Este é um daqueles inquéritos que estavam à espera de uma decisão final do Ministério Público desde há muito. Os factos são relativos a 2013, o inquérito foi aberto há cerca de 10 anos e o despacho de encerramento de inquérito só chegou a 10 de outubro deste ano. A conclusão, avançada em exclusivo pelo Observador, resulta na primeira acusação conhecida contra Tomás Correia, o todo o poderoso presidente do Montepio Geral entre 2011 e 2019, e mais dois gestores do Finibanco Angola. Os crimes são abuso de confiança e branqueamento de capitais.
https://observador.pt/programas/justica-cega/duelo-mp-cometeu-erro-na-1-a-acusacao-do-caso-montepio/
O despacho de acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa, ao qual o Observador teve acesso, descreve um alegado esquema de financiamento fraudulento que foi investigado pela Polícia Judiciária (PJ) e que, ironicamente, nasce das necessidades de liquidez do Montepio Geral durante a crise financeira de 2011/2015 mas que terá prejudicado aquele grupo bancário em cerca de 35,9 milhões de dólares (cerca de 30 milhões de euros ao câmbio de hoje).
https://observador.pt/2025/10/25/caso-montepio-tomas-correia-acusado-pelo-ministerio-publico-dos-crimes-de-abuso-de-confianca-e-branqueamento-de-capitais/
Tomás Correia é, segundo o MP, o líder dos administradores do Grupo Montepio que terão executado tal esquema de financiamento com a ajuda de José Guilherme (falecido em agosto de 2024), do seu filho Paulo e do sogro deste, Eurico de Brito.
Pelo meio, o Finibanco de Angola concedeu créditos de 32 milhões de euros a Paulo Guilherme e a Eurico de Brito de forma alegadamente irregular e que representavam 54% dos seus fundos próprios da subsidiária do Caixa Económica Montepio Geral em Angola. Tudo para que os empresários portugueses comprassem unidades de participação de um fundo que servia para recapitalizar o Montepio Geral.
Como alegada contrapartida, a equipa liderada por Tomás Correia terá viabilizado a compra de uma nova sede para o Finibanco em Luanda a uma empresa de Paulo Guilherme que veio a custar ao banco mais de 58,9 milhões de dólares (cerca de 50,7 milhões de euros ao câmbio de hoje). Essa nova sede não só nunca chegou a ser construída e não só era desnecessária, como o projeto megalómano, a ser concretizado, implicaria uma área de trabalho de 100 m2 para cada colaborador do Finibanco Angola — área superior a muitas casas familiares em Portugal.
Como as necessidades de liquidez do Montepio Geral estiveram na origem do esquema
Os factos em foco no despacho de acusação remontam a uma época em que o Montepio Geral era uma caixa económica (hoje é um banco comercial) e em que o Finibanco Angola era uma subsidiária da Caixa Económica Montepio Geral — desde agosto de 2023 que aquela instituição bancária passou a ser detida pelos nigerianos do Access Bank.
No centro da história está igualmente António Tomás Correia, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos que entrou no Montepio Geral em 2004 e se transformou no homem forte da associação mutualista — a única acionista da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG). Tomas Correia esteve à frente da associação mutualista entre 2008 e 2019 e liderou a CEMG até 2015.
O Montepio viveu tempos difíceis durante a crise financeira entre 2011 e 2014, altura em que a quebra do PIB foi acentuada, com elevado desemprego, recessão prolongada, imparidades de crédito crescentes e desvalorização dos bancos em bolsa.
A CEMG, por exemplo, registou “elevadas imparidades de crédito e acumulou avultados prejuízos”, agravando substancialmente a situação dos seus fundos próprios. Por outro lado, a situação financeira do acionista da CEMG (a Associação Mutualista Montepio Geral) também evidenciava “fragilidades, refletidas numa crescente pressão sobre a sua capacidade de geração de resultados operacionais e na deterioração dos seus principais indicadores de solvabilidade”. Logo, os sucessivos aumentos de capital fizeram com que a associação mutualista tivesse atingido os limites da sua capacidade financeira, “enquanto fonte exclusiva de capitalização do grupo”, lê-se no despacho de acusação.
