Por mais que se fale de sustentabilidade, o que realmente faz diferença: o selo, a prática empresarial ou a perceção do consumidor?
Enquanto marcas de moda e grupos hoteleiros correm atrás de certificações, uma contradição fundamental persiste: a dissonância entre o que é certificado, o que o consumidor valoriza e o que realmente faz a diferença.
O selo é o ponto de partida. Mas o sistema acompanha a viagem?
Na moda, o caso recente da Princess Polly, uma marca australiana de fast fashion com milhares de produtos lançados todos os meses, ter recebido a certificação B Corp levantou sobrancelhas (Vogue, 2025). Como é que é possível que um modelo de negócio assente na renovação rápida de stocks, preços baixos e volumes elevados possa ser considerado exemplar do ponto de vista ambiental e social?
A resposta oficial do ponto de vista técnico revela que a B Corp avalia o impacto total da empresa, com base numa grelha de pontos (B Corp, 2025). Mas o modelo tem sido criticado porque permite compensar desempenhos menos robustos numa dimensão (como emissões ou condições laborais) com boas práticas noutra (como governance ou a política de género). Esta ambivalência cria espaço para um paradoxo desconfortável: uma certificação que procura ser sinal de excelência pode ser atribuída a modelos de negócio ainda em transição.
O mesmo se passa no turismo: há hotéis que exibem selos de sustentabilidade apesar de manterem práticas com impacto ambiental significativo, como uso intensivo de plástico ou até importações pouco justificadas, como é o caso de água engarrafada proveniente de destinos tão distantes como as Ilhas Fiji.
O problema não está apenas nas certificações, que trabalham continuamente para rever critérios e torná-los mais rigorosos e confiáveis. Está também na atenção (ou falta dela) do consumidor. Os consumidores dizem que se importam, mas será que na realidade se importam?
Estudos científicos revelam um paralelismo entre a moda e o turismo, padrões de consumo que se assemelham nas atitudes tomadas face a escollhas que envolvem a sustentabilidade (Athwal et al., 2019; Line & Hanks, 2016).Vários consumidores dizem valorizar sustentabilidade, mas continuam a comprar com base no preço, na performance, na conveniência ou na estética (Luchs et al., 2010; Luchs & Kumar, 2017).
Na moda, testes de durabilidade revelaram que T-shirts de poliéster de cerca de 5 euros podiam ser mais duráveis do que outras que custavam aproximadamente 400 euros, mostrando que o preço e a imagem não refletem necessariamente o impacto ambiental real (Wrap, 2025). No turismo, os hóspedes até podem notar se há painéis solares ou se o mel é de origem local no pequeno-almoço. Mas preocupam-se em saber se existem políticas de compensação de carbono?
O que acaba por prevalecer é a experiência e, muitas vezes, a chamada experiência sustentável que é percebida mais como uma forma de gerar uma sensação imediata de benefício pessoal, como conforto, estética, bem-estar ou distinção, do que como uma prática verdadeiramente autêntica do ponto de vista ambiental mensurável.
Este tipo de comportamento pode, num primeiro momento, ser explicado pela dissonância cognitiva: quando as pessoas agem de forma contrária aos seus valores declarados (por exemplo, dizem-se ambientalmente conscientes), mas optam por voos low-cost ou fast fashion, gerando um desconforto interno que procuram aliviar através de racionalizações ou minimizações.
No entanto, há indícios crescentes de que muitos consumidores hoje convivem com essa incoerência de forma consciente, sem já sentirem esse desconforto. Trata-se de um fenómeno de distanciamento moral (moral disengagement), em que os indivíduos desligam os seus princípios das suas ações para manter uma autoimagem positiva. Este comportamento pode envolver justificações como “não tenho alternativa”, “toda a gente faz o mesmo” ou “não vai ser a minha compra que muda o mundo”.
Além disso, o contacto repetido com estas contradições, entre discurso e prática ou entre o marketing responsável e a realidade, leva ao apagamento da dissonância por normalização. Isto é, com o tempo, os comportamentos incoerentes deixam de causar desconforto porque são absorvidos pelo quotidiano e socialmente aceites. A incoerência deixa de ser um problema. E com isso, a urgência da mudança tende a esvaziar-se.
Em ambos os setores, muitas marcas de referência estão, de facto, a fazer esforços genuínos. Na moda ,há marcas a reduzir a produção, a trabalhar com materiais circulares, a investir em relações justas com fornecedores como a Ecoalf, a Asket ou mesmo a Hirundo, no panorama nacional. No turismo, há hotéis off-grid (A Quinta da Lage), iniciativas de impacto comunitário e zero desperdício.
Mas estas marcas são frequentemente menos visíveis que aquelas que jogam o jogo da sustentabilidade certificada sem alterar o essencial do modelo de negócio. Estamos perante um problema sistémico motivado por diversos fatores. As certificações procuram criar confiança, mas acabam por gerar complacência; os consumidores querem fazer a escolha certa, mas preferem não ter de pensar muito sobre isso. E as empresas, mesmo quando querem mudar, enfrentam um paradoxo: se forem honestas sobre as suas limitações, podem parecer menos sustentáveis do que as que contam melhor a história.
Então, o que fazemos com isto?
Talvez a primeira mudança possa ser educacional: começar por ensinar os consumidores a ler para além do rótulo. Exigir das certificações critérios mais transparentes e binários, que não permitam compensações internas incoerentes. Avaliar o que se faz ao longo do ciclo de vida do produto ou serviço e não só à superfície. Mais do que aumentar o número de empresas certificadas, precisamos de aumentar a literacia do consumidor e a coerência dos modelos de negócio.
Porque sustentabilidade não é um selo. É uma prática diária, cheia de trade-offs.
E se o consumidor não vê, não entende ou não se importa, as mudanças ficam à porta do marketing. A sustentabilidade começa na literacia, na capacidade de reconhecer complexidade, exigir transparência e escolher com consciência. Sem isso, tudo o resto fica à superfície.