Jorge Pinto anunciou que será candidato à Presidência da República, mas ainda não tem o apoio oficial do Livre. O deputado reuniu-se com a direção do partido esta terça-feira para comunicar a decisão de entrar na corrida a Belém e, de seguida, enviou uma mensagem a membros e apoiantes do Livre a dar conta da sua candidatura. No entanto, o seu nome deverá ainda ir a votos internamente antes de receber o apoio formal do partido — algo que tinha sido prometido pelo Livre e que o próprio candidato quer que aconteça.
Ao longo dos últimos meses, o Livre tem vindo a prometer a realização de umas eleições internas para os membros de base poderem escolher o candidato que apoiam, tal como aconteceu nas duas últimas presidenciais. Há pouco mais de um mês, Rui Tavares chegou mesmo a sugerir a realização de umas primárias com todos os partidos de esquerda. No domingo passado, a Assembleia do Livre (órgão máximo entre congressos) agendou “com urgência” um debate sobre presidenciais que se realizará na próxima segunda-feira. Sem esperar por esse momento, Jorge Pinto avançou como candidato em nome próprio, provocando críticas internas.
Ricardo Sá Fernandes, antigo membro da comissão de Ética do Livre, disse ao Observador que preferia “que o partido tivesse organizado um debate interno sobre a questão das presidenciais antes que um dos membros da sua direção, e deputado, tivesse apresentado a sua candidatura”. Avançou também que vai apoiar António José Seguro, que considera ser o único candidato à esquerda “que ainda tem hipótese“. Com este quadro, surgem dúvidas sobre se o Livre poderá dispensar desde já a realização de primárias e, caso não o faça, quais os nomes que nelas serão incluídos.
“Metodologia” definida esta segunda-feira
O Livre anunciou que a reunião marcada para a próxima segunda-feira vai definir o “calendário e metodologia do processo de decisão para apoio a candidatura presidencial”. A Assembleia do Livre tem uma primeira decisão em mãos: apoiar de imediato Jorge Pinto ou realizar umas eleições primárias para que as bases do partido possam ser incluídas no processo de escolha do candidato. Sendo que o partido (e o próprio Jorge Pinto) têm vindo a prometer a realização dessa auscultação interna, é expectável que a mesma se venha a realizar. A não realização de primárias — que são imagem de marca do partido — ou o sonegar de nomes de esquerda que os dirigentes já tinham prometido incluir, poderiam, aliás, levar a um novo caso Paupério (em que a democracia interna, ou a falta dela, foi contestada e publicamente exposta).
Depois de já ter anunciado a candidatura, Jorge Pinto disse ser a favor de apenas ser apoiado formalmente depois de serem ouvidos os membros e simpatizantes do Livre.Contudo, fonte do partido alerta que os estatutos do Livre não obrigam a tal e, sendo a primeira vez que o partido tem um membro do próprio partido a candidatar-se à Presidência, a lógica poderá ser diferente de anos anteriores. Portanto, a decisão ainda está em cima da mesa e será tomada pela Assembleia do Livre na próxima segunda-feira.
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Além disso, é importante sublinhar que as votações resultantes das consultas internas do Livre não são vinculativas. Ou seja, a direção do partido pode entender contrariar o resultado dumas primárias se assim entender, ainda que tal nunca tenha acontecido na história do Livre. Ainda que não pareça ser um cenário provável, a direção pode escolher declarar apoio oficial à candidatura de Jorge Pinto, mesmo se essa não for a alternativa mais votada numas eventuais primárias. Isso ainda lhe retiraria mais legitimidade democrática que não realização de primárias.
Por fim, a última questão que deverá ser acertada na reunião de segunda-feira diz respeito às perguntas a ser apresentadas aos membros e simpatizantes, em caso de referendo. Neste aspeto as alternativas também são duas, segundo sugere uma fonte do partido. À semelhança das primárias no Livre para as presidenciais de 2016 e 2021, a primeira pergunta deverá ser se o Livre deve apoiar um candidato presidencial. Depois, ou será feita a pergunta “Se sim, esse candidato deve ser Jorge Pinto?” ou a pergunta “Se sim, qual o candidato que deve apoiar?”, apresentando-se, de seguida, uma lista de potenciais candidatos decididos em Assembleia.
