Numa entrevista gravada a poucas horas de ser escolhido como novo líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Mário Amorim Lopes não é tão taxativo no que toca à composição de executivos camarários. O também vice-presidente dos liberais diz que as linhas vermelhas “devem ser com políticos e não propriamente com os partidos”, dando autonomia aos eleitos para escolherem se aceitam ou não pelouros em executivos com o Chega mas avisando que a IL não recebeu votos para “virar as costas” aos eleitores.
Em entrevista ao Sofá do Parlamento, no Observador, Mário Amorim Lopes, que é também vice-presidente de Mariana Leitão na Iniciativa Liberal, admite que a viabilização da lei que proíbe a utilização de burqas exige “a um liberal” uma reflexão aprofundada, admitindo que a proposta do Chega precisa de ser trabalhada para ganhar robustez.
A olhar para as presidenciais, coloca as fichas em Cotrim Figueiredo e olha para os números das sondagens numa linha de crescimento que podem conduzir o ex-presidente liberal a uma segunda volta. Já no que toca à discussão do Orçamento do Estado, que arranca esta semana no Parlamento, segue a bitola da líder. Se a proposta inicial não tiver grandes mudanças, a viabilização seria “um favor ao PSD e um desfavor ao país”, preparando-se para rejeitar o documento proposto pelo Governo de Luís Montenegro.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com Mário Amorim Lopes]
https://observador.pt/programas/o-sof-do-parlamento/sem-a-il-em-muitas-autarquias-o-psd-nao-tinha-ganho/
A presidente da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, fez um balanço muito positivo das eleições autárquicas mas o antigo presidente, Carlos Guimarães Pinto, diz que não foi um bom resultado. A Iniciativa Liberal estabeleceu objetivos baixos para também não defraudar expectativas?
Não definimos objetivos baixos. O nosso objetivo era triplicar a implantação autárquica e a verdade é que o conseguimos fazer. Conseguimos também, em alguns locais, Castelo Branco, Braga, eleger vereadores diretamente, sem ser necessário qualquer tipo de coligações. A propósito, quando se fala muito de termos ido coligados com o PSD, acho que seria importante também marcar que há muitos concelhos de Portugal onde o PSD não teria ganhado o executivo se não fosse graças à Iniciativa Liberal. Geralmente é apresentado num outro ângulo mas o reverso é totalmente verdade. Isso responde também à questão sobre a diferente visão que a Mariana ou o Carlos têm. São ambas possíveis, ou seja, tendo em conta o resultado de 2021, temos um aumento expressivo da nossa presença autárquica. Eu e toda a Iniciativa Liberal somos muito ambiciosos para o nosso partido.
Mas o facto de avançar com a coligação com o PSD em Lisboa, no fundo, não é assumir o erro cometido há quatro anos, em que a Iniciativa Liberal foi sozinha?
Não, as circunstâncias, creio que são diferentes. Carlos de Moedas teve quatro anos em que mostrou algum do seu trabalho e das ideias que tem para a cidade e, mais do que isso, percebeu-se que estava bloqueado. O que se coordenou desta vez foi um projeto comum com as nossas ideias, os nossos vereadores e com uma presença muito sólida da Iniciativa Liberal no executivo de Lisboa. Vamos ter oportunidade para deixar uma marca e seremos, e deveremos ser julgados e responsabilizados por isso, daqui a quatro anos. Nas várias cidades em que temos presença, no Porto, em Sintra, numa série delas, será possível as pessoas olharem e verem a marca da IL.
Estamos numa fase de construção dos executivos. Em todas as autarquias em que o PSD distribua responsabilidades pelo Chega, a Iniciativa Liberal deve saltar fora e não aceitar pelouros?
O que é necessário definir são linhas vermelhas às propostas não é propriamente aos partidos. Quanto ao Chega, está na hora de reconhecer que uma quantidade muito considerável de pessoas votou no partido e que democraticamente é um partido tão válido como qualquer outro. Politicamente, ideologicamente, temos grandes reservas em relação ao Chega, como temos em relação ao PCP, ao Bloco de Esquerda, mas no final do dia as Câmaras não podem ficar ingovernáveis. Os portugueses votaram como votaram, temos agora, com essas regras de jogo, de fazer a política com o que existe. O que temos de definir são, sobretudo, linhas vermelhas do ponto de vista da atuação política, de ideias e de projetos.
