Ana Gomes revela que há mais de dois anos teve um almoço com António José Seguro em que o incitou a candidatar-se à Presidência da República. Em entrevista à Vichyssoise, a mulher que teve mais votos na história das eleições presidenciais e que bateu André Ventura em 2021, diz que está farta de “artistas” e “génios” e que quer uma “pessoas sérias e íntegras” para Presidente, como é o caso do ex-líder do PS.
Ana Gomes admite ainda erros do PS na imigração e lamenta que AD tenha ido atrás “a reboque do Chega” na questão da proibição das burqas, dando como exemplo um episódio que viveu no Afeganistão. A antiga candidata presidencial diz que “uma das coisas em que concorda” com Ricardo Leão é quando este disse que “António Costa deve continuar na Europa, que não faz cá falta”. E faz balanço negativo de primeiro ano de Costa em Bruxelas: “Tinha a expectativa que fosse mais relevante”.
Horas antes da entrevista na Vichyssoise, Ana Gomes revelou que tinha acabado de ser constituída arguida no processo que a Solverde lhe colocou, na sequência de declarações que fez sobre a empresa no âmbito do caso da Spinumviva. Acusa ainda Amadeu Guerra de querer “com todas as forças” travar um inquérito ao primeiro-ministro no caso.
“Estou farta de artistas. Quero um Presidente sério e íntegro como Seguro”
Declarou o apoio a António José Seguro esta semana. O António José Seguro merecia um apoio menos envergonhado por parte do Partido Socialista?
O António José Seguro tem o apoio que merece da parte do PS. E que o PS deve, como já o fez, declarar a António José Seguro que foi seu secretário-geral, e que é um homem, sem dúvida nenhuma, íntegro e imbuído dos princípios e valores que o PS é suposto defender.
O facto de Carlos César dizer que ficou “esgotada” a intervenção do PS e também José Luís Carneiro a dizer que cada um vota em quem quer, não dá a ideia um apoio meio envergonhado?
Acredito que quem queira criar cizânia no PS e dúvidas na opinião pública, possa explorar de todas as maneiras aquilo que um e outro diz. Agora, o PS está, de facto, a arrepiar caminho em relação aos erros que cometeu no passado relativamente à desvalorização da Presidência da República. E é isso que explica que nos últimos 30 anos tenha sido a direita a estar sempre representada na Presidência da República.
O PS devia ter-se empenhado em arranjar um candidato que apoiasse logo à partida?
Na minha opinião, o PS devia apoiar António José Seguro. E também devia declará-lo exatamente quando declarou: que foi agora, depois das eleições autárquicas. Eu, aliás, disse isso antes e escrevi. Não havia necessidade nenhuma de declarar o apoio antes. Este é o timing certo para declarar o apoio. Não prejudica nada a candidatura de António José Seguro. Pelo contrário, até demonstrou aquilo que é uma evidência do nosso sistema constitucional, que o Presidente da República supõe uma candidatura pessoal. E António José Seguro não esperou pelo partido para anunciar a sua candidatura, para se posicionar, para se defender. E naturalmente que recebe todos os apoios que queiram vir do quadrante democrático. E sem dúvida que o do PS é essencial.
Está convencida que é o melhor nome para o PS, mas agora, neste quadro? Ou concordava com aquelas figuras do partido, como Augusto Santos Silva, que se empenharam na procura de outro nome e até quase lançaram o tapete para António Sampaio da Nova?
Tanto que discordava, que discordei publicamente. E até expliquei porquê, em relação a vários nomes que foram sendo aflorados. Mas posso lhe dizer que há mais de dois anos, no almoço que tive com António José Seguro, em eu própria o incitei a candidatar-se. Porque justamente acredito que ele é o tipo de pessoa de que nós precisamos. Uma pessoa íntegra, honesta, capaz de ouvir, de procurar o máximo consenso, mas numa base claramente democrática. E, sem dúvida, que António José Seguro está imbuído dos valores e princípios porque o PS se deve bater. Às vezes, o PS não se tem batido por esses valores e princípios, designadamente em relação à presidência da República, designadamente deixando que proliferem as candidaturas, ou até, no caso da última candidatura…
…que não apoiou nenhum.
