O que é a procrastinação? 8 perguntas sobre o adiamento de tarefas importantes e como isso influencia a saúde mental
Adiar constantemente tarefas importantes e substitui-las por outras que dão mais prazer é um comportamento intencional. Não é preguiça ou esquecimento, mas envolve culpa, vergonha ou arrependimento.
1 O que é a procrastinação?
Adiar, adiar, adiar. Adiar o que se tem para fazer consecutivamente, dia após dia. Adiar o que é preciso fazer, tudo o que se pode, tudo o que se consegue. De forma intencional. “A procrastinação compreende o padrão comportamental voluntário e irracional de sistematicamente adiar tarefas importantes no dia a dia, quase até ao limite do prazo, habitualmente substituindo-as por tarefas, no imediato, mais prazerosas”, explica a psiquiatra Carolina Rocha Almeida, médica no Centro Hospitalar Lisboa Oriental (CHLO), professora na Nova Medical School.
Todas as pessoas procrastinam em algum momento, algumas fazem-no frequentemente, outras apenas em determinadas tarefas. “Não se trata de um simples esquecimento (a pessoa está consciente que tem tarefas por cumprir e das consequências de não o fazer), ou de priorização entre tarefas”, diz a especialista, ao lembrar que “é da natureza humana a procura da satisfação e o adiar de tarefas tidas como menos prazerosas, o que, por si só, não corresponde a procrastinação e nada tem de patológico”.
2 Como se manifesta?
De várias maneiras. Adiam-se tarefas domésticas, adia-se passar a ferro até a roupa chegar ao teto, deixa-se a louça por lavar para ver uma série na televisão, não se vai às compras de supermercado até ao limite do limite, quando a despensa está vazia.
Passa-se o tempo nas redes sociais para não escrever aquele relatório pedido há semanas pelo chefe. Adia-se aquele trabalho mais complexo e que dará mais chatice entre telefonemas sem muita utilidade ou importância. Pede-se para alargar prazos, vezes sem conta, para a entrega de um dossier que não ata nem desata, permanentemente colocado no fundo das prioridades, libertando a atenção para outra tarefa mais apelativa.
Passa-se os olhos pela matéria minutos antes de um teste na escola. Adia-se a entrega de um trabalho da faculdade com noitadas passadas num videojogo ou a ver filmes atrás de filmes.
“Adiar a preparação para um exame, cumprir um prazo de entrega no limite à custa da redução marcada das horas de sono, adiar a hora de saída de casa para um compromisso, adiar ao limite o pagamento de uma conta (não havendo razão financeira que o explique), adiar adotar medidas de estilo de vida saudável, entre outras realidades”, exemplifica Carolina Rocha Almeida.
3 As causas estão identificadas?
Sim. Entre elas estão:
- Mal-estar psicológico;
- Sentimentos de insegurança;
- Impulsividade;
- Necessidade da recompensa imediata;
- Medo de falhar;
- Ambivalência face à tomada de decisão;
- Dificuldades de autorregulação;
- Perfeccionismo;
- Sobrecarga de tarefas;
- Sobrecarga de estímulos concorrentes, que dispersam a atenção.
O défice de atenção é também um dos motivos. Segundo a psiquiatra, a procrastinação é um sintoma muito frequentemente na Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), caracterizando-se por desatenção, hiperatividade e impulsividade e desregulação emocional.
“Manifesta-se especialmente para as tarefas consideradas entediantes ou que necessitem de grande concentração”, diz a psiquiatra. “A procura da satisfação imediata, impulsividade e a dificuldade em concentrar-se originam a procrastinação das tarefas.”
4 É um problema de saúde mental?
A procrastinação não corresponde a um diagnóstico de saúde mental. É um padrão comportamental que pode estar associado ao diagnóstico de perturbações de ansiedade, perturbações depressivas, PHDA e perturbações da personalidade.
5 Que desafios representa para o bem-estar mental?
Quem procrastina experimenta, regra geral, sentimentos de culpa, vergonha, arrependimento e zanga. Segundo Carolina Rocha Almeida, “tende a pensar sobre si com baixo autoconceito em que predomina a ideia de que é preguiçoso.” O que não corresponde à verdade.
Procrastinação não é sinónimo de preguiça. Preguiça é a recusa em agir, em fazer. Procrastinar é um adiamento voluntário, intencional, de tarefas.
O cansaço mental pode, em certos casos, explicar a falta de motivação e, por isso, essa vontade de adiar tarefas. “O cansaço mental, sendo uma das facetas do burnout (exaustão física, mental e emocional, associada ao stress crónico no trabalho), encontra-se associado à falta de motivação, procrastinação e presentismo [quando um trabalhador está fisicamente no seu emprego, mas não é produtivo].”
6 Procrastinar provoca ansiedade ou é a ansiedade que potencia a procrastinação?
As duas coisas, a relação é recíproca.
Adiar as tarefas, com consequente aumento da pressão para as resolver, pode provocar tensão, ruminação à volta do tema e ansiedade. E a ansiedade pode levar ao adiamento de tarefas.
“A relação entre a ansiedade e a procrastinação parece ser recíproca, sendo que a ansiedade está associada à tendência a procrastinar tarefas e esse comportamento tende a agravar a ansiedade.”
De igual modo, acrescenta a médica, “sintomas de ansiedade e preocupação constante com temas da vida e do dia a dia estão associadas frequentemente à ambivalência e ao adiar de tarefas”.
7 E quais as consequências?
Baixo desempenho académico e profissional, sintomas físicos e riscos para a saúde física e mental, nomeadamente maus hábitos de higiene do sono, consumo de substâncias psicoativas, tensão permanente, adiar de hábitos de vida saudável ou adiar procura de cuidados de saúde. Além de ansiedade, depressão, insatisfação, culpabilidade e dificuldades interpessoais.
Há formas de combater a procrastinação, contrariar esse comportamento, e evitar as consequências. Desde logo, começar por identificar onde está o problema. Quando, como e porquê se procrastina, ir à raiz da questão, perceber os motivos. Depois, definir objetivos sensatos que se podem concretizar, afinar estratégias, criar um plano de ação para contrariar a inatividade com uma rotina e pensamentos otimistas e positivos. Simplificar tarefas, identificar os momentos mais produtivos, gerir o tempo com blocos de trabalho ou de estudo com intervalos. E estabelecer prazos concretos para não continuar a procrastinar.
8 Quando se deve procurar ajuda?
Quando se sente que a procrastinação se torna uma rotina. Sempre que interfere com a saúde mental, com as emoções, e com o bem-estar físico. “Quando provoca significativo sofrimento pessoal e impacto no funcionamento diário, sempre que haja dúvidas quanto à origem das queixas e, principalmente, quando estiver associado a outros sintomas de sofrimento psicológico”, adianta a psiquiatra.
Procrastinar pode tornar-se um padrão de funcionamento habitual e um problema crónico. Joseph Ferrari, psicólogo e investigador norte-americano, estima que cerca de 20 a 30% dos adultos tendem a procrastinar de forma crónica. Os números são semelhantes para a população estudantil, realça Carolina Rocha Almeida.
“A procrastinação deverá suscitar a procura de ajuda profissional se surgir associada a outros sintomas, corresponder a uma mudança face ao comportamento prévio e se provocar manifestas dificuldades no funcionamento pessoal e ocupacional”, alerta a médica.