Os estrangeiros estão a pagar, de acordo com os valores medianos calculados pelo INE, mais 62% no momento de comprar uma casa na Grande Lisboa – e mais 29% na Área Metropolitana do Porto. Os dados do organismo estatístico, referentes ao segundo trimestre, mostram que este é um dos efeitos a contribuir para a aceleração cada vez maior dos preços não só nos maiores centros urbanos mas, também, a nível nacional. Neste mesmo segundo trimestre, entre abril e junho, os preços das casas em Portugal saltaram 19% na comparação com o mesmo período anterior.
Esta variação global dos preços, de 19%, traduz uma aceleração ligeira face ao aumento (também homólogo) de 18,7% no primeiro trimestre. É, também, o valor mais elevado desde, pelo menos, 2019, ano em que se iniciou a série que calcula o valor mediano das transações imobiliárias, com base em dados da administração fiscal e outros.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) indica que os compradores com morada fiscal em Portugal pagaram 3.358 euros por metro quadrado (na mediana) na Grande Lisboa, ao passo que os “estrangeiros” pagaram 5.438 euros por metro quadrado. Na Área Metropolitana do Porto, o residente nacional pagou 2.268 euros e o estrangeiro chegou aos 2.925 euros por metro quadrado.
A nível nacional, em termos globais, a diferença ronda os 35%.
O que é a "mediana" dos preços? É o mesmo que a média?
O cálculo da mediana é diferente da média porque a mediana olha para um conjunto de valores (os preços a que foram compradas as casas) e procura o valor que fica exatamente no centro, entre a transação mais barata e a mais cara.
Já a média, por outro lado, soma todos os preços e divide pelo número de transações.
O exercício comparativo tem limitações. Alguém que é descrito como um comprador com “domicílio fiscal no estrangeiro” pode, na realidade, ser um português que, por alguma razão profissional ou outra, tem a morada fiscal fora do país. E, por outro lado, alguém que aparece como um residente com domicílio fiscal em Portugal pode ser um estrangeiro no país há poucos anos mas que, entretanto, já passou a morada para Portugal e comprou a casa usando um NIF português.
Por outro lado, a análise também não faz distinção entre casas maiores e casas com tipologias menores. O Observador pediu ao INE dados que permitam acrescentar esse nível de análise, mas não obteve resposta até à publicação deste trabalho. Também não existe uma destrinça por zonas mais específicas que permita perceber melhor onde é que os estrangeiros estão a ter um impacto maior.
Portugueses “estão muito ativos” e compram casas mais caras
A tendência de os estrangeiros comprarem casas mais caras, em média, não é nova. Mas está a tornar-se cada vez mais notória à medida que o ano avança: no primeiro trimestre o valor mediano pago pelos estrangeiros na Grande Lisboa tinha sido 52,5% maior do que o dos portugueses. No Porto, porém, houve uma pequena desaceleração face aos 32,3% do primeiro trimestre.
“É normal que a mediana dos preços seja mais alta nos estrangeiros, já que em Portugal temos imigrantes com grande poder de compra – norte-americanos, brasileiros etc… – que tendencialmente procuram casas mais caras e em zonas mais centrais ou premium“, afirma João Cília, presidente executivo da consultora Porta da Frente Christie’s, em declarações ao Observador, por telefone.
“Há um outro tipo de imigrante no país, que vem para trabalhos mais manuais, mas esses não compram casas, pelo que o fenómeno acaba por se centrar nos estrangeiros mais ricos”, acrescenta o especialista.

A convicção de João Cília é que estes números não significam que os estrangeiros estejam, de alguma forma, a contribuir para “puxar” para cima os preços das casas: “são segmentos completamente diferentes“, justifica.
A “grande parte da justificação para esta diferença tem a ver com o facto de os estrangeiros comprarem mais casas nas zonas mais valorizadas”, explica o responsável, acrescentando que “os portugueses também estão muito ativos na compra de casa nos últimos anos, incluindo em segmentos já considerados affluent, ou seja, entre cinco e seis mil euros por metro quadrado”. A descida das taxas de juro está a ser decisiva para essa maior participação dos portugueses, destaca.
“É claro que, quando se vai para segmentos mais elevados, para os 10 mil euros por metro quadrado – isto é, um apartamento com 100 metros quadrados por um milhão de euros – aí os estrangeiros já têm um peso muito maior e é isso que justifica este efeito aritmético“, acrescenta João Cília.
Mas no caso dos portugueses, afirma, embora continue a ser difícil para muitos comprar a primeira casa, quem já tem uma casa (e beneficiou da valorização) está agora, em muitos casos, a “aproveitar algo mais novo ou com maiores áreas, mesmo que mais longe dos centros urbanos”.
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Por outro lado, Patrícia Barão, sócia e líder da divisão de imobiliário residencial da Dils Portugal, sublinha que “o ticket [preço por transação] médio dos compradores estrangeiros é, por norma, superior ao dos portugueses, mas estes compradores representam apenas cerca de 6% do total de transações“, sublinha a especialista, notando, por outro lado, que os dados do INE mostram que “88% das aquisições se destinaram a habitação própria, desmistificando a ideia de que o crescimento do mercado se deve apenas a investidores”.