… apoiou o candidato da direita. E a direita não lhe agradeceu.
Agora há também uns amigos de Passos Coelho, passistas ou não…
…passadistas.
…que apoiam António José Seguro. Isso não incomoda minimamente?
Não. Eu própria, quando fui candidata, naturalmente que não posso escolher apoios. Se nos candidatamos a um cargo que é para representar o conjunto dos portugueses, naturalmente que há portugueses de todos os quadrantes. A questão é: que valores é que servimos? Que valores é que defendemos? Qual é a ação que propomos? Se ela é claramente democrática e visa defender a Constituição, naturalmente temos que aceitar todos os apoios da direita e de esquerda.
Seguro não é a esquerda que a direita gosta?
Haverá pessoas de direita, como há pessoas de esquerda. Eu sou radicalmente de esquerda. Eu acredito que instrumentos da direita queiram dividir. Eu sinto-me radicalmente de esquerda, afirmo radicalmente de esquerda, dentro do PS e não só. E, no entanto, o António José Seguro. Sabe, estou farta de malandros, estou farta de artistas, estou farta de génios, quero pessoas sérias, íntegras, que efetivamente defendam os valores que dizem defender. E os valores do PS, para mim, são os valores certos. Não estou a dizer que não haja gente, quer à direita, quer à esquerda, que não possa confluir também no apoio a esse mesmo candidato, reconhecendo-lhe características adequadas para o desempenho desta representação.
“Não me parece que Gouveia e Melo tenha perfil para Presidente”
Alinha na ideia que um militar no cargo de Presidente da República era um perigo?
Não alinho na ideia que qualquer militar, só por ser militar, seja um perigo. Isso seria, do meu ponto de vista, completamente discriminatório e errado politicamente.
E este militar em concreto é?
Um ex-militar, estamos a falar, obviamente, do Almirante Gouveia e Melo. Neste caso concreto, respeitando naturalmente a pessoa e até o percurso, não só militar, mas até político que já teve, ou organizativo que já teve, designadamente na campanha de vacinação, não me parece que ele tenha o perfil para ser Presidente da República. E por isso não o apoio.
Mas não é por ser militar, é isso?
Não é por ser militar, acho que isso não pode ser, de maneira nenhuma, isso seria capitis o, seria até democrático.
E por ser apoiado por Mário Ferreira?
Também não é isso. É mesmo um candidato levado ao colo por Mário Ferreira, mas desconfio que Mário Ferreira, se puder, leva todos ao colo, porque obviamente quererá ser sempre ganhador.
Perguntamos isto porque tiveram um processo judicial os dois.
Um não, tivemos quatro. E eu ganhei os quatro. Ganhei no sentido é que ele não conseguiu os seus intuitos, que era condenar-me. Mas não é isso que me faz tomar esta posição em relação ao Almirante Gouveia e Melo.
É o quê em concreto?
É o que eu já foi dizendo. E aquilo que ele ainda poderá vir a dizer, porque eu estou convencida que é um daqueles candidatos, enquanto o António José seguro, é um dos candidatos que vai ganhar em ser conhecido e em ir aos debates e em expor as suas ideias, como aliás se viu ainda na sua recente entrevista ao Vítor Gonçalves, o almirante vai também expor-se naquilo que ele pensa ou naquilo que ele não pensa e que alguém lhe incutiu para como era adequado dizer no quadro da campanha. E quanto ao outro principal candidato, o doutor Luís Marques Mendes, que muito respeito e por quem tenho simpatia, naturalmente os portugueses estão mais que informados sobre o que ele é, o que ele pensa, sobre o perfil muito semelhante ao do próprio Marcelo Rebelo de Sousa, que ele quer naturalmente emular, e foi isso que ele fez no seu comentário na televisão, e é também isso que ele fará se chegasse à Presidência da República.
