Na maioria das vezes a dor surge como resposta a uma situação repentina, não esperada, quase sempre passageira e limitada no tempo. Trata-se de uma dor aguda (sinal/sintoma), que sinaliza algo que não está bem no nosso corpo. Noutros casos, desenvolve-se e prolonga-se ao longo da vida e acaba por se estabelecer como uma doença. A dor é tanto um sinal (útil) do nosso organismo (a dor aguda), como também um conjunto de sinais e sintomas (dor crónica) com repercussões no nosso corpo, que afeta as nossas capacidades no trabalho, no relacionamento com os outros, ou na nossa disposição do dia a dia. Afeta-nos na nossa individualidade, na globalidade das estruturas e funções do nosso corpo e por isso se diz que é uma doença com repercussões totais no indivíduo.
Todos somos iguais em direitos e deveres, mas todos diferentes em emoções. Por isso dizemos que “cada um é como é”. Todos temos a nossa dor, que é apenas a nossa e diferente de todas as outras. Depende da nossa experiência e da nossa vida passada, e por isso é pessoal, subjetiva e diferente de indivíduo para indivíduo. Não se vê, mas sente-se. E cada um sente a sua.
Perceber e medir a dor é difícil porque a dor é única, individual e difícil de expressar. Usamos escalas que a possam medir, mas sempre baseados naquilo que cada um diz ou quantifica. No fundo, a dor é aquilo que cada um sente, qualifica e quantifica.
Para tratar e combater a dor usamos todas as armas disponíveis e ao nosso alcance. Tentamos fazê-la desaparecer, o que nem sempre é possível, porque nem sempre sabemos ou percebemos os seus mecanismos, mas tentamos minimizá-la de forma a proporcionar a melhor qualidade de vida a quem nos procura. Para isso usamos tratamentos químicos, físicos e psicológicos, diferentes entre si, para termos um conjunto abrangente e diversificado de práticas e saberes complementares no tratamento da dor.
Dos primeiros, destacam-se os medicamentos analgésicos, por atuarem diretamente no sistema nervoso, o qual é o órgão que percebe os estímulos como dolorosos e que os tenta suspender, bloqueando-os ou lutando contra eles. Entre as técnicas ditas não farmacológicas, porque não usam medicamentos diretamente, usamos as técnicas aplicadas pela medicina física e de reabilitação, nomeadamente as técnicas físicas. São tradicionalmente as mais conhecidas e procuradas como alternativas e são geralmente bem aceites, ainda que nem sempre completamente satisfatórias.
Também se usam as técnicas terapêuticas de cariz psicológico envolvendo a componente psicológica da dor, sempre mais ou menos valorizada por cada um de nós e que são atualmente uma das práticas mais comummente usadas e com resultados terapêuticas mais favoráveis, especialmente quando falamos de dor crónica.
Importa, no entanto, e como sempre em saúde, mais do que tratar, prevenir. Por isso é que dizemos “mais vale prevenir do que remediar”. Daí a importância de uma dieta equilibrada, de hábitos higiénicos de sono e sobretudo da prática regular de exercício físico. Este conjunto de condições é essencial no bom estado de saúde e no combate à dor, tendo bem presente que “quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”. Se os dois primeiros são bem entendidos por todos e bem enraizados na nossa cultura até quando usamos as expressões “pela boca morre o peixe” e “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”, já a prática de exercício físico, só agora parece ser compreendida e adotada como uma aposta dos cidadãos em prol da sua qualidade de vida e do seu estado de saúde.
O exercício físico é acessível e disponível a todos nós e não carece de condições especiais para ser praticado. No caso da dor, e especialmente da dor crónica, deve ser personalizado e supervisionado por quem sabe e idealmente prescrito por profissionais especializados. É benéfico, não só em termos físicos, mas também emocionais, evitando que a pessoa foque a sua atenção na dor. Liberta substâncias analgésicas que combatem a dor ou que nos dão sensação de bem-estar; distraem-nos da dor e põem-nos bem-dispostos connosco e com a vida, dando relevo às máximas de que “rir é o melhor remédio” ou “quem canta, seus males, espanta”.
Um grupo de profissionais de saúde criou, em 1991, a Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), como o representante português da International Association for the Study of Pain (IASP), seguindo as suas linhas de orientação a nível mundial, apostando na importância da investigação, estudo, ensino e tratamento da dor e nas suas repercussões no equilíbrio económico, social e humano da nossa sociedade. No site da associação é possível encontrar informação científica fidedigna sobre dor, assim como aceder a informações e campanhas de sensibilização da luta contra a dor. Somos cerca de 550 sócios, desde médicos, enfermeiros, investigadores e psicólogos. No fundo, juntamos todos os profissionais de saúde que tenham a luta contra a dor como desígnio.
Fazemos um evento nacional anual, alternando entre o Congresso APED e o Encontro das Unidades de Dor. Promovemos prémios científicos relativos ao melhor artigo científico sobre o tema publicado na revista Dor, assim como o Prémio de Investigação Clínica em Dor, o maior prémio nacional na área de dor, em parceria com a Fundação Grünenthal. Possibilitamos formação específica de profissionais na área de dor com a atribuição anual de duas bolsas de investigação científica assim como o prémio Vou desenhar a minha dor, uma campanha dirigida às crianças dos três aos dez anos, que expressem graficamente a sua dor aquando dos seus internamentos nos serviços de pediatria dos diferentes hospitais portugueses.
Importa, por último, referir que o segredo do sucesso no tratamento da dor reside naturalmente em cada um de nós, na capacidade de nos motivar e superar adversidades, particularmente a dor e o sofrimento que deixam marcas profundas ao longo da vida. Daí termos sempre a preocupação e a absoluta necessidade de definirmos a estratégia motivacional como a verdadeira chave do sucesso na nossa vida. Só temos uma, pelo que devemos desfrutá-la e vivê-la positivamente!
Filipe Antunes é médico, assistente hospitalar graduado sénior de Medicina Física e de Reabilitação e coordenador da Unidade Funcional de Dor Crónica da ULS de Braga. Presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), é um das cronistas convidados da secção Dor, dedicada exclusivamente a temas relacionados com a dor, respetivo acompanhamento clínico e impacto na sociedade.