A dor das crianças é diferente da dor dos adultos?
Como é que os médicos conseguem avaliar a dor das crianças, sobretudo quando estas ainda não falam? E como se escolhe o melhor tratamento?
1 Como se avalia a dor nas crianças?
A dor na criança é sempre real, mesmo quando esta não a consegue explicar. Quem o garante é o médico de família e coordenador do Grupo de Estudos de Dor da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Raul Marques Pereira. “Pode surgir através do choro que não acalma, de ‘caretas’, de alterações no comportamento — como uma criança que antes era tranquila e passa a estar mais irritada — ou até de sinais físicos como agitação e dificuldade em dormir.”
É por isso importante contrariar mitos como “as crianças sentem menos dor” ou “elas depois não se lembram”. É falso, garante o médico. “Sentem tanto como os adultos e, se não for tratada, a dor pode deixar marcas até na vida adulta.”
2 E a dor infantil varia consoante a idade?
Sim. Nos bebés, “o corpo fala”: choram de forma diferente, mexem as pernas de forma brusca, fazem caretas. Na idade pré-escolar, adianta o também professor universitário, surgem gritos, palavras simples como “dói” e, muitas vezes, protegem a zona dolorosa, por exemplo, a barriga. Em idade escolar, as crianças já conseguem descrever melhor, embora possa acontecer, no caso dos adolescentes, esconderem a dor por vergonha — “como não contarem que têm dor de cabeça frequente para não parecerem frágeis”.
3 Qual a diferença entre dor aguda e dor crónica nas crianças?
A dor aguda aparece de repente, como numa queda no recreio ou durante uma injeção, e tende a desaparecer quando a causa é tratada.
Já a dor crónica é persistente. “Pode ser uma dor abdominal que se arrasta há meses ou uma dor de cabeça recorrente que interfere com a escola e o convívio com os amigos.” Esta é uma situação que exige uma atenção maior por se tratar de um quadro potencialmente mais grave.
4 Como se diagnostica?

5 Que sinais devem preocupar os pais ou professores?
Se a criança deixa de brincar, não consegue dormir, perde o apetite ou falta à escola devido à dor, é sinal de alarme. “Uma criança que se encolhe todos os dias com dores de barriga ou que já não corre no recreio como antes deve ser avaliada por um médico”, sugere Raul Marques Pereira.
6 E como se trata?
O tratamento depende da causa, da intensidade e da idade. “Podemos combinar medidas simples de conforto — como dar colo, aconchegar ou distrair com um jogo — com medicamentos seguros e adequados, como paracetamol ou ibuprofeno.” Em alguns casos, como no pós-operatório, pode ser necessário recorrer a medicação mais forte.
7 Há alternativas que funcionam e não passam pela toma de medicação?

8 É possível prevenir a dor na criança?
Nem sempre conseguimos evitar uma queda ou uma doença, mas podemos prevenir o sofrimento. Tratar a dor logo no início, preparar a criança antes de um procedimento médico e usar estratégias de distração durante a consulta reduzem bastante o impacto.
9 Que papel têm os pais e professores?
Um papel central. “A presença dos pais durante uma colheita de sangue ou uma vacina acalma mais do que qualquer medicamento.” Os professores também podem estar atentos — se notarem que uma criança evita alguma atividade por sentir dor, devem comunicar aos pais, para que seja feita uma avaliação.
10 Há formas melhor de lidar com o romper dos dentes, as cólicas ou as dores de crescimento?
Os bebés têm sempre razão em chorar e isto acontece essencialmente por algum tipo de desconforto que possam sentir. É uma chamada de atenção.
O nascer dos dentes causa desconforto ligeiro a moderado pelo que é natural que provoque choro nas crianças, essencialmente por não saberem lidar com essa sensação. Mas, Raul Marques Pereira, explica que “não há relação comprovada entre o nascimento precoce dos dentes e o sofrimento, depende muito de cada criança”.
Nas cólicas, a dor pode ser mais forte e, para alguns bebés, pode ser intensa e bastante incómoda. São provocadas pela imaturidade do intestino, por gases, entre outras coisas. “Os episódios costumam ser agudos, mas autolimitados — duram minutos a uma hora, e depois passa.”
As dores de crescimento são reais e muito comuns. Muitas crianças acordam a meio da noite a queixar-se de dor nas pernas. “São benignas, passam sozinhas e não deixam sequelas. O importante é distinguir esta de outras situações: se houver febre, inchaço ou dificuldade em andar, aí é diferente e deve ser avaliado.”