É uma versão 2.0 do Marcelo Rebelo de Sousa?
Essa do 2.0, medições desse género, eu não dou para isso.
[A 14 de janeiro de 1986 um acontecimento muda o rumo da campanha das presidenciais: a inesperada agressão a Soares na Marinha Grande. Nas urnas, o socialista e Zenha lutam por um lugar na segunda volta frente a Freitas. A “Eleição Mais Louca de Sempre” é o novo Podcast Plus do Observador sobre as Presidenciais de 1986. Uma série narrada pelo ator Gonçalo Waddington, com banda sonora original de Samuel Úria. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo aqui e o terceiro aqui.]
“PS falhou na imigração e Pedro Nuno Santos foi o primeiro a reconhecê-lo”
Mudando de assunto, as autarquias, o PS fez pior do que em 2021, mas muito melhor do que alguns previam, e o resultado é bastante razoável em comparação com o resultado desastroso das legislativas. Isto mostra que José Luís Carneiro colocou o PS no caminho certo ao tentar uma moderação, uma aproximação ao centro?
Eu, como socialista, não posso ser tão positiva na avaliação, embora reconheça, sem dúvida, que se susteve aquilo que alguns esperavam que fosse bastante pior. E também não atribuo apenas a responsabilidade ao PS, embora o PS também tenha algumas, porque estes são tempos diferentes em que o PS tem que estar aberto a grandes coligações com forças democráticas e de esquerda. E se elas, em alguns casos foram logradas e até tentadas pelo PS, como foi o caso de Lisboa com o PCP, foi o PCP que o recusou, noutros casos elas não foram sequer exploradas por responsabilidade de elementos do PS, e os resultados são também dececionantes, quando até poderiam ser positivos. Estou-me a lembrar, por exemplo, o caso de Sintra, onde tínhamos uma excelente candidata, mas onde o facto de não ter havido a capacidade de alargar a coligação de esquerda comprometeu a eleição. Sem dúvida que isto dá algum ânimo a muitos dos que estavam muito descoroçoados no PS com os resultados das últimas eleições legislativas. E demonstra que, de facto, nunca se pode baixar os braços, é preciso pôr-nos ao trabalho, ouvir as pessoas, utilizar todos os meios que um partido político deve ter e utilizar para saber o que é preciso fazer, o que é preciso propor. E, nesse sentido, acho que a direção de José Luís Carneiro conseguiu virar a agulha, no bom sentido.
O resultado, de Ricardo Leão em Loures, não valida, de alguma forma, a ideia de que o PS tem de se afastar da esquerda?
Não valida isso, na minha opinião. Pelo contrário, eu acho que ele foi reeleito, e com uma maioria absoluta, por causa do seu trabalho em Loures em diversos domínios, onde eu ouço dizer que foi realmente notável. Em diversos domínios sociais que fazem a diferença para as populações e não propriamente, apenas por aquele posicionamento, que eu própria também critiquei, à reboque de uma agenda…
..do Chega?
Exatamente, de uma agenda populista, que é hoje a agenda do Chega, infelizmente também é a agenda do PSD, como estamos a ver, de resto, também, com o posicionamento nas leis da nacionalidade, dos estrangeiros, etc. Ou agora até com esta cena das burcas, a pretexto de uma perceção de segurança, que obviamente não tem qualquer razão de ser no nosso país. Foi ainda a direcção de Pedro Nuno Santos, que fez em relação à política de imigração do PS, a justa autocrítica, quando reconheceu que algumas coisas tiveram erradas, por muito boas intenções que tivessem, no sentido da desregulação, no sentido de servir.
Da manifestação de interesse?
