Foi construída em 1902 durante a presidência de Theodore Roosevelt e, ao longo de mais de 120 anos, representou simbolicamente o poder das primeiras-damas norte-americanas. Agora, em menos de uma semana, a Ala Este da Casa Branca foi completamente demolida a pedido de Donald Trump depois de, em julho, o Presidente dos EUA ter anunciado que aquele edifício histórico ia dar lugar a um novo salão de baile no valor previsto de 250 milhões de dólares (cerca de 215 milhões de euros), que entretanto já subiu para os 300 milhões de dólares (cerca de 258 milhões de euros), apesar de o custo total só poder ser garantido quando as obras terminarem. E que deverá vir a ter o seu nome.
“Durante mais de 150 anos, todos os Presidentes sonharam ter um salão de baile na Casa Branca para acolher pessoas para grandes festas e visitas de Estado. Tenho a honra de anunciar que sou o primeiro Presidente a finalmente dar início a este projeto necessário — e com custo zero dos contribuintes americanos!”, escrevia Trump na rede Truth Social, desencadeando uma onda de críticas e chegando mesmo a ser acusado de estar a destruir a Casa Branca. Quanto aos custos, falava de conseguir doações para o projeto.
Apesar de ainda não ter a aprovação das agências governamentais com jurisdição sobre construções em propriedades federais, a administração Trump avançou mesmo assim com a demolição da Ala Este, insistindo que não precisa da aprovação da Comissão Nacional de Planeamento da Capital, o organismo responsável por permitir a construção de obras e grandes renovações em edifícios governamentais na área de Washington, defendendo que tal apenas é necessário para novas construções. Esta sexta-feira, as demolições foram concluídas, deixando a Ala Este reduzida a escombros, apesar de o próprio Trump ter chegado a dizer que o edifício não ia ser totalmente demolido, apenas uma parte.
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Um século de história foi assim apagado para dar lugar a uma nova estrutura que terá capacidade para 999 pessoas e uma área 8.361 metros quadrados, quase o dobro do tamanho do edifício da Casa Branca, e que deverá ficar concluída ainda antes do final do mandato de Trump, em janeiro de 2029. “‘Se a Ala Oeste é a mente da nação, então a Ala Este é o coração'”, disse Anita McBride, antiga chefe de gabinete de Laura Bush, à revista East Wing Magazine, citando a ex-primeira-dama Betty Ford. “As paredes podem ter desaparecido, mas as histórias da Ala Este devem ser preservadas e partilhadas com as gerações futuras.”
De terraço a sinónimo do poder das primeiras-damas
Apesar de a sua história remontar ao início do século XX, a memória da Ala Este da Casa Branca vai ainda uns mandatos presidenciais mais atrás. No século XIX, Thomas Jefferson acrescentou os originais terraços este e oeste ao palácio presidencial, com o primeiro a ser demolido em 1866 e posteriormente reconstruido em 1902, durante a renovação da Casa Branca por Theodore Roosevelt. No entanto, a imagem da Ala Este como a conhecíamos até aos dias hoje é obra de Franklin D. Roosevelt, que, durante a Segunda Guerra Mundial, a mandou aumentar. Em 1942, o arquiteto da Casa Branca Lorenzo Winslow projetou assim uma ala com mais espaço de trabalho e que, ao mesmo tempo, escondesse um bunker subterrâneo. Segundo o New York Times, ainda não é claro se as obras de construção do novo salão de baile de Trump vão afetar o bunker.
Conhecido como Centro de Operações de Emergência Presidencial, o bunker acolheu o vice-presidente Dick Cheney durante o 11 de setembro de 2001 e Donald Trump durante a invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2020. Na época, quando foi construído, “os republicanos do Congresso classificaram a despesa como um desperdício, com alguns a acusarem Roosevelt de usar o projeto para reforçar a imagem da sua presidência” e “a natureza secreta da construção, ligada a fins militares, alimentou ainda mais as suspeitas”, recorda a Associação Histórica da Casa Branca. No entanto, a sua utilidade acabou por acalmar as críticas.