Vamos imaginar o caso de Lisboa. Se houver uma oferta de um pelouro a Bruno Mascarenhas, a Iniciativa Liberal fica ou sai?
Não me vou comprometer pelos vários concelhos. Não fui eleito vereador. Os eleitos, sim, têm a legitimidade para decidir. Agora, o caminho, que me parece razoável é que se definam linhas programáticas, aquilo que para a IL é inaceitável. Fizemos junto dos nossos parceiros, do PSD e do CDS ou até com o PAN em Sintra, definimos linhas claras do que queríamos que fosse feito e do que não era aceitável. É nesse pressuposto que os diferentes vereadores trabalharão.
Sendo sempre mais confortável não atribuir pelouros e ir negociando caso a caso?
Essa, uma vez mais, é uma decisão que não é minha. A nossa posição de princípio e negocial foi definida nos programas eleitorais autárquicos e está lá bem definida. É sobre isso que iremos reger-nos e não sobre a presença de A, B ou C que possam fazer parte de um executivo em que a IL vira costas e abandona. As pessoas votaram na IL na convicção de que estaremos à altura e, por isso, trabalharemos com todos em prol da cidade, seja ela qual for.
E acha que o partido vai conseguir conquistar uma autarquia nas próximas eleições, daqui a quatro anos?
Estamos a trabalhar para isso. A implantação autárquica é um trabalho moroso. É preciso estar no terreno e a IL sendo um partido recente e tendo mais critério a aceitar os candidatos e a formar listas do que outros partidos também recentes, é, de facto, um trabalho mais moroso. Mesmo em distritos onde tivemos bons resultados nas legislativas, em alguns concelhos desses distritos não conseguimos ser eleitos. Os nossos autarcas vão fazer um excelente trabalho e tenho a certeza que as pessoas vão reconhecer esse trabalho e perceber que a Iniciativa Liberal, em termos executivos, no poder local, tem boas ideias e bons projetos para as cidades e isso, certamente, vai posicionar-nos bem para podermos ganhar uma Câmara Municipal.
Presidenciais. “Sem Cotrim Figueiredo estava inclinado a votar Seguro”
João Cotrim Figueiredo aparece muito atrás dos quatro candidatos com mais intenções de voto nesta altura. Compensa ir a jogo só para dar uma espécie de prova de vida?
Não é para dar uma prova de vida. O João [Cotrim Figueiredo] apareceu com 6% na primeira sondagem, já vai em 10% e os debates ainda não começaram. Muita gente já conhece João Cotrim Figueiredo, que já foi presidente da Iniciativa Liberal, apresentou-se a várias eleições, também nas europeias, com excelentes resultados, e ainda mais gente conhecerá, certamente, quando começar a campanha oficial e quando tivermos os debates. Esta trajetória de 6 para 10, pode terminar nos 15% ou nos 20% ou nos 25%. Não acho de todo impensável que o João [Cotrim Figueiredo] vá à segunda volta, pelo contrário. Não é apenas para marcar presença, de todo. É uma candidatura que foi para preencher um espaço que não existia.
E, num cenário em que Cotrim Figueiredo não consiga passar à segunda volta, em quem é que o Mário Amorim Lopes vai votar e quem é que a Iniciativa Liberal devia apoiar?
Obviamente não vou comprometer o partido nessa decisão, porque é individual. Antes da entrada do João Cotrim Figueiredo, disse em privado e não tenho problema nenhum em dizer em público, que estava muito inclinado para votar António José Seguro. Apesar de ser uma figura do quadrante do Partido Socialista, é do quadrante mais desempoeirado, arejado, mais do centro, não de esquerda. Aliás, por isso é que tanta gente no PS que não gosta de António José Seguro. Para além disso, é uma pessoa que é previsível, o que, olhando para a atuação do atual Presidente da República, essa previsibilidade é positiva.
Se perceberem, a certa altura, que João Cotrim Figueiredo não tem hipótese de passar a uma segunda volta, devem desistir da corrida?
Neste momento tudo sugere o oposto. O João Cotrim Figueiredo está a crescer cada vez mais, do ponto de vista de sondagens, de visibilidade pública e cada vez mais as pessoas se apercebem que é uma hipótese muito válida de um candidato presidencial sério, muito ambicioso, com um grande projeto de esperança para o país, e que não é mais do mesmo. Acho que esse cenário, sinceramente, não se coloca.