Para mim nem sequer era a manifestação de interesse somente. Para mim o mais grave é que nós precisamos de mão de obra, absolutamente. Precisamos de imigração qualificada e não qualificada, porque há muitos setores da atividade no nosso país que precisam de mão de obra não qualificada. É uma ilusão pensar que só mão de obra qualificada é que vem. O que nós precisamos é de ter políticas que, efetivamente, favoreçam a integração das pessoas. Ora, quando essas políticas não existiam, como não existem agora, com coisas tão básicas como seja garantir, por exemplo, o alojamento adequado, digno, ou, por exemplo, aulas de português. Quantos imigrantes e refugiados, que é uma coisa diferente, eu não conheço, que não têm aulas de português acessíveis para poderem aceder àquela coisa que é absolutamente básica para se integrar na nossa sociedade, que é justamente o domínio da língua. Esse foi o grande problema, para além da história da própria desarticulação do SEF sem ter imediatamente um sucedâneo, a AIMA, capacitado. Mas hoje, ano e meio depois da direita no poder, também continua a não estar capacitada. É a pouca vergonha que vemos das filas à porta da AIMA, das pessoas desesperadas que não se conseguem regularizar sequer. Conheço casos absolutamente vergonhosos de pessoas que estão cá há vários anos, com título lega, e que, porque não têm o cartão… conheço um jovem que nem sequer foi aceito na universidade, embora tenha tido 20 no exame de admissão. Pode fazer o exame de admissão, andou cá no secundário e não foi admitido na universidade porque não tinha ainda o cartão, porque ainda não lhe passaram a ele e à família o cartão de residência. E conheço outras pessoas que, por exemplo, não podem sair para ir ver os pais a morrer, porque estão exatamente nesse mesmo desespero, não sabendo se depois conseguem entrar, por não terem o título, porque a AIMA ainda não funciona depois de ano e meio da direita no poder, prometendo que fazia e acontecia. E não fez e não aconteceu. Porque isto é difícil de gerir. Ora, aí penso eu que foi a principal responsabilidade do PS, e foi Pedro Nuno Santos que reconheceu que era preciso alterar e passar a dar condições para uma eficaz regularização.
“Uma das coisas que concordo com Leão é quando diz que Costa não faz cá falta”
Regularizar uma política que vinha de um governo socialista, liderado por António Costa, na altura, de quem Ricardo Leão disse uma coisa que não sei se concorda, que é que “António Costa, que se entretenha lá na Europa, estou a citá-lo, que não faz cá falta nenhuma”?
Eu concordo. E olha, por se calhar é uma das coisas em que eu concordo com o Ricardo Leão. E sobretudo acho que é bom que ele na Europa faça bem melhor do que fez em Portugal, porque eu quero que a Europa se afirme e não continue nesta situação bastante preocupante, de irrelevância em questões absolutamente essenciais para a paz no mundo e para a segurança da própria Europa. E para o desenvolvimento da própria Europa e para a projeção da própria Europa, como seja o conflito na Ucrânia e a situação terrível do genocídio em Gaza. A irrelevância da Europa nestes domínio , ou noutros, que foram expostos até pela pandemia, da Europa ir atrás das receitas neoliberais, de tudo deslocalizar, de repente ser confrontada porque não havia máscaras e não havia ventiladores e outra coisas básicas que eram todos feitos na China e a Europa tinha abdicado de fazer isto. Ou a Europa não ter ainda hoje toda uma prática destinada a avançar no plano digital mas com regulação e não à la gardère, digamos, à la balda, que serve os oligarcas americanos, designadamente os ligados às plataformas tecnológicas que hoje dominam a administração Trump. Isso preocupa-me imenso e, portanto, espero de António Costa, dos ensinamentos que teve como governante de Portugal e governante europeu, faça a diferença pela Europa.
Já faz quase um ano em funções como presidente do Conselho Europeu. Que avaliação é que faz?