Apesar de ser uma pequena instituição financeira sem impacto sistémico, mesmo assim não escapou às diretrizes do Banco de Portugal liderado por Carlos Costa para reforçar os rácios de solvabilidade. Foi precisamente esta necessidade de liquidez que levou à criação do Fundo de Participação que, através da subscrição das respetivas unidades de participação, permitiriam reforçar o capital da CEMG e repor os rácios de solvabilidade exigidos pelo banco central.
O capital do Fundo de Participação ficou fechado em 200 milhões de euros que seria dividido em 200 milhões de unidades de participação (UP’s) com valor unitário de um euro. Contudo, o Banco de Portugal avisou desde logo que a aquisição da unidades de participação pelos investidores não podia ser “financiada, direta ou indiretamente, pela instituição”. Se tal acontecesse, tais unidades de participação eram não elegíveis para o cálculo dos rácios de solvabilidade.
Porquê? Porque estariam a ser financiadas com os fundos do próprio Grupo Montepio, logo, na prática, os rácios de solvabilidade não estariam a ser reforçados. Enfatize-se que o Banco de Portugal avisou o Grupo Montepio várias vezes para esta contingência muito relevante. Os responsáveis do Montepio não ouviram, como se pode verificar de seguida.
A entrada em cena do Finibanco Angola e como o Montepio financiou o… Montepio
Na ótica do DIAP Regional de Lisboa, a prova indiciária recolhida pela Polícia Judiciária permite afirmar que Tomás Correia tinha uma “liderança incontestada”, visto que as suas “decisões e orientações (…) não apenas prevaleciam sistematicamente, como eram executadas com rigor e celeridade, evidenciando uma cultura organizacional fortemente centralizada” na sua figura. E era o presidente do Conselho de Administração de todas as instituições visadas pela acusação: a Associação Mutualista Montepio Geral, a CEMG e o Finibanco Angola. Ou seja, o líder do Montepio tinha “um ascendente inequívoco sobre os restantes membros dos conselhos de administração” das participadas do grupo, lê-se no despacho de acusação.
A acusação dá precisamente Tomás Correia como o alegado autor e líder de um esquema que visaria contornar as regras definidas pelo Banco de Portugal: a holding da Montepio ou qualquer outra participada não poderia financiar a aquisição de qualquer UP do Fundo de Participação.

Ora, foi precisamente isso que aconteceu, segundo o DIAP Regional de Lisboa. Como? Através do Finibanco Angola — uma pequena instituição financeira angolana que fazia parte do Grupo Montepio desde 2010 por via da aquisição de 100% do capital da holding do Grupo Finibanco. O Finibanco Angola era controlado pelo Grupo Montepio através de uma participação de 60%, sendo certo que essa participação passou a ser detida pela CEMG a partir de 31 de março de 2011.
E qual foi o alegado esquema de financiamento detetado pela Polícia Judiciária (PJ)? Simples:
- Os investidores nacionais angariados pela equipa de Tomás Correia conseguiam um crédito no Finibanco Angola em Luanda;
- Transferiam os fundos para contas na CEMG em Lisboa;
- E adquiriam um número muito significativo de UP’s do Fundo de Participação que deveria recapitalizar a CEMG. Objetivo? 30 milhões de UP’s, ou seja, 30 milhões de euros.
