Rui Tavares considera que ainda há tempo para uma solução à esquerda para as eleições presidenciais que permita a presença de um candidato desse espaço político na segunda volta, mesmo que isso implique desistências de candidatos que já avançaram. Não recusa a ideia de estar presente no boletim de voto, mas assegura que não quer. E acha até que, em último caso, há deputados no Livre que poderiam chegar-se à frente. Porém, considera que é relevante a convergência num candidato que diga as “palavras certas” sobre a Presidência da República.
https://observador.pt/programas/emissao-especial/rui-tavares-queremos-e-morder-as-canelas-ao-chega/
Em entrevista ao Observador durante o XVI Congresso do Livre, Rui Tavares argumenta que se o Ventura tiver 26% dos votos numas legislativas, significa que há “74% de um país” que não quer “ser governado pela vergonha e bandalheira que é o Chega”. Considera que também aí existe “potencial de crescimento” para o Livre, desde logo por entender que “o PSD está a ajudar o Chega de várias maneiras” e que “a Iniciativa Liberal hoje em dia não serve para nada”. E aponta para cima: “Queremos ver a IL pelo retrovisor e morder as canelas ao Chega.”
Como único partido da esquerda a crescer, Rui Tavares diz que “não [se] importa nada de partilhar a receita”, acusando a esquerda de continuar a “fazer o discurso da resistência e da sobrevivência” quando considera fundamental dizer às pessoas que é possível vencer.
“Não quero ver a esquerda, mais uma vez, a ser uma máquina de perder Presidenciais”
Os candidatos às presidenciais têm-se multiplicado e na última semana surgiu a confirmação de que Catarina Martins vai avançar também. O Livre decidiu juntar o nome ao referendo interno, onde já estavam António Filipe e António José Seguro. Qual é que é o candidato que pode servir melhor as medidas do partido?
Tanto candidato e tão pouca escolha, o que falta dizer acerca do próximo ou da próxima Presidente da República é que é um elemento essencial para defender a democracia. Não vamos andar aqui em rodeios: a democracia está em risco no mundo, países com democracias mais antigas, mais consolidadas do que a nossa já viram perigar as suas democracias e o próximo ou a próxima Presidente da República vai jurar uma Constituição e vai ter que a defender. Acho extraordinário, por exemplo, que a direita em Portugal, de cada vez que a bola bate na trave do Tribunal Constitucional, dizem que querem rever os juízes e a Constituição, mas nas últimas eleições, quando falei que deveriam de querer mudar a Constituição, disseram para não levantar fantasmas. Se houver uma mudança profunda da Constituição, é preciso haver quem diga que o país vai ter que ir discutir, porque nas últimas eleições não a discutiu. E vamos ter que ir de novo ao jogo para ver se têm os dois terços necessários para acabar com a Constituição do 25 de Abril e isso não está a ser dito pelas candidaturas presidenciais até agora. Como a conversa em torno da ascensão da extrema-direita está muito em torno do se aceitaria ou não dar posse a um governo do Chega como se já tivéssemos que estar a projetar-nos num futuro em que o Chega estivesse no Governo. Um Presidente da República tem que fazer um discurso pedagógico da defesa da democracia e se houver dois terços, três quartos do país que não quer um governo de extrema-direita, não temos que lhe o dar de bandeja, têm de fazer pela vida e conquistar. Aliás, o debate público em Portugal está completamente enviesado, com televisões que dão todo o tempo de antena ao Chega, mas que o outro partido que cresce, que aumenta em 50% os seus deputados, que também nas sondagens supera outros partidos, que está à frente da Iniciativa Liberal, que é o Livre, não tem o mesmo tipo de destaque.
Dos três candidatos da esquerda, há algum que coloque completamente de parte?
Ainda temos tempo para que apareçam mais candidatos e o Livre não entra em lógicas de candidaturas partidárias antes do tempo porque que a sociedade civil tem capacidade e força suficiente para ver emergir personalidades que ainda falta ouvirmos a sua palavra, a sua reflexão acerca de presidenciais.
Há muito pouco tempo parecia que a esquerda podia unir-se em torno de uma candidatura que pudesse levar novamente alguém desse espaço político a Belém, 20 anos depois. Foi um erro não haver esta coordenação?