Até agora, teria expectativas que ele tivesse sido mais relevante. Não é ele apenas, mas é o papel do presidente do Conselho [Europeu] que ele desempenha. Até porque sei que ele tem ao seu lado grandes quadros que certamente lhe propõem ação. E quando a Comissão está bastante fragilizada – e infelizmente está, sobre a direção de Von der Leyen, na minha opinião, até pelas posições muito duvidosas que tomou e estou a ser eufemística e diplomática, em relação a questões sociais como Gaza – mais importante se tornaria o presidente do Conselho Europeu ter coragem, ter audácia e não ficar por aquela apagada e vil tristeza de tirar a bissetriz de todos os Estados-membros. A Europa precisa de liderança e ela poderia vir da comissão, também pode vir de um presidente do Conselho que seja arrojado e audaz. A António Costa não lhe falta inteligência, não lhe falta capacidade e eu espero que, também com a experiência de governação em Portugal, não lhe falte o bom senso elementar, designadamente aprendendo com os seus próprios erros. e foram vários que foram cá cometidos em Portugal. Olha, designadamente em relação à Imigração, ao abandono da Presidência da República à direita, etc.
O PS vai viabilizar o Orçamento de Estado da AD. é a melhor opção neste momento?
É a opção expectável num quadro em que sabemos que o PS não pode fazer realmente diferença nenhuma. Desde logo porque já houve todas as eleições e mais algumas, as pessoas não querem mais eleições, não pode haver eleições até que haja um novo presidente da República. Também não acho que, obviamente, se possa tirar consequências de um chumbo do Orçamento para mudanças a nível governamental. Portanto, eu penso que retirar o drama foi taticamente inteligente. O que me importa a mim é que o PS, justamente, não se deixe ficar de alguma maneira vinculado, como certamente será a estratégia da AD no poder, ao dito Orçamento. Este não é o Orçamento do PS e, embora o PS tenha conseguido limitar para já, porque vemos alguns dos malefícios que poderiam vir envoltos no Orçamento, designadamente em matéria de reformas laborais e se aparentemente o PS foi eficaz em impedir que isso vá na confusão do Orçamento, também não será lícito e espero que o PS saiba até ao fim de marcar-se de ter alguma responsabilidade por este Orçamento. Que é um Orçamento que, até do ponto de vista das contas certas, a longo prazo, é questionável.
Só para terminar este capítulo do que se passa no Parlamento, e há pouco falou disso aqui, o Rui Tavares, o líder do LIVRE, até disse que não gosta dos gajos que gostam de burcas. Foi essa a expressão que ele utilizou, mas depois votou contra a proibição do uso da burca. A esquerda fez bem em votar contra o projeto do Chega, que proibia a burca no espaço público?
Quem fez mal foi o PSD de andar a reboque do Chega e de nos atirar com este tema, que não é um tema em Portugal, com um propósito que servem à agenda da extrema direita europeia, não só a do Chega e estigmatizantes de pessoas de outras confissões com quem temos que conviver cá no nosso país e neste planeta em que habitamos. Visitei o Afeganistão e lembro-me de uma jovem defensora dos direitos das mulheres que veio falar connosco numa missão de deputados europeus e, perante a surpresa de uma deputada que perguntava, mas veio com burca. E ela disse: ‘Se eu não tivesse vindo com burca, por exemplo, não tinha podido chegar aqui para falar com vocês.’ A burca lá, naquele contexto, protege-as. Quem diz a burca, porque põe em causa, naturalmente, a identificação das pessoas, diz que vão se proibir os capacetes dos motoristas? Porque tapam a cara? Enfim, há aqui uma dose de aproveitamento político manipulador, que para mim é escandaloso sobretudo que seja seguido pelo PSD e que serve um objetivo, que é desviar as atenções das crescentes desigualdades que estamos a ver no nosso país, dos problemas gravíssimos que afetam toda a gente, não só os jovens, como os problemas da habitação, da mobilidade. Ainda hoje caem em cima de um despacho que porroga a zona franca da madeira, que é o bodo aos ricos, aos hiper-ricos e às suas lavandarias, por este governo. Ninguém fala nisso, mas isso só vai aprofundar as desigualdades e esse é o grande problema no nosso país, é o grande problema que efetivamente também foi agravado no próprio tempo da governação PS e que leva a que muitos jovens hoje estejam enganados por cantos de sereia à direita, e supostamente à esquerda, que efetivamente não servem os desígnios de uma sociedade democrática e plural como é a nossa. Para parafrasear o doutor Francisco Balsemão, cujos funerais hoje tiveram lugar, podemos nós ser tolerantes com os intolerantes? É o velho dilema já posto pelo Karl Popper, que mais do que nunca se põe nas sociedades como a nossa. E, quando vemos forças que eram supostas ser defensoras da intolerância, designadamente o partido do doutor Balsemão ou o meu próprio partido, desvalorizarem aquilo que dá munições às forças da intolerância, temos que estar muito preocupados.
