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(A) :: Violência, tráfico de droga e até canis ilegais. O passado de William Byrne, o perigoso escocês apanhado pela PJ em Boliqueime

Violência, tráfico de droga e até canis ilegais. O passado de William Byrne, o perigoso escocês apanhado pela PJ em Boliqueime

William tinha menos de 25 anos quando se tornou num dos barões mais perigosos do Reino Unido. Depois de dois anos em fuga, foi apanhado pela PJ. Suspeitas, ligadas ao tráfico de droga, são extensas.

Miguel Pinheiro Correia
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Com pouco mais de 20 anos, o jovem William Byrne já era um dos mais perigosos barões de droga da Escócia. Sem sujar as mãos, assumiu o “papel principal” numa rede de tráfico de droga e conseguiu acumular milhões (de libras) ao longo de vários anos. Para escapar à justiça, fugiu do Reino Unido e estava escondido em Boliqueime até ser detido na terça-feira pela Polícia Judiciária.

“A Polícia Judiciária, através da Diretoria do Sul, localizou e deteve, em Boliqueime, um dos homens mais procurados no Reino Unido e sobre o qual recaem fortes suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa e de tráfico ilícito de estupefacientes. (…) Na atividade criminosa no Reino Unido, são ainda conhecidos episódios de violência e fuga às autoridades com tentativas de atropelamento”.

A relação com Portugal era antiga. Antes desta passagem recente pelo sul de Portugal, William “viajava muito para Lisboa”, apurou o Observador junto de fonte da PJ. As autoridades acreditam que o barão, agora com 40 anos, chegou ao Algarve há cerca de dois anos.

“Suspeita-se de que (…) lideraria a organização desde Portugal (…). Pensamos que estaria cá, agora nesta fase, escondido, (…) porque sabia que tinha um mandado de detenção no seu país e tinha mandado detenção internacional. Seria esta a primeira razão para estar aqui”, disse em declarações aos jornalistas o diretor da Diretoria do Sul da PJ, Fernando Jordão.

https://observador.pt/2025/10/23/pj-detem-no-algarve-um-dos-homens-mais-procurados-no-reino-unido-e-suspeito-de-liderar-rede-internacional-de-trafico-de-droga/

Nos últimos 20 anos, o escocês — que chegou a viver numa casa de 400 mil euros, apesar de declarar poucos vencimentos — também se dedicou à venda de armas e chegou a liderar uma associação de cães que foi investigada por criação ilegal para venda.

“Estamos a falar de uma pessoa que liderava um grupo de tráfico de droga, nomeadamente cocaína e haxixe, também alguma heroína, e que se representava, ou que se relacionava, com outros grupos que possivelmente atuavam noutros países europeus, também nesse âmbito”, acrescentou o diretor Fernando Jordão.

Quando foi intercetado, o barão tentou uma última vez evitar a detenção e, sabe o Observador, procurou fugir. Porém, quando se tornou evidente para William Byrne que seria impossível escapar à detenção, não ofereceu resistência.

Desde tenra idade a liderar o tráfico na Escócia. Sem sujar as mãos, acumulou milhões e passou despercebido

Nascido na cidade costeira de Wemyss Bay, a 50 quilómetros de Glasgow, William começou a fazer manchetes na imprensa local em 2009, quando foi detido. Tinha então 25 anos e era um dos principais alvos de uma grande investigação da agência de combate ao crime e tráfico de droga escocesa (SCDEA, na sigla em inglês).

Mais de um ano depois, foi condenado em tribunal, onde assumiu o seu envolvimento numa rede de tráfico de droga, com negócios que ocorreram entre janeiro e agosto de 2008. Mas, para os investigadores, William não era apenas mais um no esquema — ele desempenhava o papel principal. “Esteve envolvido no fornecimento de cocaína durante mais de sete meses, e fê-lo por dinheiro. (…) Era, obviamente, o ator principal, apesar de o seu histórico até agora ser pequeno”, disse-lhe o juíz Hugh Matthews, citado pela BBC, durante a leitura da sentença.

As autoridades não têm dúvidas do maior envolvimento de William na rede de tráfico, mas a sua posição discreta tornava-o um alvo mais inacessível para a investigação. “Era pouco provável ele ser encontrado na posse de qualquer quantidade substancial de drogas”, disse um investigador em tribunal.