Mas porque é que estamos a falar no passado? Essa coordenação pode perfeitamente existir. Estamos com eleições autárquicas, vamos decidir o destino de muitos municípios e freguesias do nosso país, vamos cumprir com este ciclo e o ciclo das presidenciais começa a seguir ao dia 12 de outubro.
Mas essa dispersão já existe, pelo menos estes três candidatos já se chegaram à frente.
Sim, mas ainda há tempo para ideias novas. Não acho que tenhamos que nos conformar com a ideia de que cada partido vai apresentar um candidato partidário, porque as eleições presidenciais, se elas forem, no fundo, uma espécie de remistura de eleições legislativas, não têm, desde logo, nem piada, nem interesse, nem dão a resposta que o país precisa. Desde ideias de fazermos um debate à esquerda, de onde se possa verdadeiramente clarificar quem é que pode ser um candidato que passe à segunda volta com toda a certeza e que dispute a segunda volta com a direita, desde a ideia de fazer umas primárias à esquerda… nada disso é impossível.
Há uns tempos dizia num podcast da Folha de São Paulo que “a esquerda, muitas vezes, não tem o pragmatismo necessário para chegar ao poder”. Esta frase está a aplicar-se na perfeição àquilo que se está a passar?
Mais uma vez digo que não temos que estar a falar no passado. Esta dispersão não tem que ser um dado absoluto. Há candidatos que, evidentemente, ao ver surgir outras candidaturas mais amplas e que transcendam mais facilmente as fronteiras dos partidos, podem recuar. E a esquerda também pode fazer um debate interno, pode fazer umas primárias e pode, dos candidatos que há e dos que vierem a aparecer, escolher um. Na política portuguesa estamos sempre a fazer política como os comentadores a discutem. Toda a gente dá de barato que cada partido vai ter o seu candidato e que a esquerda vai ter uma dispersão. Não excluo que possa surgir uma candidatura que tenha a força necessária para que as pessoas percebam que precisamos de apostar nela e já no passado houve desistências, manifestações de apoio para que na segunda volta pudéssemos ganhar eleições presidenciais e acho que ainda há gente que deu muito ao país, que tem muita capacidade de dizer as palavras certas.
Já percebi que não dá tudo por perdido, mas caso ninguém da sociedade civil se chegue à frente e a dispersão se mantenha, o Livre teria de apresentar um candidato?
O partido vai fazer essa discussão e certamente que toda a gente entenderia que, a partir do momento em que todos os partidos apresentam um candidato, que o Livre apresentasse também o seu ou a sua candidata. O Livre tem estado a ser responsável nesta discussão sobre presidenciais, a deixar espaço para que da sociedade civil emerjam os candidatos e não tem que ser uma coisa de tirar a senha da fila para ser atendido. Se António José Seguro é o primeiro a apresentar-se e diz que tem de confluir os votos todos, mas não o vejo fazer a reflexão necessária para pelo menos evitar dizer que daria posse a um governo do Chega se fosse eleito… Se isto é uma discussão tão simples e é [para] entregar as chaves da casa da democracia a quem diz à boca cheia que quer uma quarta república e basicamente destruir a Constituição do 25 de Abril… é porque a reflexão sobre a candidatura presidencial não foi feita antes de tirar a senha da fila. Se calhar há outras pessoas que estão a fazer essa reflexão com uma dose de responsabilidade em relação ao momento histórico maior e que possam vir a dizer as palavras certas que mobilizarão a esquerda e nessa altura podemos ter que baralhar e dar de novo para uma candidatura que efetivamente tenha hipóteses de ganhar. Não quero é ver a esquerda, mais uma vez, a ser uma máquina de perder eleições presidenciais.
Pode confirmar que o nome de Rui Tavares não estará no boletim das presidenciais em 2026?
É uma pergunta muito ingrata, porque se uma pessoa disser que sim, é notícia, se uma pessoa disser que está completamente excluída, é a notícia também. O país está a viver um momento de enorme crise. Não quero ser candidato presidencial, acho que faz sentido que outras pessoas com mais anos, com mais percurso de defesa dos elementos que têm a ver com a Presidência da República, a soberania nacional, pessoas que sejam capazes de ser a primeira figura da nação. Ninguém, neste momento, com o mínimo de responsabilidade política no nosso país pode dizer que exclui completamente uma coisa, mas também não quero que daqui surjam títulos em que o Rui Tavares não exclui, porque isso pode dar a sensação de que é uma coisa que está no meu horizonte, ou que está na minha cabeça, quando não está.