“Amadeu Guerra tem tentado evitar, com todas as suas forças, abertura de inquérito a Montenegro”
Ana Gomes fez uma queixa à Procuradoria-Geral da República e uma participação também à Procuradoria Europeia por causa do caso Spinumviva e do primeiro-ministro. Tem novidades sobre alguma dessas iniciativas?
Só as que já são públicas relativamente à queixa que apresentei, que a propósito foi revelada, de resto, pelo senhor Procurador-Geral da República, deu-me muita honra em revelar. Não era anónima, eu mandei-lhe diretamente e com o meu nome e até o meu número de cartão de cidadão. Mas a única novidade que tenho é que fui hoje constituída a arguida, num processo que a Solverde acionou contra mim. Indepentemente o que faça o senhor senhor Procurador-Geral da República no sentido de evitar, com todas as suas forças, a abertura de um inquérito criminal que já devia ter sido aberto desde o início do caso Spinumviva.
Que Amadeu Guerra está a tentar evitar?
Certamente, é óbvio. Depois discutiremos a Spinum viva noutro contexto, designadamente naquele que os patrões dos donos da Solverde quiseram acionar contra mim.
Mas tem expectativa de que isto possa mesmo desencadear um inquérito?
Não tenho que ter expectativas, só que isso devia ter, logo à partida, dado a origem, a abertura de um inquérito. Era, de resto, aquilo que era processualmente correto e que dava todas as garantias, inclusivamente a quem eventualmente pudesse vir a ser constituído a arguido nesse contexto. E era até aquilo que melhor serviria os interesses, não só da Justiça, mas do próprio Governo do doutor Luís Montenegro. Mas não foi essa a opção do senhor Procurador-Geral da República, que dois dias depois de eu ter feito chegar essa participação, que mandei também para as instâncias europeias, para a Procuradoria Europeia, decidiu abrir a tal averiguação preventiva, o quer que isso seja. E agora, pelos vistos, são os seus próprios procuradores que dizem que não é suficiente para o tipo de investigação que é necessária.
Em casos de inquérito, Luís Montenegro tem outra saída se não fazer o mesmo que fez António Costa?
Ele próprio já se antecipou a dizer que não se demitiria se fosse constituído arguido. Disse isso há alguns meses, até mesmo antes da própria averiguação preventiva ter sido aberta. Há quem quer realmente ser transparente ou há quem pretende ser transparente. E, portanto, quem tem a desenvoltura para fingir que é transparente não o sendo, pode dizer tudo e o seu contrário, portanto tudo era de esperar. Diria que para preservar a integridade do órgão primeiro-ministro e da chefia do governo do nosso País era toda a conveniência que tivesse havido um inquérito criminal desde logo e já estivesse arrumado e encerrado para que não restassem quaisquer dúvidas. Oito meses depois as dúvidas permanecem e questões como essa que acaba de me colocar continuam a ser lançadas para o ar.
Esta semana morreu Francisco Pinto Balsemão e dele disse que foi “um construtor da democracia”, sem o qual o “país empobrecia”. Foi dez anos comentadora da SIC, espaço que deixou recentemente. O grupo continua a refletir esses valores que o fundador defendia? E sentiu isso durante o período em que esteve lá?