Ocultação do rosto no espaço público. “A reflexão sobre o sentido de voto não foi trivial”
A Iniciativa Liberal votou a favor da proposta para proibir a ocultação do rosto em espaços públicos. Que alterações é que devem agora ser feitas na especialidade para evitar que não existam problemas constitucionais?
Essa pergunta seria melhor direcionada a um jurista ou alguém especializado em direito constitucional, que saberá melhor o que é que pode ferir a Constituição. A própria reflexão do sentido de voto, para mim, não foi trivial. Para alguém, por exemplo, do Chega, é muito mais simples.
Causou muita estranheza a forma como a Iniciativa Liberal votou
Não é essa a questão. Para um partido como o Chega é fácil tomar posição sobre o assunto porque isto “é uma coisa lá que os muçulmanos fazem e como vêm lá de longe, não gostamos muito deles, é para proibir”. Na perspetiva de um liberal, temos de equacionar várias questões. A liberdade individual, sim, para cada um se vestir como entender e o Estado não ter de definir como é que cada um se veste. Só que a questão é muito mais complexa do que isto. A burqa é um símbolo de opressão. Não é equiparável, por exemplo, a uma cruz cristã. Há muitos países muçulmanos que proíbem a burqa. Aliás, o país onde é obrigatório é o Afeganistão talibã, portanto, é efetivamente um símbolo de opressão. Mais do que isso, não põe em causa a liberdade religiosa, porque se assim fosse os homens não poderiam professar a religião islâmica, porque não usam burqa. Não me parece que seja um argumento de liberdade religiosa. Ou seja, não é apenas uma questão de liberdade individual. Há direitos humanos em causa.
É uma questão de segurança e direitos das mulheres?
O argumento da segurança não é o que uso e que acho que seja tão relevante, embora muitos países muçulmanos tenham banido a burqa por motivos de segurança. Não creio que seja o caso, até porque há poderes para as autoridades policiais, para poderem inspecionar.
É uma questão de direitos da mulher?
É também uma questão de direitos humanos. O liberal não olha apenas para a sua esfera individual. Um indivíduo vive num contexto, num espaço comum. E nesse espaço comum, aliás, os direitos humanos são uma criação liberal. E os direitos humanos são universais, por isso, a secundarização da mulher e a opressão que isso significa, não a podemos acomodar em nome do relativismo cultural. Esta cultura é diferente da nossa e por isso temos de aceitar tudo o que venha dessa cultura? Não creio.
Mesmo que seja uma opção da mulher?
Essa é uma questão interessante. Em alguns casos pode ser uma opção da mulher. O exemplo que costumo dar foi há muitos anos, sobre uma egípcia que conheci, com quem tive uma acesa e interessante discussão, em que ela me queria convencer que as mulheres não estavam aptas a gerir empresas, ou a gerir instituições, porque ficavam muito irascíveis e instáveis emocionalmente durante a menstruação. Do meu lado, como argumento, expliquei-lhe que, quando o meu clube de futebol perde, também fico muito instável e irascível e que isso não seria motivo para não poder gerir uma instituição. Estamos a falar de uma pessoa que era de classe alta, instruída, ou seja, era uma pessoa que conscientemente estava a aceitar o papel subsidiário que estava a ser atribuído às mulheres. Para um liberal, esta mulher tem direito a ter a posição que tem, e, no caso, até a submeter-se a um papel menor mas isso não tem as mesmas implicações que usar uma burqa.
E por isso é que o texto final ainda precisa de ser aprimorado
Exatamente. E há uma questão que coloco, e que não sei responder do ponto de vista jurídico, é se afunilássemos a definição de lenço, ou do véu para uma coisa mais específica, onde cabe a burqa, e deixando, de fora a questão do hijab, que é o lenço tradicional que apenas cobre o cabelo, em que não há ocultação do rosto, se isso não poderia ser discriminatório. Ou seja, embora balize melhor a lei, por outro lado, se não poderia ser discriminatório, visto que é um conjunto muito restrito de pessoas que efetivamente usa esse tipo de véus, mas podia ser uma forma de tornar a lei mais robusta.
Orçamento do Estado. “É muito modesto, muito pouco ambicioso”
Mariana Leitão criticou, em entrevista à Renascença, a falta de ambição desta proposta de Orçamento do Estado. Se o documento final for idêntico à versão inicial, a Iniciativa Liberal vai votar contra o Orçamento?