Se houver uma segunda ronda em que, tal como algumas sondagens apontam, estiverem lá Henrique Gouveia e Melo e André Ventura, vai conseguir tapar alguma das caras para fazer um voto?
Não vamos ter que chegar a esse cenário, porque vamos ter o sentido de responsabilidade suficiente para não chegar a esse cenário. Porque raio é que hei de admitir que este país, que já tem um Presidente da República de direita, um primeiro-ministro de direita, um presidente da Assembleia da República de direita, os governos das regiões são de direita, as maiores cidades de direita e o maior partido da oposição extrema-direita… nas eleições presidenciais vamos ter que escolher entre uma candidatura mais de centro-direita e uma de extrema-direita? Não acho que tenha que ser assim. E no Livre tenho muitos camaradas que também acham que não tem que ser assim e há gente de muita qualidade, como a Isabel Mendes Lopes, o Jorge Pinto, a Filipa Pinto, a Patrícia Gonçalves, o Paulo Muacho e tanta gente que também pode protagonizar aquilo que é necessário protagonizar, se for preciso faremos a luta necessária para impedir esse tipo de cenário.
Apresentar um deputado não é um problema?
O Livre terá sempre o sentido de responsabilidade necessário perante o momento histórico que estamos a viver. Seja pela apresentação de uma candidatura, seja pela confluência para uma candidatura forte que permita defender a democracia e que seja oriunda do campo progressista, mas para ganhar.
Chegou a pedir uma esquerda unida para derrotar a extrema direita nas eleições autárquicas, o Livre tem 49 candidaturas, entre elas 25 ligações à esquerda. O partido fez tudo para evitar que o Chega alcance o poder em várias autarquias?
Sim, o Livre fez tudo e há uma mudança a acontecer nos hábitos da esquerda que eram muito sectários, não havia coligações, não tinham isso naturalizado, ao contrário do que a direita tinha naturalizado, e agora há bastantes coligações.
“Carlos Moedas faz política politiqueira o tempo todo”
É vereador em Lisboa e ainda há muito para apurar relativamente ao acidente do elevador da Glória, mas com os dados que já existem, no lugar de Carlos Moedas, se fosse presidente da Câmara, ter-se-ia admitido?
O apuramento técnico vai ser feito pelos técnicos e essa é uma discussão na qual a política não se deve meter. A discussão para a política é uma discussão mais ampla do que isto. No lugar de Carlos Moedas, durante estes quatro anos, teria feito aquilo que lhe disse, reunião de Câmara após reunião de Câmara, o que era necessário fazer: não estar a ver o turismo como a galinha dos ovos de ouro de Lisboa e não preciso te explicar como é que acabou o conto da galinha dos ovos de ouro, mas aproveitar os recursos que a sociedade estava a ter, que foram imensos, para nos valorizarmos. Na reunião em que Carlos Moedas tirou 4 milhões da Carris e pôs quatro milhões na Web Summit, o Livre esteve contra e denunciou isso. Não é a questão de apurar a responsabilidade se os 4 milhões que foram tirados à Carris têm um impacto direto na tragédia do elevador da Glória. O que dissemos é que se nos queremos apresentar como cidade histórica e tecnológica, peguem em algum do dinheiro da tecnologia e ponham essa tecnologia ao serviço, por exemplo, dos transportes públicos. Temos a Web Summit, isso não significa, ao menos, pôr uns chips no elevador da Glória, uns sensores que possam determinar que quando a tensão do cabo não está como deve ser, quando a velocidade não está como deve ser, imediatamente o elevador tem que parar? Era possível fazer isso.
Carlos Moedas, nas últimas declarações, dizia que não devem ser retiradas conclusões precipitadas sobre a causa, mas também sugeriu que uma decisão tomada há seis anos anos, e estava a falar de um cabo que se rompeu, pode ter tido impacto. Não está ele próprio a sugerir uma conclusão precipitada?