E porque razão este financiamento foi classificado de fraudulento pela PJ e pelo DIAP Regional de Lisboa? Por várias razões:
- Desde logo, porque estava a violar as regras do Banco de Portugal que definiram que a aquisição das UP’s não podia ser financiadas “direta ou indiretamente” pelo Grupo Montepio. Ora, o Finibanco Angola fazia parte do Grupo Montepio. Na prática, o Grupo Montepio estava a financiar o… Grupo Montepio
- Por isso mesmo, o DIAP Regional de Lisboa considerou as subscrições das UP’s que vieram a ser feitas por Paulo Guilherme (filho de José Guilherme), Eurico de Brito (sogro de Paulo Guilherme) e uma terceira investidora como ilegítimas para efeitos dos rácios de capital da CEMG. Isto porque as regras do Banco de Portugal para a aquisição das UP’s excluíam essa hipótese de forma clara e explícita.
- E concluiu: “a Caixa Económica Montepio Geral aumentou indevidamente os fundos próprios, criando uma imagem falsa imagem de capitalização, não respeitando a regulamentação europeia e as comunicações do Banco de Portugal”, lê-se no despacho de acusação.
Pior: não só a forma como os próprios créditos foram concedidos pelo Finibanco Angola não terão respeitado minimamente as regras da instituição, como a transferência dos créditos de Luanda para Lisboa, na realidade, nunca aconteceu, segundo a acusação do DIAP Regional de Lisboa, e os subscritores das UP’s “não assumiram qualquer encargo financeiro associado à concessão dos empréstimos”. Mas já lá vamos.
“Nostro” e “Vostro”. Como a família de José Guilherme participou no esquema
Em novembro de 2013, Tomás Correia contactou José Guilherme, “dando-lhe conhecimento do esquema que havia concebido” para financiar a CEMG através do Fundo de Participação, lê-se no despacho de acusação. Terá ficado acordado que figuras do universo de José Guilherme, como o seu filho Paulo, o seu compadre Eurico de Brito (sogro de Paulo) e Maria João Rodrigues (filha de João Alves Rodrigues, sócio de José Guilherme) seria os investidores individuais a subscrever as UP’s.
José Guilherme morreu em agosto de 2024, tendo o procedimento criminal sido extinto — o mesmo aconteceu com João Alves Rodrigues, que faleceu em 2014. Guilherme foi um dos mais importantes construtores da Grande Lisboa desde os anos 80 do séc. XX e ficou conhecido pela sua famosa “liberalidade” de cerca de 14 milhões de dólares a Ricardo Salgado, presidente executivo do BES, por o ter aconselhado a ir trabalhar para Angola durante a crise da 2011 a 2014. Em Angola, chegou a ter irmã de José Eduardo dos Santos como sócia dos seus empreendimentos. E em Portugal foi investigado em diversos processos, inclusive no caso Universo Espírito Santo por o procurador Rosário Teixeira suspeitar que a transferência de 14 milhões de dólares poderia ser o pagamento de uma comissão a Ricardo Salgado pelos créditos que o BES concedeu a Guilherme — cerca de 200 milhões de euros desses créditos foram considerados perdidos em 2017 pela Lone Star, o fundo americano que comprou o Novo Banco, o banco bom que sucedeu ao BES.
https://observador.pt/especiais/o-grupo-jes-angola-o-empreiteiro-de-salgado-e-a-irma-do-presidente/#title-6
Do lado de Tomás Correia, o plano seria executado por António Pontes e Luís Almeida. Pontes liderava a Comissão Executiva do Finibanco Angola desde Abril de 2012 e Almeida era o gestor da CEMG dos créditos do Grupo José Guilherme.
Primeiro dado a ter em conta: o capital do Finibanco Angola era, naquela altura, equivalente a cerca de 60 milhões de euros.
Contudo, a Comissão Executiva do Finibanco Angola veio a aprovar créditos totais a Paulo Guilherme, Eurico de Brito e Maria João Rodrigues de um total de 35 milhões de euros — cerca de 58% dos fundos próprios da instituição financeira. Tais créditos foram aprovados sem respeitar, segundo o DIAP Regional de Lisboa, as regras do próprio Finibanco Angola. Isto é, sem pareceres das respetivas direções de crédito e, no caso dos créditos concedidos a Paulo Guilherme e Eurico de Brito, sem aprovação do conselho de administração. Na prática, foram aprovados por António Pontes.