Sim, senti total liberdade e espero que sim que o grupo continue a defender. E acho animador e muito significativa, nesse sentido, a carta que os filhos tornaram pública. Presto homenagem a Francisco Balsemão, que eu conheci enquanto jovem diplomata sendo ele primeiro-ministro, de quem tive sempre só manifestações de simpatia e de interesse genuíno. E que considero que foi realmente um dos construtores da democracia em Portugal, desde logo pela centralidade da questão da liberdade da imprensa e da pluralidade, que ele sempre permitiu que os órgãos do seu grupo demonstrassem e veiculassem e até pelo interesse que revelou. Enquanto estava no Parlamento Europeu recebi várias cartas do doutor Balsemão com as suas preocupações exatamente sobre a regulação das plataformas digitais e pelo impacto que estavam a ter no roubo dos conteúdos dos media tradicionais e na perversão dos valores da verdade e da isenção que os media tradicionais eram supostos veicular e que não vinculavam as plataformas digitais. Por isso, são tempos novos, onde os piores dos seus receios se confirmaram. Ao mesmo tempo, ele foi também um homem aberto às grandes novidades que, designadamente, a Inteligência Artificial prometia, embora hoje mais do que nunca elas estejam a ser questionadas. incluindo em termos económicos e financeiros, mas certamente em termos também das perversões que trazem à democracia. E, por isso, eu espero que o grupo sobreviva e que continue a defender os valores que Francisco Pinto Balsemão encarnou, que foram tão importantes para a nossa democracia.
“Candidatos da esquerda devem desistir a favor de António José Seguro”
Vamos agora para o segmento Carne ou Peixe, onde tem de escolher entre duas opções. Na segunda volta das Presidenciais, vamos imaginar que passam Marques Mendes e o almirante Gouveia e Melo. Se tivesse que tapar o nome de um para votar, qual escolheria?
Espero é que na segunda volta, que é bem provável que exista, passe o António José Seguro, que tem todas as condições de chegar à Presidência da República. E espero que outros candidatos que agora se posicionam à esquerda, para aproveitar a campanha, desistam antes dessa primeira volta, exatamente para não caírem no erro em que caiu no passado o PS, que foi oferecer de mão beijada à direita o órgão Presidência da República.
Está a sugerir a António Filipe e a Catarina Martins desistam?
E ao candidato do Livre que também se anuncia. Que desistam antes da votação. Eles têm eleitorados educados e que saberão compreender uma desistência na véspera e eu também compreendo que eles queiram aproveitar a campanha para veicular os seus pontos de vista e até condicionar positivamente os candidatos. Mas quem eu espero que passe, sem dúvida, à segunda volta e quem me interessa que passe é António José Seguro, porque é nele que nós temos que votar para ter finalmente alguém íntegro, sério e norteado pelos interesses da liberdade e da democracia na Presidência da República.
Se tivesse de fazer um tour pela Serra de Sintra, levava André Ventura ou Mário Ferreira?
Nenhum deles.
Preferia ser ministra num governo de “geringonça” liderado por Pedro Nuno Santos ou primeira-ministra num governo de Bloco Central que tivesse Luís Montenegro como vice-presidente?
já estou naquela fase da minha vida em que ninguém me nomeia para rigorosamente nada. Não quero ser nomeada para rigorosamente nada. Estou naquela fase da minha vida em que prefiro ter a intervenção cívica que tenho, designadamente usando a minha voz e sendo crítica e incómoda para muitos, mas alguém tem que o fazer e eu não me importo de ser crítica e incómoda quando é preciso.
E muitas vezes, através da sua conta no Blue Sky, agora vamos imaginar que tinha de dar durante um mês a sua conta a uma pessoa para ir fazendo as suas publicações, quem é que escolhia. José Luís Carneiro ou Duarte Cordeiro?
Não. Sou eu que faço as minhas publicações no Blue Sky. Como já fazia no Twitter e prescindi disso quando Elon Musk passou a controlar.
Não confia em nenhum dos dois.
Não, sou eu mesma. Não quer dizer que não confie, mas acho que há coisas que são muito pessoais e só a própria pessoa deve fazer.