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A Bola ficou para Jonas, o Mundo conheceu João: Vingegaard ganha etapa e vence Vuelta, Almeida faz história com segundo lugar

Almeida teve UAE a marcar ritmo, Hindley arriscou, Vingegaard fez ataque vitorioso com inclinação de 20% para garantir etapa da Bola del Mundo e Vuelta, com o português em quinto – e segundo da geral.

Bruno Roseiro
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Agora era o momento da verdade. Não havia tempo para queixas, não havia tempo para distrações, não havia tempo a perder – literalmente, só a ganhar. Com a última etapa deste domingo com chegada a Madrid ainda envolta em muitas dúvidas pelas ameaças de protestos, a penúltima tirada com chegada à Bola del Mundo, que teria antes a passagem pelo Puerto de Navacerrada com uma subida também de primeira categoria, era o cenário (dantesco, para quem o tinha de fazer) para receber as grandes decisões da Volta a Espanha numa fase em que o top 10 parecia estar definido: quem iria ficar com a camisola vermelha, numa luta que teria Jonas Vingegaard a começar com 44 segundos de vantagem sobre João Almeida; quem fecharia o pódio entre Thomas Pidcock e Jai Hindley, que partia com 39 segundos de atraso; e quem conseguia terminar no top 5 desta edição, apesar do avanço confortável de Giulio Pellizzari sobre Matthew Riccitello e Felix Gall.

https://observador.pt/2025/09/12/o-regresso-do-rei-jasper-no-dia-em-que-a-emirates-caiu-no-engodo-da-visma-philipsen-soma-terceira-vitoria-e-vingegaard-ganha-4-segundos/

Grandes decisões que chegavam à luz daquilo que tinha acontecido na véspera, naquela que foi mais uma demonstração da Visma Lease-a-Bike sobre o que deve ser verdadeiramente uma equipa. Numa etapa com chegada a Guijuelo, o conjunto do atual líder percebeu como os ventos laterais podiam mexer com a corrida, assumiram o comboio do pelotão em alguns momentos mesmo sabendo que a vitória no final deveria sempre cair para um sprinter (como aconteceu, com triunfo do inevitável Jasper Philipsen) e conseguiram colocar Jonas Vingegaard a passar em terceiro sprint bonificado, ganhando assim quatro segundos a João Almeida. Aquilo que o português ganhara no contrarrelógio estava quase cortado a metade por uma distração de toda a equipa da UAE Team Emirates. Mais uma vez, regressou a discussão sobre o papel de cada um.

https://twitter.com/lavuelta/status/1966801654335811832

“Sinceramente, não era algo que estava planeado. Estávamos atentos aos possíveis abanicos e estes quatro segundos fizeram com que fosse um grande dia. Não digo que possam decidir a Vuelta mas é melhor ter esta vantagem. Tudo ficará decidido este sábado na Bola del Mundo, veremos se este avanço é suficiente”, referiu Vingegaard após a etapa. “Foi mais uma etapa concluída, com chegada ao sprint, não havia muito mais a fazer. A fuga tinha um corredor, havia umas rotundas que favoreciam e desfavoreciam, acabámos por ir pelo pior lado, não me sentia nas melhores condições para ir à discussão mas pouca diferença fez”, relativizou à Antena 1 João Almeida, líder da Emirates que voltou a passar ao lado do desempenho da equipa.

https://twitter.com/vismaleaseabike/status/1966550379979829692

https://twitter.com/TeamEmiratesUAE/status/1966538197673922757

Parece quase um paradoxo mas a equipa que mais vitórias conseguiu na Volta a Espanha (duas de Juan Ayuso, duas de Jay Vine, uma de João Almeida, uma de Marc Soler e uma coletiva no contrarrelógio) era a que mostrava maiores debilidades quando chegava a altura de proteger o seu líder. Durante várias etapas alguns dos principais elementos foram saindo em fugas, tentando a sorte em etapas ou lutando por outros objetivos como a camisola da montanha de Jay Vine mas, nos momentos chave, quando chegavam capítulos decisivos ainda havia Jorgensen e/ou Kuss ao lado de Vingegaard mas já não havia Soler ou Ayuso ao lado de Almeida. Esse era o grande objetivo da Emirates para este sábado e Alberto Contador dava o “mote”.