João Cília complementa, aliás, com outra ideia. Ao mesmo tempo que os portugueses estão “mais ativos”, incluindo em empreendimentos com valores mais elevados – “como aquelas novas construções em Miraflores, Dafundo, Alta de Lisboa, Loures” – nota-se que os estrangeiros continuam a pagar mais pelas casas, em média, mas estão um pouco menos ativos.
A partir do seu contacto com o mercado, no terreno, o presidente executivo da Porta da Frente Christie’s diz que, “em parte devido às mudanças no regime dos Residentes Não-Habituais (RNH), no mercado dos estrangeiros há um crescimento de preço bastante mais suave do que há no mercado global, que não está a ser nada suave“.
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Esse ritmo “nada suave” de crescimento dos preços das casas em Portugal, a que João Cília se refere, está refletido nos dados divulgados nesta quarta-feira pelo INE. Os preços das casas em Portugal “saltaram” 19% no segundo trimestre, no valor mediano, e o número de transações continua a aumentar a um ritmo elevado: 15,6%.
Burocracia “pode travar as boas intenções” do Governo
No segundo trimestre de 2025, afirma o organismo estatístico, “o preço mediano dos 41.608 alojamentos familiares transacionados em Portugal foi 2.065 euros por metro quadrado”, o que traduz uma “variação de 19,0% em relação ao segundo trimestre de 2024″. É uma ligeira aceleração face ao crescimento, também homólogo, do primeiro trimestre – que tinha sido de 18,7% (face ao primeiro trimestre de 2024).
Olhando para estes dados, Patrícia Barão diz que é “evidente o paradoxo: apesar da escalada de preços, a procura mantém-se robusta, evidenciando que a oferta não acompanha as necessidades do país”. “Continuamos a viver com um défice estrutural de habitação, especialmente no segmento acessível”, acrescenta.
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A responsável da Dils Portugal considera que “a recente mobilização de investimento público e europeu, assim como outras medidas anunciadas pelo Governo redução de IVA, deduções fiscais para rendas, parcerias público privadas e sociedades municipais para gerir património são passos estratégicos e sinais positivos“.
Porém, “é preciso perceber os timings e garantir que as intenções se traduzam em resultados concretos”, afirma Patrícia Barão, avisando que “sem execução célere, simplificação de processos e confiança entre o Estado e os investidores, corremos o risco de ver boas intenções travadas pela burocracia”.
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Gaia, Coimbra e Amadora aceleram mais do que o resto do mercado
Os dados do INE mostram que, neste segundo trimestre de 2025, os preços da habitação aceleraram em 19 dos 24 municípios com mais de 100 mil habitantes (no primeiro trimestre tinham sido 16). Os municípios de Vila Nova de Gaia (mais 13,4 pontos percentuais do que o crescimento global), Coimbra (mais 12,7 pontos) e Amadora ( mais 10,9 pontos percentuais) estiveram em destaque.
Por outro lado, a maior diminuição na taxa de variação homóloga ocorreu no município de Cascais (menos 6,6 pontos percentuais). Ou seja, os preços continuaram a subir mas de forma mais lenta do que o mercado nacional.
Mas os preços continuam a acelerar em quase todo o lado, nesta análise por concelhos. “Os municípios de Lisboa e do Porto registaram acréscimos de 4,2 pontos percentuais e 4,9 pontos percentuais nas taxas de variação homólogas”, na comparação entre o primeiro trimestre e o segundo, afirma o INE, acrescentando que “os municípios de Lisboa (4.865 euros/metro quadrado), Cascais (4.346 euros/metro quadrado), Oeiras (4.161 euros/metro quadrado), Porto (3.309 euros/metros quadrado), Odivelas (3.219 euros/metro quadrado) e Almada (3.101 euros/metro quadrado) apresentaram os preços da habitação mais elevados”.
Freguesias de Lisboa. Marvila "corrige", Beato acelera
Na análise ainda mais fina, por freguesias, nos 12 meses terminados em junho de 2025, entre as 24 freguesias de Lisboa, as seguintes destacaram-se por apresentarem os preços medianos de habitação mais elevados, superiores a 5.300 euros/metro quadrado: Santo António (6.031 euros/metro quadrado), Parque das Nações (5.840 euros/metro quadrado), Campo de Ourique (5.528 euros/metro quadrado), Estrela (5.487 euros/metro quadrado) e Misericórdia (5.340 euros/metro quadrado).
A freguesia do Beato registou o maior crescimento na mediana do preço da habitação em relação ao trimestre homólogo (32,3%). Em sete das 24 freguesias do município de Lisboa o preço mediano das vendas foi inferior ao verificado no trimestre homólogo, salientando-se com os decréscimos mais significativos as freguesias de Marvila (-16,9%) e Areeiro (-12,7%).
Marvila mantinha-se entre as freguesias com maior valorização em toda a cidade mas, nesta fase, parece estar a enfrentar alguma “correção” nos preços, ao passo que o vizinho Beato está, agora, a notar um aumento mais rápido dos preços.