Que outra hipótese teríamos? Caso contrário estaríamos a fazer um favor ao PSD e a fazer um desfavor ao país. A IL vai para este Orçamento do Estado com uma perspetiva construtiva. Já o dissemos aos membros do Governo que iremos apresentar as nossas propostas para tentar fazer de um Orçamento muito tímido, que no fundo faz ali um ajustezinho fiscal, muito tímido, modesto, muito pouco ambicioso e que vamos tentar introduzir um conjunto de pacotes para várias áreas sectoriais, não apenas do ponto de vista da fiscalidade e do crescimento económico, embora seja uma área muito importante. Está na hora de dar aos portugueses o país que merecem. Essa vai ser a nossa condição para depois fazermos uma votação favorável do Orçamento do Estado. Este não é um Orçamento do Estado da IL mas uma grande parte dessas propostas podem ser acolhidas.
Redes sociais. “Deve ser feita reflexão sobre os meios de comunicação que fazem fact-checking”
O mês passado partilhou imagens de festejos à margem da flotilha humanitária que se provaram ser falsas. Já esclareceu esse assunto mas ao partilhar esse tipo de imagens sem verificação não está a contribuir para um estilo de política que tem sido protagonizado por uma direita mais radical?
A manifestação que foi convocada e não foi convocada?
A manifestação, sim. E também a questão das festas.
A questão das festas, é bom esclarecer que ocorreram. Não nos termos em que na altura estavam definidas, ou seja, houve uma festa antes da largada da flotilha em Barcelona, há vídeos a documentá-la, e houve uma festa depois, no barco, perto de uma ilha das Baleares, que na televisão referi ter sido Ibiza, e falhei, não foi Ibiza, foi Menorca. Mas essas festas estão documentadas. Há, aliás, órgãos de comunicação social espanhóis a documentar essas festas. Os artigos que foram feitos a negá-las, usaram esta questão técnica de não ter sido numa ilha para ser na outra. Mas, enfim, isso é uma reflexão que também temos de fazer sobre determinados órgãos de comunicação social que tentam fazer o fact-checking, e por vezes fazem um trabalho mais político do que propriamente factual. Mas isso é uma reflexão que teremos de fazer com o tempo.
O ponto é se agora passou a ter mais cuidado, antes de partilhar esse tipo de imagens
Em relação à manifestação, no dia 7 de outubro fez dois anos do massacre, que matou mais de 1.200 civis inocentes em Israel e foi convocado um evento, uma manifestação. O cartaz dizia, numa citação livre, “não queremos a vossa simpatia, queremos a vossa raiva”. Esse evento estava marcado para o Porto e para Braga. Exatamente no mesmo momento surgiu um outro cartaz a convocar para Lisboa, como um movimento de apoio às forças de resistência política, ao Hamas, e que aparecia com uma imagética muito parecida à outra. Vi as duas, sendo que um pelos vistos ocorreu mesmo e a outra era uma manifestação fake, que foi criada por um grupo chamado Guilhotina, que disse que a manifestação não iria ocorrer mas devia ter ocorrido. Apenas vi este cartaz, sobre uma manifestação que era para ter acontecido mas não aconteceu, e partilhei isso sem ter verificado. Era difícil, era um evento inorgânico, organizado sabe-se lá por quem, era difícil de aferir. Agora, sempre que aparecer um outro tipo de manifesto desse género, que seja difícil de atestar onde é que está a sua origem, mais vale não comentá-lo, porque depois geram-se muitos fait divers e muita discussão à volta de algo que é pouco relevante. O que é relevante é que alguém tenha dito que não era para haver, não ia ocorrer, mas deveria ocorrer, um evento de apoio a forças terroristas, como Hamas ou Hezbollah.
[A 14 de janeiro de 1986 um acontecimento muda o rumo da campanha das presidenciais: a inesperada agressão a Soares na Marinha Grande. Nas urnas, o socialista e Zenha lutam por um lugar na segunda volta frente a Freitas. A “Eleição Mais Louca de Sempre” é o novo Podcast Plus do Observador sobre as Presidenciais de 1986. Uma série narrada pelo ator Gonçalo Waddington, com banda sonora original de Samuel Úria. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo aqui e o terceiro aqui.]