A rede comprava cocaína na República Dominicana e trazia-a a para a Escócia, onde era distribuída por inúmeros traficantes. “Byrne envolveu um grande número de pessoas na sua atividade criminosa para evitar sujar as mãos”, acrescentou o investigador. Sem ser visto no terreno, o escocês comandava uma extensa rede de ‘mulas’ (como são conhecidas os elementos das redes de tráfico que transportam droga) que não se limitava ao Reino Unido.

Sem conseguir chegar a provas de que William estava efetivamente envolvido no esquema — e que convicta de era ele quem liderava toda uma rede de tráfico —, a polícia seguiu as pistas do dinheiro. Em tribunal, as contas suspeitas foram reveladas: o barão dizia ter amealhado pouco mais de 5 mil euros entre 2002 e 2010. No entanto, tinha uma casa avaliada em 400 mil euros e conduzia vários carros de luxo, incluindo da BMW e da Mercedes.

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“Através da nossa investigação, conseguimos reunir provas substanciais que enquadram a extensão do seu envolvimento na liderança de uma rede de tráfico de droga de larga escala”. O escocês foi detido em casa depois de um polícia infiltrado ter conseguido apanhar 1.500 quilos de cocaína no valor de 250 mil libras — no total, a megaoperação de combate ao tráfico de droga levou à condenação de 15 criminosos, incluindo William, todos ligados à rede avaliada em oito milhões de euros. Vários dos detidos assumiram que trabalhavam como ‘mulas’ de droga.

As autoridades escocesas acreditam que o barão não se contentou com o tráfico de cocaína. Com a experiência, associou-se ao tráfico de heroína, canábis e até de armas, revelou o jornal escocês Daily Record.

Em 2o23, uma investigação da BBC sobre a criação e o tráfico ilegal de cães — sobretudo bulldogs franceses e ingleses — identificou uma associação envolvida neste esquema que é liderada, precisamente, por William Byrne. O “traficante condenado” é um dos diretores da ABKC, empresa onde a polícia encontrou heroína dissimulada em 160 caixas de comida de cão.

Apesar do historial, o escocês foi conseguindo escapar à justiça e só voltou a ser mencionado nas notícias agora, quando foi apanhado pela Polícia Judiciária.

Escocês continuou a liderar tráfico de droga a partir de Boliqueime. Quando foi detido ainda tentou fugir, mas não ofereceu resistência

William passava várias vezes por Portugal, apesar de não ter no território nacional “familiares ou amigos” conhecidos pela PJ. A viagem que fez “há cerca de dois anos” já não seria passageira. Pouco antes de ser emitido um mandato de detenção internacional em seu nome, “conseguiu viajar e passar no controlo de fronteiras”, contou ao Observador fonte da PJ.

Habituado a trabalhar nas sombras, o facto de estar escondido em Boliqueime não o impediu de continuar a desempenhar o seu papel de líder da rede de tráfico.  “Suspeita-se de lideraria a organização desde Portugal”, assumiu o diretor da PJ do Sul, que falou num grupo “bastante violento” com historial de homicídios e fuga à polícia. Aproveitava o anonimato conseguido com um passaporte irlandês — que as autoridades suspeitam ser falso — para, a partir do Algarve, viajar para outros pontos da Europa.

Apesar de estar refugiado no Algarve, a PJ esclareceu ao Observador que não é conhecida atividade de tráfico em ou para Portugal, mesmo reconhecendo a extensão europeia do grupo. “Era uma organização enraizada no Reino Unido”, sustentou uma fonte com conhecimento da investigação. “Sabemos uma das casas onde estaria, mas não era a única. Era uma pessoa que se movimentava atendendo que andava fugido”, reforçou Fernando Jordão.

Os investigadores também acreditam que William estava em Portugal sozinho, não sendo conhecidos membros portugueses do grupo criminoso. Vivia numa casa menos luxuosa do que as moradias onde chegou a viver e que levaram as autoridades e ter suspeitas sobre a sua verdadeira atividade. Quando foi detido, o escocês conduzia um carro e ainda tentou fugir, mas não oferecer resistência.

“A detenção do suspeito, com 40 anos, ocorreu no contexto da cooperação policial internacional com a National Crime Agency (NCA) do Reino Unido, no cumprimento de um mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades judiciárias do Reino Unido”, escreveu a PJ em comunicado.

“Os nossos colegas do Reino Unido estão numa investigação centrada na rede [de tráfico de droga] e nós vamos dar o nosso contributo sobre o que se terá passado no nosso país”, sintetizou o responsável da PJ. Presente a um juiz do Tribunal da Relação em Évora, William foi colocado em prisão preventiva no EP de Beja, enquanto aguarda a extradição para a Escócia.