Os créditos foram concedidos em dezembro de 2013, nos seguintes valores:
- A 6 dezembro de 2013, Paulo Guilherme recebe um crédito de 20 milhões de euros;
- Dias mais tarde, é a vez de Eurico de Brito ter um crédito de 12 milhões de euros;
- E, finalmente, Maria João Rodrigues recebeu igualmente um crédito de 3 milhões de euros;
Além do objetivo final da concessão destes créditos ser ilegítimo, na ótica do DIAP Regional de Lisboa, os problemas não se ficaram por aí. Outro grande problema foi que o Finibanco Angola “não dispunha efetivamente” de tal “liquidez” quando “concedeu o credito”, lê-se na acusação. Ou seja, não tinha capacidade financeira para suportar tais créditos. Daí a necessidade de um novo esquema “administrativo”:
- Seria aberta uma conta denominada “Nostro” (“nosso” em latim) da CEMG no Finibanco Angola em Luanda, que receberia os fundos do crédito. E seria aberta outra designada de “Vostro” (“vosso” em latim) do Finibanco Angola na CEGM em Lisboa.
- No final, restaria um crédito de 35 milhões de euros concedidos aos três clientes registados no Finibanco Angola e uma conta de títulos das UP’s registados na CEMG em Lisboa.
Contudo, tudo isto tinha dois pressupostos:
- tinham de existir euros (mais concretamente 35 milhões de euros) na conta “Nostro” da CEGM no Finibanco Angola.
- E a transferência de fundos de Angola para Portugal tinha de ter uma autorização obrigatória do Banco Nacional de Angola.
- Ora, segundo o DIAP Regional de Lisboa, nem uma coisa aconteceu, nem a outra foi feita no timing necessário.
Isto é, o Finibanco Angola não tinha a liquidez necessária, logo “ficou definido [pelos arguidos] que após o crédito ser concedido, os fundos seriam transferidos contabilisticamente da conta do cliente para a conta da CEGM junto do Finibanco Angola [a conta “Nostro”], não existindo necessidade de existência de moeda.” O que fez com que também nunca tenham entrado nenhuma transferência na conta “Vostro” do Finibanco Angola na CEGM.
Dito de outra forma: foi feita única e exclusivamente uma operação contabilistica (em transferência de moeda), o que, “em termos práticos”, fez com que a “CEMG estivesse a conceder um empréstimo ao Finibanco Angola, de forma a que este, em Angola, conseguisse conceder crédito aos subscritores das UP’s”, lê-se na acusação.
Quanto ao segundo requisito, a autorização que tinha de ser pedida ao Banco Nacional de Angola, tal pedido só veio a ser feito a 30 de setembro de 2014 — quase um ano após a operação contabilística.
Os investimentos das UP’s em Portugal e os 10 milhões de euros para Paulo Guilherme
O grande objetivo de todo este esquema, a aquisição de 35 milhões de UP’s do Fundo de Participação que iria recapitalizar a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), foi logo concretizado em dezembro de 2013. O crime de branqueamento de capitais que é imputado apenas a Tomás Correia, a António Pontes e a Luís Almeida está relacionado com os créditos do Finibanco Angola para que “evitar que fosse levantada a questão da transferência para a Caixa Económica Montepio Geral dos fundos necessários para a subscrição das UP’s e se descobrisse a proveniência dos mesmos”, escreve a procuradora Maria Isabel Santos.
Pegando só no exemplo de Paulo Guilherme para descrever que aconteceu em termos práticos: no dia 12 de dezembro de 2013, foram creditados 20 milhões de euros na conta de Paulo Guilherme no Finibanco de Angola, tendo quatro dias mais tarde sido creditados 18.056.761 euros na conta do empresário na CEMG em Lisboa, “não obstante a ausência de fundos na conta “Vostro” do Finibanco” na CEMG, enfatiza o DIAP Regional de Lisboa na acusação.