É evidente que sim, Carlos Moedas faz política politiqueira o tempo todo, principalmente quando diz que não se pode fazer política politiqueira. Está a dizer é que ele pode e que os outros não podem. Comigo não tem sorte porque nunca fiz política politiqueira. Fui vereador de Lisboa porque é uma cidade que eu amo e é uma cidade à qual me entreguei e agora fizemos uma escolha em que os deputados são deputados, os candidatos autárquicos são candidatos autárquicos, nisso também somos diferentes de outros partidos e, portanto, com pena minha, este mandato encerra-se aqui. Mas fomos dizendo durante muitos anos que a negligência, o descaso, a falta de investimento, o facto de se ligar mais à imagem, ao que fica bem, ao TikTok, ao Web Summit, ao Tribeca… para aí foram os milhões, mas não olhar para monumentos que são da cidade, incluindo os seus transportes públicos, não cuidar deles, não os adaptar, não os modernizar, é a perda de uma oportunidade única que pode não voltar e isso tem que ser julgado, já devia ser julgado antes da tragédia da Glória. Já na altura dizia que Carlos Moedas continuar como presidente da Câmara Municipal de Lisboa é mau para a cidade. E coloco uma questão que tem a ver com a Iniciativa Liberal: é bué exigente, como dizem jovens, bué, bué, bué, querem despedir funcionários públicos que não correspondam ao seu nível de exigência, querem avaliar os funcionários públicos e despedi-los, e querem reconduzir Carlos Moedas.
A IL ficou mais calada porque faz parte dessa coligação?
A Iniciativa Liberal, infelizmente, hoje em dia não serve para nada e a falta que nos faria um partido liberal em Portugal, quando estamos a ver uma extrema-direita, é uma extrema-direita autoritária, securitária, que está num processo de compressão dos direitos e liberdades fundamentais em todo o lado do mundo… Liberais, pessoas que adotam uma ideologia liberal, que conhecem os teóricos liberais, o que é que estão a fazer para deter isto? Quando se faz um discurso anti-imigrantes, que é um discurso absolutamente exagerado, odioso de divisão. O que é que a IL está a fazer? Os partidos verdadeiramente liberais pelo mundo opõem-se a esse tipo de coisas. Faz muita falta um partido liberal em Portugal, mas não é a Iniciativa Liberal. E em Lisboa o que fazem é juntar-se num duplo critério absolutamente incompreensível para quem quer ser exigente com os servidores públicos, mas quando são os servidores públicos com o cartão do PSD, que não apanham o lixo, não iluminam as cidades, não tapam os buracos… e, no entanto, vão juntar-se com eles e querem vê-los reconduzidos. Acho extraordinário.
Há uma sondagem esta semana do Diário de Notícias em que o Livre aparece exatamente à frente da Iniciativa Liberal. Já tinha dito nas legislativas que tinha como objetivo ficar à frente do partido agora liderado por Mariana Leitão, na altura não conseguiu. Suponho que continue com essa ambição. Qual é que é a relevância de ficar à frente da IL, acredita que a o partido lhe pode estar a roubar eleitorado?
Agora já não temos essa ambição, já não queremos ficar à frente da Iniciativa Liberal.
É só uma sondagem, até agora.
Sim, mesmo em sondagens. Agora queremos é morder as canelas ao Chega. Queremos ver a IL pelo retrovisor e morder as canelas ao Chega. Queremos que o Livre seja o ponto de atração de todos aqueles democratas, progressistas que querem fazer frente a esta degradação da política que tem sido introduzida pelas extremas-direitas no mundo. E gostaríamos muito que a IL fosse, no seu campo político, uma espécie de aliado dessa causa, porque poderiam mobilizar votos do centro-direita e da direita para essa causa democrática, progressista verdadeiramente liberal, embora fosse liberal da direita, e nós faríamos essa mobilização à esquerda. Há muitos votos de quem não quer isto, de quem não quer ver a política a ser feita nesta degradação, de quem não quer só ver um vídeo do André Ventura a confundir cidadãos com hambúrgueres e rir para não chorar. Temos de ter uma alternativa a isto, uma política feita para um país que pode ser mais avançado mais qualificado, que utilize os dinheiros europeus para fazer riqueza a partir de baixo. O que vemos é que as elites portuguesas estão a ir pelo seu erro histórico, que é dinheiro fácil distribuído por poucos. E por isso, vemos que muita gente que não seja necessariamente de uma esquerda verde europeia como nós somos, que não sejam necessariamente de tradição da família ecologista, mas que são outro tipo de progressistas, também de sociais liberais, votar no Livre em vez de votar na Iniciativa Liberal. E isso vai servir para irmos aumentando o nosso pecúlio e para um dia irmos disputar o lugar do Chega como partido emergente na política portuguesa.