Mas, para além da sua função na proteção da segurança nacional, a Ala Este era ainda sinónimo do poder das primeiras-damas dos EUA. Tudo começou com Eleanor Roosevelt que, à medida que se tornava uma figura mais pública na década de 1930, começou a utilizar o seu escritório na Ala Este como base para ativismo, reuniões e conferências de imprensa. Já durante a era Kennedy, a explosão da atenção dos meios de comunicação sobre a presidência norte-americana levou a que Jacqueline Kennedy expandisse as operações daquela ala para incluir um gabinete de imprensa.
Seguiu-se depois o planeamento de um escritório formalmente dedicado à primeira-dama durante o mandato de Betty Ford que só viria a ser inaugurado em 1977, já sob o olhar de Rosalynn Carter, que passaria a ter o primeiro Gabinete da Primeira-Dama, contratando um chefe de gabinete assim como uma equipa de 18 funcionários responsáveis pela imprensa, pesquisa e outros projetos, recorda a East West Magazine. Até à altura, as primeiras-damas geralmente trabalhavam informalmente na residência, no segundo andar da Casa Branca.
Mais perto dos nossos dias, a Ala Este servia assim como centro para as iniciativas das primeiras-dramas, desde as campanhas de alfabetização de Laura Bush, passando pelo programa “Let’s Move” de Michelle Obama, até ao trabalho de Jill Biden na educação. Já Melania Trump, pouco tempo passou na ala histórica desde início do segundo mandato do marido. Segundo a CNN, o escritório da sua equipa foi afetado pelas obras de demolição, tendo sido transferidos para outro espaço na Casa Branca: o Gabinete da Primeira-Dama e o gabinete social estão agora divididos entre a sala Vermeil, a biblioteca e a sala China. Outros departamentos que tinham escritórios naquela ala foram transferidos para o Edifício Executivo Eisenhower, incluindo o gabinete militar da Casa Branca, o gabinete de visitantes da Casa Branca e o gabinete de assuntos legislativos.
Ainda de acordo com a CNN, o gabinete de Melania Trump recusou comentar quando questionado sobre se a atual primeira-dama tinha alguma reação à demolição da Ala Este. Melania Trump ainda não se pronunciou, contrastando com a postura que manteve durante o primeiro mandato de Trump, no qual se apresentava como uma defensora ativa da preservação da Casa Branca, tendo estado envolvida na restauração do conjunto de móveis Bellangé na Sala Azul e na remodelação do Rose Garden, um jardim no lado sul da Casa Branca.


Entre as funções da Ala Este da Casa Branca estava ainda a entrada de visitantes para visitas públicas, a passagem coberta Colunata Este, que liga à residência principal, o Teatro Presidencial e o Jardim Jacqueline Kennedy, também conhecido como Jardim da Primeira-Dama, que servia como local para receções ao ar livre.
O plano milionário de Donald Trump
É certo que desde a sua construção em 1792, a Casa Branca tem sido alvo de constante evolução, tendo sofrido já várias alterações. No entanto, o salão de baile proposto por Trump vai ser a primeira grande alteração à aparência exterior do edifício nos últimos 83 anos, uma vez que a renovação da Ala Este em 1942 deixou-a com a imagem que conhecíamos até hoje. “Uma mudança tão significativa num edifício histórico desta importância deve seguir um processo de design e revisão rigoroso e deliberado”, escreveu a Sociedade de Historiadores de Arquitetura em comunicado. A verdade é que ainda pouco é conhecido sobre o processo de renovação e sobre como ficará o salão quando estiver concluído, uma vez que o projeto não passou pelo processo de revisão que as renovações da Casa Branca normalmente passam.