Aliás, uma funcionária do back office do CEGM, Elisabete Garção, detetou precisamente essa discrepância, tendo avisado por escrito todos os seus superiores hierárquicos. Teve de existir uma ordem especial, com conhecimento de Luís Almeida, para a operação se concretizar — autorização que se repetiu para as operações relacionadas com Eurico de Brito e Maria João Rodrigues, que também compraram UP’s.
Paulo Guilherme veio a subscrever 18.056.761 euros em UP’s do Fundo de Participação a 16 de dezembro de 2013 mas é igualmente interessante descrever o que sucedeu a seguir. Logo no dia 20 de dezembro, quatro dias depois da subscrição, alienou um total de 1 milhão de UP’s. “Desta forma, ainda não pagando nada pelos títulos e já estava a beneficiar de fundos em Portugal decorrentes da sua venda”, lê-se no despacho de acusação.
Entre dezembro de 2013 e novembro de 2014, Paulo Guilherme recebeu cerca de 2,5 milhões de euros pela alienação das UP’s — boa parte delas vendidas abaixo do preço de subscrição —, tendo transferido o montante para a conta do seu pai José Guilherme. “Ao todo, o investimento inicial de Paulo Guilherme foi de 18.056.761 euros, tendo o produto da venda dos títulos ascendido apenas a 10.203.149 euros“, o que resulta numa perda de 7.853.612 euros, ou seja, 43,5% do investimento”, descreve a procuradora Maria Isabel Santos.
No entanto, no entendimento da magistrada do MP, este valor de cerca de 10 milhões de euros (o produto da venda) não representou, na realidade, um prejuízo para Paulo Guilherme. Pelo contrário: foi mesmo “uma vantagem patrimonial” que o Montepio Geral concedeu ao filho de José Guilherme.
O mesmo aconteceu com Eurico de Brito, sogro de Paulo Guilherme. O crédito de 12 milhões de euros levou a uma subscrição de 10,8 milhões de euros de UP’s do Fundo de Participação. Eurico de Brito conseguiu recuperar cerca de 6 milhões de euros (cerca de 55% do investimento inicial). Além de ter transferido dois milhões de euros para uma conta sua num banco suíço, também o alegado prejuízo de 4,8 milhões de euros não ocorreu, segundo a acusação. O crédito foi pago em janeiro e março de 2015 com recurso a cerca de 1,1 milhões de euros do crédito original que não tinha sido usado para a compra das Up’s e com recurso a um novo crédito do Finibanco Angola.
E é aqui que entra em cena o negócio da compra da nova sede do Finibanco Angola.
A sede desnecessária do Finibanco em Angola e os 100 m2 para cada funcionário
O negócio da nova sede do Finibanco Angola é visto pelo DIAP Regional de Lisboa e pela PJ, como uma “engenharia negocial, cujo desígnio era conferir” a Paulo Guilherme, Eurico de Brito e José Guilherme (que agiu como avalista de João Alves Rodrigues) “uma contrapartida indireta” por terem ajudado no financiamento do Montepio Geral a pedido de Tomás Correia.
Na prática, era uma espécie de c0mpensação por terem ajudado Tomás Correia, António Pontes e Luís Almeida a obter “um benefício patrimonial de montante não concretamente apurado, traduzindo na manutenção dos cargos que exerciam e correspondente remuneração”, lê-se no despacho de acusação.
É precisamente por isso que a procuradora Maria Isabel Santos, que assina o despacho de acusação datado de 10 de outubro, imputa um crime de abuso de confiança a Tomás Correia e aos restantes quatro arguidos pelo “uso do Finibanco Angola na aquisição de um edifício de que não carecia e nunca utilizou”, tudo para “satisfazer o pagamento dos créditos contraídos para a aquisição das UP’s do Fundo de Participação da Caixa Económica Montepio Geral”, lê-se.