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“Têm que atacar desde início, logo desde La Escondida. Tem uma parte com rampas muito duras é por isso que deve haver uma corrida muito agressiva. O Alto de Navacerrada é bom mas consegue controlar-se de uma outra forma. É necessário ter vários corredores na frente para que não seja o João Almeida a assumir esse endurecer da corrida. Essa é a única maneira que pode ter para recuperar. A ideia central é simples: colocar muitos homens na frente para controlar e endurecer a etapa antes que o João Almeida ataque para ir sozinho, garantindo que ele é mais poupado até esse momento decisivo. Parece-me que é muito complicado recuperar esse tempo e é por isso que devem destruir a corrida”, comentou o atual comentador do Eurosport e antigo vencedor da Vuelta por três ocasiões, incluindo em 2012 num cenário muito parecido.

https://twitter.com/Eurosport_ES/status/1966819799339590031

Estavam lançados todos os dados para a 20.ª etapa, que poderia confirmar algo que parecia há muito uma certeza: João Almeida a igualar ou melhorar aquele que era o melhor resultado de um português em grandes voltas, pertencente ainda a Joaquim Agostinho com uma segunda posição na Volta a Espanha de 1974. Antes do “inferno” da Bola del Mundo, com os últimos 3,2 quilómetros a uma inclinação média de 12,2%, haveria mais quatro contagens de montanha num total de 4.226 metros de desnível acumulado. Era este o desenho do palco onde nascem os heróis, com muitas decisões ainda por chegar e espaço para “surpresas”.

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Depois de uma pequena queda na saída neutralizada que apanhou corredores de algumas equipas incluindo a UAE Team Emirates, o arranque da etapa não demorar a mostrar que este seria o dia mais movimentado ao longo de três semanas com todas as formações a tentarem aparecer e fazer a diferença. Filippo Ganna, que ganhou o contrarrelógio individual na terceira semana, foi o primeiro a sair e teve depois a companhia de Egan Bernal, também na Ineos, numa fase em que havia vários pequenos grupos a serem formados logo na passagem por La Escondida onde Elia Viviani ficou cortado. Giulio Ciccone e Brandon Rivera estiveram no comando, a passagem por La Escondida fez-se com um grupo onde estavam Jack Haig, Pickering, Aular, Vansevenant, Buitrago ou Labrosse, entre outros. Seguia-se o Puerto de la Paradilla, neste caso uma terceira categoria, com outros nomes como Lecerf, Dunbar, Mikel Landa, Carlos Verona, Vansevenant ou Mads Pedersen a juntarem-se aos cinco da frente com Bernal a colar também nesse grupo que tentava a fuga.

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Só mais tarde houve uma lista da organização com todos os corredores em fuga: Bernard, Ciccone, Pedersen, Verona (Lidl-Trek), Aular, Canal (Movistar), Landa, Vansevenant (Soudal Quick-Step), Bernal, Jungels, Rivera (Ineos), Planckaert (Alpecin Deceuninck), Quinn, Van der Lee (EF Education), Armirail, Labrosse (Decahtlon-AG2R), Buitrago, Ermakov, Haig (Bahrain), De la Cruz, Zukowsky (Q36.5), Fortunato, López, Masnada (XDS Astana), Molard, Küng (Groupama-FDJ), Nicolau (Caja Rural), Dunbar, O’Brien (Jayco), Rouland, Verre (Arkéa), Herrada (Cofidis), Artz (Intermarché-Wanty), Vermaeke (Picnic-PostNL), Aparicio, Chumil (Burgos) e Hirt (Israel). Ou seja, nada de Visma, de Emirates ou de Red Bull-Bora, com a formação de João Almeida a assumir o comando do pelotão e a Red Bull-Bora a querer depois marcar ritmo.

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Estava a aproximar-se mais uma subida, neste caso ao Alto del León com uma segunda categoria com sete quilómetros a subir numa inclinação média de 7,3% que já poderia fazer mossa em alguns desses elementos do “mini pelotão” que ia na frente com pouco mais de um minuto e meio de vantagem sobre o grupo onde seguiam todos os primeiros classificados da geral. A diferença nunca passou muito dessa fasquia, também na esperança de que pudesse haver uma junção que colocasse João Almeida a ir buscar bonificações no Puerto de Navacerrada, mas, em parte, aquilo que Contador tinha referido estava parcialmente a ser cumprido, com a Emirates apostada em endurecer o ritmo com Ivo Oliveira a começar a puxar numa fase inicial e depois os escudeiros Juan Ayuso, Marc Soler, Jay Vine e Felix Grosshartner a fazerem o seu trabalho. A distância passava para apenas um minuto mas o grupo da frente começava a ceder, ficando reduzido a 12 com Buitrago, Bernal, Armirail, Ciccone, Dunbar, López, Landa, Bernard, Braz, Hirt, Van der Lee e Muñoz.