Que outros nomes podem surgir?
Em junho, o próprio Jorge Pinto chegou a sugerir que António Filipe, candidato apoiado pelo PCP, poderia ser um dos nomes levados a votos nas primárias do Livre. Nessa altura, em que António Sampaio da Nóvoa ainda não se tinha colocado fora da corrida e havia reais expectativas que surgisse um nome suprapartidário à esquerda, o deputado dava a consulta das bases como garantida.
O agora candidato a presidente ao Expresso que seriam incluídos nas primárias todos os nomes que estivessem na “órbita política” do Livre. Seguindo esta lógica, no caso de se decidir incluir António Filipe nessa lista, os nomes de Catarina Martins, candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, e António José Seguro, apoiado pelo PS, também seriam certamente apresentados como opção nas primárias.
Além destes, poderão ainda ser incluídos outros nomes que não anunciaram para já candidaturas a Belém e não são apoiados por outros partidos. Entre estes poderão estar os três nomes sugeridos por Fernando Lino, candidato do Livre à Câmara de Peniche, no último congresso do partido: a jornalista Alexandra Lucas Coelho, o musicólogo e professor universitário Rui Vieira Nery e a antiga magistrada do Ministério Público Maria José Morgado. Porém, nenhum destes reagiu ao apelo feito há mais de um mês.
Sá Fernandes “teria defendido” apoio a Seguro
Ainda que a decisão do apoio oficial a Jorge Pinto ainda não tenha sido tomada, há quem lamente que um membro da direção se tenha proposto avançar sozinho antes de um debate interno sobre o que fazer nas presidenciais. Ricardo Sá Fernandes diz ao Observador que, se esse debate tivesse ocorrido, “teria defendido nas instâncias do partido que o LIVRE deve apoiar a candidatura de António José Seguro”.
Isto porque considera que o antigo Secretário-geral do PS “sendo um democrata e um homem digno, é o único candidato à esquerda que ainda tem hipótese de chegar à segunda volta e de ser eleito“. “Essa política de unidade da esquerda tem estado na matriz do LIVRE. Infelizmente não foi esse o caminho seguido”, acrescenta.
O antigo membro da comissão de Ética do Livre esclarece que tem o “maior apreço” por Jorge Pinto e que desejará ao deputado o “maior sucesso eleitoral” caso o partido decidir apoiar formalmente a sua candidatura. “No contexto do país, não me parece que a sua candidatura seja a melhor solução para o partido, para a esquerda e para o país”, aponta. “Em consciência, perante as alternativas existentes, apoiarei António José Seguro.”
As experiências de 2016 e 2021
Em ambas as presidenciais realizadas desde a fundação do Livre, o apoios oficial do partido foi feitos após eleições primárias. Contudo, esta é a primeira vez que existe nessa situação um grupo parlamentar do Livre e há outro fator que torna estas eleições diferentes: tanto em 2016 como em 2021, o partido não tinha nenhum militante que se tivesse chegado à frente.
Em 2016, 80% dos votantes foram a favor de que o Livre declarasse o apoio a um candidato e, entre esses, 87% votaram no apoio a António Sampaio da Nóvoa. As outras opções apresentadas eram todas de pessoas que tinham anunciado candidaturas independentes às eleições: Paulo Morais (teve 7,1% dos votos nas primárias), Henrique Neto (4%), Graça Castanho (0,3%) e Cândido Ferreira (0,2%). Em 2021, 91% dos votantes eram a favor de apoiar alguém nas presidenciais e, entre esses, 89% votaram em Ana Gomes. A única alternativa que recebeu uma votação expressiva foi Marisa Matias, apoiada pelo Bloco de Esquerda, que recebeu 10% nessas primárias.