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(A) :: Três freiras foram postas em lar de idosos contra a sua vontade. Rebelaram-se, fugiram e voltaram ao convento

Três freiras foram postas em lar de idosos contra a sua vontade. Rebelaram-se, fugiram e voltaram ao convento

História está a comover a Áustria, mas criou tensão com a hierarquia da Igreja. Freiras tiveram ajuda de antigas alunas e voltaram a habitar um convento cuja comunidade tinha sido dissolvida.

João Francisco Gomes
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As irmãs Bernardette, Rita e Regina queriam morrer no mosteiro onde viveram a maior parte das suas vidas. Mas, em dezembro de 2023, contra a sua vontade, foram colocadas num lar de idosos. Não se conformaram e, menos de dois anos depois, fugiram do lar e voltaram ao convento, com a ajuda de antigas alunas — um caso que está emocionar a Áustria, mas também a levantar conflitos com as autoridades eclesiásticas do país.

No centro da história está o castelo de Goldenstein, em Elsbethen, na região de Salzburgo, propriedade das freiras agostinianas desde o final do século XIX e onde desde essa altura funcionava um mosteiro e um colégio privado. Bernardette, Rita e Regina têm uma longa história de ligação àquele mosteiro: a irmã Bernardette chegou lá em 1948 como aluna do colégio e seguiu a vocação religiosa, tornando-se freira; Regina chegou ao convento em 1958 e Rita em 1962.

Segundo a BBC, as três trabalharam durante longos anos no mosteiro e foram professoras no colégio. A irmã Regina chegou mesmo a ser diretora da instituição de ensino.

Ao longo dos anos, porém, o número de religiosas a viver no mosteiro foi diminuindo, o que levou a escola a funcionar com um envolvimento cada vez menor das freiras agostinianas. Até que, em 2022, o edifício passou para a posse da arquidiocese de Salzburgo e ficou sob alçada da abadia de Reichersberg, também da ordem agostiniana. Restavam apenas três religiosas no convento — Bernardette, Rita e Regina —, que ficaram sujeitas à liderança do padre agostiniano Markus Grasl, superior daquela abadia.

Sem viabilidade para continuar, a decisão de Grasl foi a de dissolver a comunidade de religiosas, garantindo às três freiras o direito vitalício de residência naquele convento, enquanto a sua saúde física e mental o permitisse, explica a BBC. Foi também prometido às três religiosas que os seus desejos acerca do futuro do convento, incluindo a continuidade da escola, seriam cumpridos. Em dezembro de 2023, com o argumento de que a saúde das freiras era precária, a abadia agostiniana decidiu transferir as três idosas, todas com mais de 80 anos, para um lar de idosos da Igreja Católica.

“Não fomos ouvidas”, contou a irmã Bernardette, citada pela BBC. “Tínhamos o direito a ficar aqui até ao final das nossas vidas e isso não foi respeitado.”

Este mês, as três religiosas rebelaram-se. Com a ajuda de um grupo de antigas alunas do colégio, Bernardette (88 anos), Regina (86) e Rita (82) fizeram as malas, saíram do lar de idosos e voltaram ao convento onde viveram durante décadas. Chamaram um serralheiro para abrir as portas dos seus quartos, cujas fechaduras tinham sido trocadas, e instalaram-se no convento, que já não tinha eletricidade nem água.

Ao longo dos últimos dias, com a ajuda da comunidade local, as freiras têm vindo a reabrir gradualmente o convento. “Sempre que precisarem, chamam-nos. Só precisam de nos telefonar e estaremos lá, de certeza. As irmãs mudaram muitas vidas de uma forma muito positiva”, disse Sophie Tauscher, antiga aluna, à BBC. “Goldenstein sem as freiras não é possível”, acrescentou Tauscher, uma das muitas residentes locais e antigas alunas que têm inundado o convento com visitas, com ofertas de ajuda nos últimos dias, levando as compras às religiosas.

A irmã Bernardette reconhece que a decisão implicou uma desobediência à Igreja, mas diz que valeu a pena. “Fui obediente toda a minha vida, mas isto foi demais”, afirmou à BBC. “Estou muito feliz por estar em casa. Estava sempre com saudades de casa no lar de idosos. Estou tão feliz e grata por estar de volta”, acrescentou a irmã Rita.

Apesar do aplauso da comunidade local, o caso está a causar tensão na hierarquia eclesiástica. O superior agostiniano, Markus Grasl, emitiu um comunicado a classificar a decisão das religiosas como “completamente incompreensível” e a destacar que “os quartos do convento já não são utilizáveis e não cumprem os requisitos para um cuidado de saúde adequado” às freiras idosas, que têm “condições de saúde precárias” e não conseguem viver de forma independente. Pelo contrário, no lar de idosos, as irmãs tinham cuidados médicos profissionais, afirmou Grasl.

Isso parece não mover a irmã Bernardette, que diz à BBC preferir morrer num prado junto ao convento do que “morrer naquela casa de idosos”. Com a ajuda das antigas alunas e da comunidade local, as três religiosas têm partilhado imagens da nova vida no seu convento de sempre numa página do Instagram.