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A possibilidade de haver bonificações nesta fase era mesmo uma miragem, com tudo a ficar guardado para a Bola del Mundo entre muitas bandeiras da Palestina na estrada (mas sem manifestações que levassem a um corte da etapa) e de novo grande apoio a João Almeida, que contou como nunca com uma legião de fãs que ainda acreditavam num milagre que colocasse o português na frente. Chegava a fase de descida, com apenas cinco na frente entre Ciccone, Mikel Landa, Egan Bernal, Armirail e Jardi Christiann Van der Lee, a Emirates a manter o ritmo avassalador que ia deixando para trás cada vez mais corredores e os últimos 25 quilómetros que seriam sempre a subir com pendentes diferentes. O terror estava a chegar, as decisões também mas surgia o primeiro bloqueio, com a fuga a passar e com Mikel Landa a aproveitar para ir para a frente. Mais um incidente que chegou mesmo a deixar um corredor da Movistar parado mas que voltou a mostrar que, apesar dos cuidados e do reforço policial, as manifestações contra a equipa de Israel vão continuar.

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A 13 quilómetros do final, já com esse incidente superado, Mikel Landa seguia na frente com pouco mais de dez segundos de avanço, os quatro perseguidores começavam a deixar de estar organizados e o grupo que era liderado pela Emirates onde seguia também o comboio da Visma seguia a 1.05 minutos. A dez quilómetros da meta, Ciccone tinha assumido o comando da fuga e Juan Ayuso encostava, com Felix Grosschartner a tentar manter o ritmo alto na perseguição tendo Jay Vine com João Almeida, que levava sempre na sua roda Jonas Vingegaard. Esse era o maior problema da Emirates: tentou marcar o ritmo, quebrou o pelotão, voltou a não impedir que o dinamarquês chegasse com três companheiros ao lado tendo ainda Wilco Kelderman na ponta do grupo. Quando Vine agarrou na frente da perseguição, a distância estava abaixo dos 40 segundos.

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A Emirates tentou fazer o seu trabalho mas tudo dependeria de João Almeida e do duelo particular frente a Jonas Vingegaard numa fase em que, a seis quilómetros do final, Egan Bernal e Felix Gall ficavam para trás tal como Pellizzari (que colocava assim a camisola branca da juventude em risco) ou Matteo Jorgensen, que tem sido uma peça chave na defesa do camisola vermelha. A hora dos ataques estava finalmente a chegar, tendo em conta que os últimos três quilómetros são sobretudo um desafio contra os próprios, e Ciccone e Landa estavam prestes a ser alcançados com o português logo atrás de Jay Vine e Vingegaard sempre na roda do mais direto adversário, com o australiano a acabar o trabalho e Almeida a ficar por si na luta.

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A estrada, além de parecer empurrar as bicicletas para trás de tão inclinada, estava cada vez mais estreita e com piso em condições mais complicadas sem ser um empedrado puro. Sobravam apenas cinco na frente, com Pellizzari a ser o único do top 6 que não ia lutar pela etapa. João Almeida procurava aumentar o ritmo, mesmo sem ter aquele ataque explosivo que pudesse marcar diferenças, Pidcock começava a ceder de forma ligeira para Jai Hindley, que apostou no ataque, levou Vingegaard consigo e deixou o português em maiores dificuldades, num espaço curto que acabou por ser anulado aos poucos. A hipótese de ganhar a camisola vermelha estava esfumada, o português seguia para tentar ganhar a etapa, Pidcock tentava a todo o custo e no meio das dúvidas foi Vingegaard que atacou numa zona a 20%, deixando Hindley, Almeida e Pidcock para trás e colocando um ponto final nas dúvidas com um triunfo também na famosa Bola del Mundo.

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João Almeida tentou tudo apesar de ter terminado a etapa na quinta posição também atrás de Sepp Kuss (em dia de aniversário) e Jai Hindley, Vingegaard mostrou que está uns níveis acima de todos os outros onde apenas Tadej Pogacar consegue chegar. Ainda assim, se o dinamarquês conquistou a sua primeira Vuelta, o português igualou o melhor resultado de sempre de um corredor nacional numa grande volta com o segundo lugar na geral como Joaquim Agostinho em 1974 na Vuelta contra José Manuel Fuente (na edição onde alguns continuam a garantir que 11 segundos de diferença não espelharam a real classificação).

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Contas feitas, Vingegaard ganhou a tirada com o tempo de 3.56.23, com o companheiro Sepp Kuss a entrar a 11 segundos e Jai Hindley a ficar a 13 segundos. O top 10 da etapa ficou fechado com Thomas Pidcock (18”), João Almeida (22”), Matthew Riccitello (24”), Jay Vine (47”), Giulio Ciccone (1.11), Junior Leclerf (1.22) e Xavier Pickering (1.30). Em termos de classificação geral, o dinamarquês, o primeiro do país a ganhar a Vuelta, tem uma vantagem de 1.16 minutos em relação a João Almeida com Pidcock a segurar a terceira posição a 3.11. Seguem-se Hindley (3.41), Riccitello (5.55), Giulio Pellizzari (7.23), Kuss (7.45), Felix Gall (7.50), Torstein Traaen (a grande surpresa desta edição, 9.48) e Matteo Jorgensen (12.16).

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