De acordo com as imagens divulgadas pela Casa Branca, o projeto proposto para o interior do salão de baile ecoa características do Grand Ballroom no resort de Trump em Palm Beach, Mar-a-Lago. Sabe-se também que vai ter capacidade para quase mil pessoas, vai ser o quase dobro do tamanho do edifício da Casa Branca e terá três vezes mais os lugares sentados que o atual Salão Este, que é o maior espaço para festas na Casa Branca até ao momento. O objetivo é que futuros eventos comecem com cocktails no Salão Este antes de os convidados entrarem naquele que Trump diz que será o melhor salão de baile do país, com vista para o monumento de Washington.


Inicialmente foi avançado que a empreitada teria o custo de 200 milhões de dólares (cerca de 172 milhões de euros), mas, na semana passada, Trump atualizou publicamente para 250 milhões (cerca de 215 milhões de euros). Já esta quinta-feira, o valor da obra subiu para os 300 milhões dólares (cerca de 258 milhões de euros), com Trump a revelar mais tarde no mesmo dia que cerca de 350 milhões de dólares (cerca de 301 milhões de euros) tinham sido arrecadados para o projeto, permanecendo vago sobre sua contribuição pessoal. “Não poderei dizer até terminar mas doarei o que for necessário”, disse, citado na Associated Press.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, atribuiu a demolição e o aumento do custo da construção às mudanças que ocorrem em qualquer obra: “Os planos mudaram quando o Presidente ouviu o conselho dos arquitetos e das empresas de construção, que disseram que, para que esta Ala Este fosse moderna e bonita por muitos e muitos anos, para que fosse uma estrutura verdadeiramente forte e estável, esta fase um em que estamos agora era necessária e o presidente quer fazer o que é certo pela Casa do Povo”.


O Presidente norte-americano tinha, no entanto, garantido que o investimento seria pago totalmente por si e por “generosos patriotas” através de doações. A lista dos doadores foi conhecida esta sexta-feira e incluem tecnológicas como a Amazon, do bilionário Jeff Bezos, a Meta, de Mark Zuckerberg, a Microsoft, de Bill Gates, e a Google, além de mais de uma dezena de magnatas. A lista menciona ainda o investidor Konstantin Sokolov, o financiador republicano Harold Hamm, além da ex-senadora republicana Kelly Loeffler e o marido Jeff Sprecher, diretor da Intercontinental Exchange, detentora da Bolsa de Nova Iorque. Está ainda presente Benjamín León, o magnata nascido em Cuba que foi confirmado na quinta-feira como o novo embaixador dos Estados Unidos em Espanha, depois de ter sido nomeado por Trump no início de 2025.
Os magnatas participaram num jantar oferecido por Trump na semana passada na Casa Branca, em que o Presidente republicano gracejou que o patrocínio “é o preço para ter acesso ao Presidente” e assegurou que a renovação do salão de baile não custaria um tostão ao erário público.

Não é a primeira vez que Trump faz uma remodelação na Casa Branca. Durante o verão, o Presidente dos EUA mandou pavimentar o Rose Garden, mantendo as roseiras mas adicionado mesas com guarda-sóis às riscas amarelas e brancas, imitando, mais uma vez, o pátio em Mar-a-Lago. Já no início do ano, o foco foi a Sala Oval, talvez aquela que tenha sido alvo de uma maior makeover. Ainda antes de Biden sair do edifício, já os funcionários a cargo da manutenção da Casa Branca tinham posto mão naquela sala usada frequentemente por Trump para reunir com líderes mundiais.
O maximalismo e ostentação tomaram assim conta da Sala Oval, com o dourado a dominar. Praticamente todas as prateleiras e superfícies passaram a estar adornadas com bandeiras, estátuas e ornamentos, tudo em dourado. Há sete estátuas em vermeil (um tipo de prata dourada) sobre a lareira, medalhões dourados aplicados na parede, águias douradas nas mesas de apoio e espelhos dourados de estilo rococó nas portas. Também os dois candeeiros, outrora de cerâmica, foram trocados por dois outros dourados. Quanto às paredes, passaram a ter 20 quadros, ao invés dos seis de Biden, de antigos Presidentes dos EUA, todos expostos em molduras, lá está, douradas.