Essa sondagem coloca pela primeira vez um partido que não o PS ou o PSD em primeiro na democracia portuguesa, que é o Chega. Disse numa entrevista ao Observador que “a política da esquerda antiga não está a dar resultado”. Só o Livre é que tem surgido a crescer. Em que é que os outros estão a falhar?
Não me importo nada de partilhar a receita: tem a ver com pôr a liberdade no centro do discurso, que foi uma coisa que a esquerda se esqueceu de fazer e deixou que alguma direita fugisse com a ideia da liberdade em grande medida para a esvaziar e subverter. É preciso apostar em serviços públicos universais e apoios universais e não tanto naqueles sob condição de recursos que acabam a deixar os pobres a terem que provar que são pobres para poderem ter acesso ao apoio — e muita gente não o faz por orgulho e isto cria enormes fraturas nos nossos bairros, nas nossas cidades, nas nossas vilas, porque está o pobre zangado com o miserável, o miserável zangado com o remediado, toda a gente zangada a pensar que os imigrantes é que têm os apoios. Temos que ter apoios universais, porque assim ninguém tem inveja de ninguém, ninguém tem ciúmes de ninguém, o Estado deve apoiar e servir a todos. E depois tem que ser mais pragmática, uma esquerda capaz de dizer ‘estamos aqui para governar’ porque é isso que é o natural da política. Quero que as pessoas vejam num Livre um partido otimista, alegre, que olha para o futuro com confiança, que quando uma sondagem como essa que diz surge e tem, acho que é 26% para o Chega, que sejamos a voz dos outros 74% que, com mil raios, não querem ver um país governado pela vergonha e bandalheira que é o Chega. Os tipos que querem penas de 250 milénios para incendiários, mas depois têm mandatários que são incendiários e eles próprios são incendiários políticos. Os 74% que não admitem votar naquilo precisam de representação. Infelizmente o PSD não está a ser essa representação, está a ajudar o Chega de várias maneiras e a partir do Governo e o Livre tem potencial de crescimento porque as pessoas que não querem ver a nossa democracia a ir pelo cano têm que ter uma voz.
Mas não sente que essa aparente falta de ambição ou adaptação da esquerda a esta nova realidade impossibilita que exista uma verdadeira alternativa de esquerda para o país?
Vejo a esquerda muitas vezes a fazer o discurso da resistência, o discurso da sobrevivência que, identitariamente, é um discurso que tem raízes profundas na nossa história do antifascismo, mas eu acho que é preciso fazer outro discurso: é preciso dizer que não queremos que as pessoas resistam, que queremos vencer; não queremos que as pessoas sobrevivam, queremos que elas vivam plenamente e para atrair mais gente, para mobilizar mais gente, não podemos estar só a dizer às pessoas venham cá resistir connosco e sofrer a longa noite fascista. Temos que dizer às pessoas que sejam parte de um movimento vitorioso.
Concorda com a presença da coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, na flotilha humanitária para Gaza?
É um gesto de grande nobreza e de grande coragem. Estamos solidários com quem quer quebrar o cerco a Gaza, que é uma coisa completamente desumana. E não percebo muito bem as picuinhices com que tanta gente se põe em relação… as pessoas estão a tentar fazer alguma coisa, quando veem tanta gente à nossa volta que não está a fazer nada para que aquelas pessoas em Gaza sobrevivam. O Livre tem tentado trazer a questão do reconhecimento da Palestina para o centro do debate.
Não ponderou estar presente nessa flotilha?
Sinto que a partir do momento em que a Palestina for reconhecida por alguns partidos-chave, e a Europa é chave, Netanyahu vai perceber que não adianta destruir a Palestina porque aquele território vai ser reconhecido como parte do Estado da Palestina. Aquilo tem de passar a ser visto como um conflito internacional em que a Palestina seja entendida como é a Ucrânia: um país que está a ser agredido por uma potência estrangeira.