudo, dentro de vários anúncios recentes de alterações fiscais relevantes (várias medidas de IRS para incentivar o arrendamento, aplicação da taxa reduzida de IVA na construção de habitações e descida do IRC), não deixo de piscar o olho para um lado, deixando subentendido que depois podemos beber umas cervejinhas e, claro está, pisco o olho também para o outro lado, referindo que também vamos depois sair para beber um ginzinho…

Contudo, assim, infelizmente continuamos na fiscalidade em Portugal… sem um plano de longo prazo, sem um rumo efetivo independente dos jogos políticos, e, principalmente sem a estabilidade imperativa necessária para empresário que quer investir e assumir o risco de tal investimento, sem que grande parte do risco venha do próprio Estado por via da fiscalidade!

A música começa com “Todos os homens têm as suas artimanhas”, mas esperamos que a aplicação da mesma pare por aqui pois, continuando assim, medidas com efetivo impacto serão, como este orçamento, cortadas às postas para agradarem a mestres cervejeiros e destiladores de gin e, se assim for, veremos que “parece que está a dar e que veio para ficar, a moda do pisca, pisca…”.