O projeto da nova sede do Finibanco Angola começou a 10 de outubro de 2013, tendo em vista as “perspetivas de crescimento do banco para os próximos cinco anos”. O Conselho de Administração do Finibanco Angola, liderado por Tomás Correia, determinou que o edifício mais adequado para tal projeto era a “Torre Victoria Premium”.
Antes, a 12 de julho de 2013, Paulo Guilherme, Eurico de Brito e o filho deste (cunhado de Paulo) tinham alienado o terreno para o tal edifício, “Torre Victoria Premium”, a uma sociedade chamada Tanara – Investimentos Imobiliários Lda por 41 milhões de dólares (cerca de 35,2 milhões de euros ao câmbio de hoje).
A 13 de dezembro de 2013, precisamente na altura dos créditos concedidos pelo Finibanco Angola a Paulo Guilherme, Eurico de Brito e Maria João Rodrigues para adquirirem UP’s do Fundo de Participação da CEMG, o Finibanco Angola aprovou a aquisição de várias frações da “Torre Victoria Premium” à sociedade Tanara. Foi decidido que seriam adquiridos 12.373,5 m2 pelo valor de 98.988.000 dólares (cerca de 86 milhões de euros ao câmbio de hoje).
Problema? “A aquisição da totalidade da área em questão (…) era manifestamente excessiva, mesmo tendo em consideração cenários de expansão a um horizonte de 10 anos”, lê-se no despacho de acusação. Além de ser desnecessária por várias razões:
- “Já estavam em curso obras para uma nova sede do Finibanco Angola (…) no Edifício Sol Dourado, sito na rua Major Kanhangulo, não muito distante do Banco Nacional de Angola e do Ministério das Finanças”, lê-se no despacho de acusação;
- Foi tida em consideração uma eventual fusão do Finibanco Angola com o Banco de Negócios Internacional (BNI), mas não só este banco tinha inaugurado uma nova sede em 2012, como em 2013 tal hipótese de fusão nunca esteve em cima da mesa, tendo sido analisada em janeiro de 2015 e alvo de uma análise em setembro de 2018. Sendo que “nos seguintes, veio-se a provar que não existia necessidade efetiva das novas instalações por crescimento exógeno”, escreve a procuradora Maria Isabel Santos.
- Mais importante de tudo: o Finibanco de Angola tinha, no final de 2013, cerca de 160 colaboradores e uma rede 15 agências. Se tivermos em consideração o número de funcionários que iriam para a sede, e tendo em conta a área adquirida (que incluía inexplicavelmente habitação), estamos a falar de uma área de cerca de 100 m2 para cada colaborador.
- E o Conselho Geral de Supervisão do Montepio Geral nunca teve conhecimento do negócio.
O contrato veio a ser renegociado pela administração de Félix Morgado, tendo-se reduzido de forma muito significativa a área a adquirir e o valor de aquisição passou de 98,9 milhões de dólares para 48,7 milhões de dólares (cerca de 41,9 milhões de euros ao câmbio de hoje).
Já tinham sido pagos 24,7 milhões de dólares (cerca de 21,2 milhões de euros ao câmbio de hoje). Ainda foram pagos mais cerca de 7,9 milhões de dólares (cerca de 6,8 milhões de euros ao câmbio de hoje) e, em dezembro de 2016, o novo contrato foi mesmo revogado.
Ainda houve uma nova tentativa de acordo mas os nigerianos do Access Bank que vieram a comprar o Finibanco Angola em 2023 não quiseram o imóvel e aceitaram apenas as perdas adicionais com a venda do ativo abaixo de 23 milhões de dólares. O Montepio Geral terá tido um prejuízo de cerca de 35,9 milhões de dólares (cerca de 30 milhões de euros ao câmbio de hoje) com este negócio.
E o Finibanco Angola nunca veio a ocupar um m2 daquele edifício “Torres Victoriam Premium”.